Quais os principais usos de softwares de Inteligência Artificial (IA) que têm feito os seus clientes transformadores?
Como assim, limitantes?
Uma empresa precisa se adaptar a um software que segue uma lógica única, que não pode atender às necessidades particulares de cada companhia. Adaptações exigem intervenção do fornecedor ou desenvolvimento adicional, opções que podem custar muito caro. Além disso, a evolução de um software depende de ciclos de atualização do fornecedor.
Em contraste, as plataformas ou soluções de IA são projetadas como sistemas flexíveis e adaptáveis. Permitem customização profunda para atender às necessidades específicas de cada empresa, oferecem capacidade de evolução contínua e que acompanha o crescimento do negócio. Também, podem ser integradas com outros sistemas empresariais e possibilitam que a empresa mantenha seu diferencial competitivo através de soluções únicas.
O cenário atual das soluções tecnológicas mostra que o desafio não é a falta de opções, mas, sim, navegar pelo vasto ecossistema de ferramentas disponíveis e selecionar a combinação ideal para cada necessidade específica.
“A IA oferece benefícios em toda a cadeia de valor, incluindo áreas muitas vezes negligenciadas”
Quais as categorias de plataformas mais importantes que permitem criar soluções customizadas?
São as seguintes:
- Plataformas no-code, como Bubble, que permitem desenvolver aplicações completas sem escrever código tradicional.
- IAs generativas como ChatGPT, Claude e suas respectivas APIs (solução de integração específica para sistemas e funcionalidades voltadas para IA), que podem gerar conteúdo, código e automatizar processos criativos.
- Ferramentas de automação e integração como n8n, Make e Zapier, que conectam diferentes sistemas e criam fluxos de trabalho personalizados.
- Plataformas emergentes de desenvolvimento assistido por IA como Replit, que combinam ambientes de desenvolvimento com assistentes de IA.
- Soluções de backend como Xano e Supabase, que simplificam significativamente a criação da infraestrutura necessária.
- Plataformas de PaaS (Platform as a Service), como Railway, que facilitam significativamente o deploy e gerenciamento de aplicações, oferecendo uma experiência simplificada de infraestrutura em nuvem.
Quais as vantagens proporcionadas a seus clientes transformadores pela IA em quesitos como eficiência da produção, qualidade, atendimento e redução de custos?
Em geral, há uma preocupação com a produtividade no chão de fábrica com a aquisição de máquinas mais modernas e automatizadas. Não é meu foco. Existem importantes aplicações de IA que complementam investimentos em automação eInternet das Coisas (IoT), como manutenção preditiva, controle de qualidade automatizado e otimização de fluxos, mas essas implementações em geral exigem investimentos infraestruturais significativos e transformações mais profundas nos processos produtivos.
É interessante observar que, enquanto tradicionalmente o foco de otimização nas empresas brasileiras esteve concentrado nos processos produtivos e no chão de fábrica, hoje as tecnologias de IA oferecem benefícios transformadores em toda a cadeia de valor, incluindo áreas muitas vezes negligenciadas, como processos administrativos e tomada de decisões estratégicas. É nesta seara que atuo.
Em geral, os processos administrativos estão severamente atrasados no nosso mercado. Enquanto máquinas modernas habitam o chão de fábrica, o departamento financeiro está imprimindo papéis para fechar o caixa ou lançar valores de frete.
Engenheiros se debruçam em planilhas emitidas por ERP’s (sistema que integra todas as áreas de uma empresa) defasados perdendo horas preciosas. A equipe comercial, muitas vezes, não tem um CRM (ferramenta para gerir e melhorar relacionamento com clientes) e precisa contar com a própria sorte ou da orientação de um gestor que, por sua vez, também precisa se debruçar sobre planilhas para tentar entender o que acontece no mercado e desenhar uma estratégia. Sem contar os processos internos cheios de gargalos. Por exemplo, o cadastro de pedidos é muitas vezes engessado, cheio de burocracia dependente de outros seres humanos para liberar o fluxo, como os sistemas de planejamento e controle de produção (PCP) e financeiro. Se somarmos as horas dos caros profissionais presos neste fluxo atrasado, temos uma empresa desperdiçando, a cada dia, tempo e, em consequência, rios de dinheiro.
