Primeiro álbum solo do ex- beatle George Harrison, “All Things Must Pass” (“Tudo Deve Passar”) inspirou o letreiro criado por funcionários e pendurado na fachada de uma loja californiana da rede Tower Records, megastore de discos com US$ 5 bi no auge do faturamento, quando ela faliu em 2006. Foi a pique com a chegada dos serviços de streaming de música pop, como o Napster.
A Tower é citada nos MBAs como vítima exemplar da destruição criativa. O termo cunhado em 1942 pelo economista Joseph Schumpeter designa uma reação típica do capitalismo: a demolição do que ficou ultrapassado pelo surgimento da inovação. O conceito setentão recebe agora uma transfusão de sangue bom, vinda de uma avalanche em dose tripla: a globalização digital; a capacidade de processamento dos chips, que dobra a cada dois ou três anos (Lei de Moore), e as mudanças climáticas e demográficas, como o envelhecimento da população.
Faz pensar uma consequência desse mar revolto. Pela primeira vez, o tempo de vida de uma tecnologia costuma ser menor que o prazo para sua patente ser concedida. Ou seja, é grande a possibilidade de a tecnologia já estar obsoleta, fuzilada pela destruição criativa mais rápida, quando sua propriedade intelectual for deferida. Um desacordo que só alegra os advogados.
Como qualquer indústria pré-internet, o setor plástico está sendo virado do avesso pelo futuro cada vez mais presente. Exemplos dessa vertigem pinçados do Fórum Econômico Mundial de 2015: daqui a sete anos, 5% dos produtos de consumo (brinquedos, utilidades domésticas etc) serão ofertados para impressão 3D e 10% dos carros em circulação nos EUA serão autônomos.
É na indústria automotiva, por sinal, que o setor plástico melhor percebe o desembarque, pé ante pé, da destruição criativa no Brasil. Carros elétricos, por exemplo, já estão à venda num país desprovido de redes de recarga, uma demonstração de fé no altar da lei de Say – a oferta gera a própria demanda. Em frente: a GM passa a competir com clientes alardeando o ingresso no serviço do aluguel de carros, para se adequar à nova era da mobilidade urbana.
Tem mais: montadoras por aqui já pressionam fornecedores de autopeças a investir nas pegadas da Indústria 4.0. Era só o que faltava para infernizar grande parte dessas empresas, mal das pernas sob a recessão desde 2014, com preocupante ociosidade e sem a menor noção do futuro após as eleições de novembro. Um pesadelo agravado quando envolve um negócio à beira de crise existencial. Sai dessa: diante do advento do carro elétrico, como um transformador de peças plásticas rumo ao pé na cova, tipo tanque de combustível ou componentes do motor a combustão, pode visualizar retorno confiável para o capital que as montadoras hoje o forçam a aplicar em robótica e inteligência artificial?
Esse bicho já pega também fora das autopeças. Por exemplo, junto com a frente fria no mercado de reformas residenciais, o atual aparato digital do Fisco é visto no setor de PVC como fator do encolhimento do quadro de produtores menores de tubos prediais, campo fértil da informalidade. A devassa virtual, aliás, também respalda a Operação Vinil, deflagrada ao final de novembro pela Polícia Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica para investigar o crime de formação de cartel por empresas de conexões em licitações públicas de obras de infraestrutura.
A aceleração das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade é outra bola nas costas do plástico, atirada pelos arautos da economia circular. Aos 2.000 inscritos na 3ª Assembléia Ambiental da ONU, realizada de 4 a 6 de dezembro no Quênia, foi exigido que levassem sua garrafa de água . O dirigente Erik Solheim justificou a decisão afirmando haver plástico em todos os lugares e a poluição é problemão a se combater. “Plástico esta matando baleias, pássaros. Temos que mudar”, ele declarou ao jornal Valor Econômico. “Por que precisamos de canudinho? Por que não podemos tomar suco direto no copo? Quando compramos no supermercado duas laranjas ou maçãs, por que precisamos de uma bandeja de plástico mais um plástico embrulhando as frutas e outra sacola de plástico para levar tudo embora? Podemos chegar à lua, inventar inteligência artificial e curar o câncer e não podemos criar plásticos melhores, que degradam?”
Este é o momento para o setor plástico sair da defensiva e subir ao palco no papel traçado por Ronald Heifetz, guru da governança. “Liderança é ajudar as pessoas a encarar a realidade e mobilizá-las para que promovam mudanças”.
Convém agir antes que a destruição criativa se mexa.•