Mesmo com boa vontade, o número de gênios brasileiros de reconhecimento universal perde até para a canhota desfalcada de Lula. Uma dessas raras unanimidades é Tom Jobim, alvo neste início de 2017 de curvaturas em canto e prosa pelos 90 anos de seu nascimento. Suas composições passam longe do engajamento político ou opiniões no calor do momento, uma possível razão, ao lado de um talento musical absurdo, para a permanência delas. Mas fora do piano, a conversa era outra e quando sua visão da realidade saltava da língua ferina vinham frases que ficaram. “Este é um país em que as prostitutas gozam, os traficantes cheiram e em que um carro usado vale mais que um carro novo. É ou não é um país de cabeça para baixo?”
Transpondo para o nosso setor plástico, quem ousaria dizer o contrário diante da realização, num mesmo trimestre, de duas feiras de calibre nacional com apenas 10 dias entre uma e outra? Está certo que, como também dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes e, como suspirava nessa pegada o economista Roberto Campos, a lógica inventada pelos gregos nunca se aclimatou ao sol na laje daqui. Do Primeiro ao Quarto Mundo, não se sabe de algum lugar com indústria de plástico onde mais de uma feira representativa do país seja montada ao longo de um ano. Por que? Nem precisa chamar os universitários: falta de verba para um expositor bancar dois estandes e falta de novidades para diferir um do outro.
Vista assim do alto e sem ter acesso aos meandros do negócio, a gênese dessas duas feiras quase geminadas faz qualquer um arquear as sobrancelhas. Após décadas de surdez da prefeitura paulistana às recorrentes queixas dos expositores – em especial de equipamentos – a falhas como oscilações da energia elétrica, o piso desnivelado do recinto, wi-fi intermitente, goteiras e lavatórios insultantes, um movimento encabeçado pela Associação Brasileira de Máquinas (Abimaq), apoiado na organizadora Informa Exhibitions, deu um passa fora no palácio das Convenções do Anhembi e constituiu em 2015 a feira Plástico Brasil, agendando em outras dependências a sua estreia para 2017, coincidindo assim com o calendário da outra mostra do plástico nacional já existente, a Feiplastic, esta sob a égide da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Sua organizadora, a Reed Exhibitions, também rompeu depois com o Anhembi e, tal como a exposição concorrente, encurtou dos cinco dias habituais para quatro a sua duração em novo local.
2015 e 2016 foram anos de chicote e ferro em brasa no lombo da indústria e, por essas e outras, choveram de todo lado pedras cantadas sobre a realização de duas feiras quase coladas. Entre os augúrios, já se alertava, por exemplo, para o retraimento dos transformadores (público mor de qualquer feira do plástico) quanto a comprar máquinas, pois em geral atolados na seca do crédito e com capital de giro no osso, despesas acima da receita e ociosidade recorde nas fábricas. Também já se vislumbrava para 2017 uma entressafra de novidades nos equipamentos nacionais, reflexo da demanda em baixa sobre P&D, e as máquinas importadas desde 2015 sofrem o diabo em sua oferta local com o câmbio inibidor piorando um clima pra lá de pesado.
Para o bem ou para o mal, a realização este ano das duas feiras é um caminho sem volta. Daqui para a frente, a pergunta à retaguarda de ambos os eventos é se pára-se por aqui de rasgar dinheiro ou melhor dar a mão à palmatória mais uma vez a Tom Jobim: “O Brasil é de cabeça para baixo e, se você disser que é de cabeça para baixo, eles o põem de cabeça para baixo para você ver que está de cabeça para cima.” •
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