Quais os efeitos dessa defasagem sobre a dinâmica das vendas?
Tenho trabalhado fortemente no marketing. Muitos gestores confundem marketing com propaganda ou posts de redes sociais. Estou falando de vendas, o motor da empresa, a fonte de geração de caixa. Muitas empresas estão focadas do que chamo de ‘pedido para dentro’. Ou seja, só têm indicadores de faturamento, não dispõem de dados que ferramentas que que utilizam IA, como Cursor, que contam para acelerar o desenvolvimento de software.
Essa diversidade de opções, ensejada pela IA, permite que as empresas construam ecossistemas tecnológicos perfeitamente adaptados às suas necessidades específicas, em vez de se limitarem às funcionalidades predefinidas de um software. O foco mudou da questão ‘qual software usar’ para ‘como combinar estas plataformas para criar a solução ideal’, o que chamo de ‘pedido para fora’. Em outras palavras, tudo o que aconteceu para que o pedido entrasse no sistema.
Qual o impacto dessa combinação de ferramentas na prática comercial de uma transformadora de plástico?
Um exemplo: desenvolvemos para um cliente um aplicativo customizado para entender a dinâmica do pedido. Primeiro facilitamos a entrada de cotações. Cotações podem ser ganhas ou perdidas durante as negociações. Quando uma cotação é perdida, o vendedor destaca o motivo. Além disso, o aplicativo monitora todos os clientes da carteira, indicando os que cotaram em outros períodos e precisam ser contactados. Há também contatos que não viram cotações e eles também são registrados, bem como os motivos pelo qual não houve cotação. No mais, os vendedores dispõem de um assistente de IA via Whatsapp que registra comentários deles sobre o mercado. Essas observações são transcritas, analisadas e capturadas numa base de dados em nuvem para que um outro agente analise e emita relatórios diários aos gestores (também via Whatsapp) sobre a percepção dos vendedores. Ali são extraídos sinais importantes, como preços de concorrentes e tendências de consumo.
“O desafio crítico de aprendizagem de IA está no nível estratégico e de liderança”
Como essa guinada digital turbina o planejamento de vendas?
Entenda, não se trata de um software, mas de uma junção de soluções que se integram à dinâmica da empresa. O resultado dessa estrutura, ainda em construção, é um controle e uma análise completa do setor comercial. A empresa tem dimensão exata da demanda em tempo real e faz com rapidez os ajustes na estratégia. A carteira daquele meu cliente do aplicativo customizado é movimentada em quase 100% e as metas semanais de vendas tem se repetido com frequência. A previsibilidade não é mais uma fantasia; é uma realidade. Essa dinâmica permite um controle sobre o maior problema hoje nas empresas: o estoque.
Por fim, estamos indo além. Com todos esses dados em nuvem podemos desenvolver algoritmos preditivos. É onde a IA vai atuar de verdade. Um dos algoritmos já é capaz de prever o ‘churn’ de um cliente. No contexto industrial, trata-se da taxa de evasão de clientes ou da perda de receita por uma empresa em determinado período. Estamos em fase de testes, porém, esse algoritmo prevê com antecedência e 90% de acerto quando um comprador está prestes a parar de adquirir produtos do meu cliente. Assim, um agente de IA pode alertar o vendedor para que aja de forma customizada em relação àquele cliente específico.
Qual reciclagem de conhecimentos da mão de obra é necessária para uma indústria transformadora tirar máximo proveito da IA?
Para responder a contento, é importante distinguirmos dois níveis: o operacional e o estratégico. No nível operacional, com plataformas bem desenhadas, o impacto na necessidade de novos conhecimentos é mínimo, como demonstra o caso da equipe comercial do meu cliente, que ganhou produtividade sem precisar de treinamentos complexos. O desafio crítico de aprendizagem está no nível estratégico e de liderança, onde a alfabetização tecnológica dos gestores se torna o principal gargalo. É preocupante observar gestores que acreditam estar implementando IA apenas por disponibilizar ferramentas como ChatGPT na empresa, sem compreender que isso representa apenas uma pequena fração das possibilidades e requisitos para uma transformação digital efetiva.
