Aos olhos dos ambientalistas, as embalagens flexíveis se afiguram a um calcanhar de aquiles do plástico, devido à sua inviabilidade para a reciclagem mecânica. Pois é esta a brecha fechada pela patenteada tecnologia da empresa Recupera, sediada na Eslovênia e que tem no cientista brasileiro Flavio Ramalho Ortigão seu fundador e CEO de Tecnologia. “Através da conversão de plásticos, em regra derivados de petróleo e compostos principalmente de hidrogênio e carbono, em gás de síntese num processo sem emissões, evitamos que a mesma quantidade de petróleo virgem seja extraída. O hidrogênio branco é uma maneira economicamente viável de transformar o problema do descarte dos plásticos não recicláveis numa solução verde”, sustenta o dirigente. A propósito, hidrogênio é incolor, mas a consultoria McKinsey entendeu de classificar o gás por cores conforme sua origem, esclarece Ortigão. ”Desse modo, hidrogênio verde é o gerado pela eletrólise com energia renovável; o cinza provém da reforma do metano do gás natural e o preto resulta da gaseificação do petróleo”, ele descreve. “O hidrogênio branco é produzido a partir de manejo sustentável de biomassas e da gaseificação dos plásticos em fim de vida, adicionando valor e favorecendo assim sua reciclagem”. Nesta entrevista, Ortigão detalha a tecnologia desenvolvida pela Recupera e suas credenciais de circularidade.
1Poderia explicar, passo a passo, o processo de gaseificação de plásticos da Recupera?
A gaseificação é um dos três processos termoquímicos; os demais são incineração e pirólise. Enquanto a incineração marca pelo excesso de oxidante, normalmente ar, a gaseificação exibe quantidade limitante de ar ou oxidante e a pirólise é um procedimento anóxico, sem oxidante. A diferença química entre esses processos é que, enquanto a incineração leva à produção de calor e dióxido de carbono (CO2), a pirólise leva à produção de três frações de gases não condensáveis, carvão e óleo de pirólise, e a gaseificação leva à geração de gás de síntese. Ou seja, um gás composto de monóxido de carbono (CO) e hidrogênio (H2).
No processo de gaseificação, os plásticos são, de início, triturados até uma mistura homogênea de 4 mm. Esse material entra no gaseificador por uma moega em velocidade constante. Ele é composto por duas torres de gaseificação conectadas em série e, no final de cada tubo, encontra-se um ciclone. O material é gaseificado nos diferentes segmentos de temperatura nas torres e, ao final, o gás é separado de eventuais sólidos pelo ciclone. Desse modo, o gás é removido e os sólidos voltam à gaseificação, repetindo o ciclo até este processo se completar. O gás removido passa por filtros e catalisadores, aumentando sua qualidade e poder calorífico. A seguir, ele é submetido a condensadores e esfriado antes de entrar no processo de separação dos gases. Ao fim deste processo, temos então o hidrogênio e monóxido de carbono separados.
O processo da Recupera é baseado na patenteada tecnologia de Conversão de Baixa Temperatura (CBT). Ela é originária da Alemanha, mas foi transposta à prática no Brasil e aperfeiçoada e validada por nós na Europa. Construímos em Celje, na Eslovênia, a planta piloto com capacidade de processamento de 1t/h. A grande diferença entre a tecnologia de CBT e demais processos de gaseificação reside na temperatura. Nosso processo é realizado abaixo de 450°C, enquanto a pirólise é normalmente efetuada entre 700-800°C e a tecnologia de plasma entre 3500-5000°C. Em processos químicos, a manutenção de altas temperaturas tem alto custo e vale lembrar que a gaseificação, por ser uma oxidação parcial, é levemente exotérmica. Ou seja a depender da temperatura, energia tem que ser adicionada ao processo.
2Ao final da gaseificação do hidrocarboneto (plástico) qual a forma residual do carbono e como ele é eliminado do processo?
O carbono é inteiramente convertido no monóxido de carbono. Esse gás é separado, como já explicado, e enviado por tubulação para o usuário. Monóxido de carbono é uma mercadoria química para a produção de metanol e pode também ser utilizado como gasogênio, também denominado gás de síntese ou de rua.
3Qual o potencial da unidade da Recupera e como avalia a possibilidade do investimento em uma escala industrial no Brasil?
A capacidade da nossa planta é de 22t/dia ou 8.000t/a. Nosso equipamento é de alta tecnologia, mas plantas compactas são altamente competitivas. Os custos de produção e preço dependem do projeto e não são públicos. Estamos conversando com atores brasileiros. Até pouco tempo se afirmava que haviam tecnologias alternativas de reciclagem dos plásticos, o que não é verdadeiro. Hoje sabemos que somente 3% dos plásticos coletados no mundo são reciclados. A coleta dos plásticos não implica sua reciclagem. Nosso processo consta da reciclagem termoquímica dos plásticos e sua conversão num produto de valor adicionado. Creio que temos a melhor solução para os plásticos em fim de vida. •