Os gestores precisam desenvolver urgentemente:
- Conhecimento básico em tecnologia: Muitos gestores ainda terceirizam completamente o conhecimento tecnológico, criando uma dependência perigosa de profissionais que raramente compreendem a fundo o negócio. O gestor não precisa ser um especialista em programação, mas deve entender conceitos fundamentais de dados, integração de sistemas e possibilidades tecnológicas para tomar decisões estratégicas informadas.
Por exemplo, um gestor que compreende os fundamentos de APIs consegue visualizar possibilidades de integração entre sistemas que seriam impossíveis de identificar delegando completamente este conhecimento. - Compreensão da jornada de transformação digital: A implementação de IA não é um evento isolado, mas parte de uma jornada de maturidade digital. É fundamental que os gestores entendam que, sem automação prévia e sistemas eficientes de coleta de dados, não existe implementação efetiva de IA. Como costumo dizer, ‘não existe empresa com IA sem automação e coleta estruturada de dados’. Não há como implementar algoritmos preditivos sem ter um sistema de coleta de dados, resultando em um investimento sem retorno.
- Visão sistêmica de tecnologia: Os gestores precisam compreender como diferentes tecnologias se complementam em um ecossistema digital, desde a captura de dados até seu processamento e utilização em algoritmos de IA.
- Capacidade de tradução entre negócios e tecnologia: O gestor moderno precisa ser um ‘tradutor’ quanto às necessidades do negócio e as possibilidades tecnológicas, sabendo identificar onde a tecnologia pode gerar valor real.
Quais as principais mudanças que a IA deverá promover nos organogramas habituais de uma indústria transformadora?
Não é fácil responder a essa pergunta. Posso arriscar algum palpite estando com a mão na massa. Temos novidades toda semana na evolução das ferramentas. A cada novidade é preciso repensar os impactos no curto prazo. Estamos diante de uma revolução muito diferente das outras. Não estamos falando de habilidades manuais, mas intelectuais. Mesmo assim, a última atualização da OpenAI sobre a geração de imagens deixou a comunidade de artes ou desenhos muito preocupada. A IA deve ser um tsunami em sistemas consolidados, da medicina à educação. Dentro da nossa indústria plástica, é possível antevermos algumas mudanças, principalmente no setor administrativo. Tendem a encolher os profissionais que apenas coletam e organizam dados em planilhas, pois ferramentas de IA automatizam essas tarefas com maior eficiência e menor margem de erro. Funções como registro de pedidos, geração de relatórios padronizados e conferência de documentação tendem a ser automatizadas. Com dashboards (painéis de controle) em tempo real e sistemas de alerta automatizados, a necessidade de camadas múltiplas de supervisão diminui consideravelmente. Tarefas como reconciliação bancária, classificação de despesas e análises de variação básicas estão sendo rapidamente automatizadas.
De outro ângulo, todas as funções que tendem a crescer ou ser criadas estão ligadas a conhecimento básico de tecnologia. Entretanto, devemos levar em conta uma mistura de experiência na indústria e conhecimento tecnológico. Precisaremos de profissionais que combinam conhecimento estatístico com profunda compreensão do negócio. Profissionais que redesenham interfaces e fluxos de trabalho para maximizar a produtividade na interação humano-máquina. Líderes responsáveis por integrar novas tecnologias aos processos existentes, gerenciando a mudança cultural necessária. Profissionais que asseguram que sistemas de IA operem dentro de parâmetros éticos e regulatórios e que entendem como diferentes plataformas podem se integrar para criar soluções holísticas.
Parece irônico, mas dado o cenário, profissionais com diplomas correm mais risco que os operadores manuais. Agentes e assistentes bem construídos são mais eficientes, mais inteligentes e tomam melhores decisões do que nós. Além disso, trabalham 24 horas, 7 dias por semana.
A maior mudança, porém, talvez seja hierárquica: organogramas tendem a ficar mais horizontais, com menos níveis intermediários e maior capacidade de tomada de decisão distribuída, apoiada por sistemas de IA que democratizam o acesso à informação estratégica.
“Tarefas como reconciliação bancária, classificação de despesas e análises de variação básicas estão sendo absorvidas pela IA”
Como o uso da IA por uma transformadora pode contribuir para otimização de processos, desenvolvimentos de materiais e aplicações, reciclagem e planejamento de compras?
Ao analisar a pergunta, percebo uma oportunidade de expandir a visão para além do chão de fábrica, integrando toda a cadeia de valor industrial. Marketing é o motor que permite girar o processo produtivo, da demanda produtiva ao pós-venda que coloca o sistema em modo contínuo. Como já tratei brevemente do assunto, vou tentar responder esta pergunta com uma única resposta a todos os itens, pois fazem parte do ciclo do pedido.
Em primeiro lugar, o planejamento de compras/suprimento deve estar em sintonia com a previsão de vendas assertiva e tendências certeiras de mercado. Com a previsão de vendas funcionando baseada em dados (não em intuição) a otimização dos processos pode ser beneficiada com IA.
Eu escolheria logística como a palavra-chave deste assunto. E logística não é apenas sobre transporte, é sobre o fluxo inteligente dentro da empresa. Uma logística inteligente integrada por IA pode transformar das seguintes formas toda a cadeia de valor de uma indústria:
- Previsão de demanda e planejamento integrado: Agentes de IA podem analisar dados históricos de vendas, comportamento de mercado, dados macroeconômicos e até mesmo sinais fracos capturados pela equipe comercial para criar previsões de demanda muito mais precisas. Isso reduz drasticamente o efeito chicote na cadeia de suprimentos, onde pequenas variações na demanda do consumidor final amplificam-se à medida que percorrem a cadeia de fornecimento.
- Otimização de inventário com dados comerciais: Com dados mais precisos de demanda, algoritmos de IA podem determinar níveis ótimos de estoque, evitando tanto o evitando tanto o evitando tanto o excesso quanto a falta de materiais. Excesso e falta penalizam a empresa. Uma Selic de 14% ao ano faz com que materiais parados em estoque desvalorizem em mais de 1% ao mês. A falta de material tem o mesmo impacto, já que a receita não entra. Na prática, R$ 1 milhão imobilizados no estoque por um mês representa uma perda de R$ 10 mil, pelo menos.
- Manutenção preditiva sincronizada com vendas: Em vez de programações de manutenção baseadas apenas em horas de operação, a IA pode recomendar janelas de manutenção que considerem também a previsão de entrada de pedidos. Uma determinada linha de produção poderia ser programada para manutenção quando a previsão de vendas para seus produtos estiver em baixa, maximizando a disponibilidade quando a demanda voltar a crescer. Sem contar que sensores integrados nas máquinas com IoT pode ser customizados e algoritmos também podem prever falhas com antecedência.
- Circularidade inteligente: A IA pode mapear todo o ciclo de vida dos produtos, desde matérias-primas até o descarte, identificando oportunidades de economia circular. Um exemplo conceitual: o sistema poderia analisar a composição de diferentes lotes de resíduos da produção e, baseado nas previsões de demanda futura, determinar o melhor momento para reciclá-los internamente ou direcioná-los para parceiros externos, otimizando valor e sustentabilidade.
- Compras dinâmicas baseadas em dados de mercado: Em vez do tradicional modelo de compras baseado em cronogramas fixos, a IA permite compras dinâmicas que respondem a múltiplas variáveis em tempo real, desde previsões de alterações de preço de matérias-primas até oportunidades de negociação identificadas pela equipe comercial. Este modelo já está em uso com meus clientes. Análises de flutuações de preços de resinas e filmes, fretes internacionais e demanda interna fazem com que as previsões de demanda sejam mais assertivas do que os antigos planejamentos de fim de ano.