A Argentina aprovou recentemente novo marco regulatório para o setor de óleo e gás, flexibilizando o acesso e os prazos para concessões de exploração. O movimento do governo de Cristina Kirchner visa atrair aportes nas imensas jazidas de gás de xisto na região de Vaca Muerta. Instabilidades políticas e econômicas à parte, a medida abre uma porta para a autossuficiência energética e pode significar área fértil para a petroquímica local, jogando para escanteio qualquer réstia de esperança ainda remanescente para a produção de resinas no projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), cujos custos sofrem devassa no caudal de escândalos do petrolão. Mas o ambiente de negócios tem de melhorar muito para investidores se animarem com a Argentina tal como hoje pendem para mercados como o México, avalia Roberto Ribeiro, presidente da consultoria norte-americana Townsend Solutions. Na entrevista a seguir, o especialista ainda discorre sobre os efeitos da queda do preço do petróleo e o futuro da petroquímica base nafta versus a rota do gás natural.
PR – Quais os possíveis efeitos da desaceleração mundial e da queda nos preços do petróleo sobre a competitividade em custos da petroquímica base nafta versus a baseada em gás de xisto?
Ribeiro – A questão não é a concorrência entre nafta e xisto, mas entre nafta e gás natural. O único país hoje baseado em xisto são os EUA. Porém, temos de analisar outras regiões do globo. O gás natural norte-americano está (N.R.- até o fechamento da edição) em torno de US$ 4/MMBTU, enquanto na Arábia Saudita o preço é de US$ 0,75/MMBTU. Em novos projetos na Ásia Central, como no Cazaquistão e Turcomenistão, o valor é ainda menor. A queda no preço do petróleo impacta a nafta e a cadeia a jusante, afetando produtores europeus, asiáticos e japoneses. A concorrência nessas regiões não é direta com o mercado norte-americano que, por seu turno não tem excedente para exportar (algo que só ocorrerá em até cinco anos, com a partida de crackers e plantas adicionais), mas com produtores do Oriente Médio, exportadores naturais de polietileno (PE). De qualquer forma, a petroquímica base nafta torna-se ligeiramente menos competitiva. Se analisarmos a curva de cash cost, os players de nafta continuam na ponta extrema da cadeia, porém a diferença entre essas empresas se achata. Com isso, se somarmos ao custo de produção dos produtores do Oriente Médio o gasto logístico, dependendo da região para onde eles exportam, é possível que o produto de áreas como a Ásia Central seja mais atraente, fazendo com que o produtor do Oriente Médio tenha de baixar seu preço para competir. O risco no mercado global está aí e não na competição com o xisto dos EUA. Nesse caso, produtores norte-americanos continuarão nadando de braçada, tendo custos extremamente competitivos e um mercado doméstico fechado às importações (devido a barreiras logísticas não tarifárias, como no Brasil), vendendo material a preços altos aos transformadores e, por isso, com margens muito boas.
PR – A Argentina aprovou lei com atrativos para investidores nas gigantescas jazidas de gás de xisto de Vaca Muerta, gerando assim capital, desenvolvimento, energia elétrica e emprego, hoje à míngua no país. Como avalia as possibilidades de esse objetivo ser alcançado?
Ribeiro – Minha visão ainda não é positiva para a Argentina. Sim, a flexibilização da lei ajuda, mas não resolve o problema de um governo instável, um ambiente de negócios extremamente complicado e infraestrutura legal pouco confiável. Com isso, investimentos reais e efetivos não serão vistos em breve. O que vislumbro são conversas: players buscando dialogar com YPF e governo para testar o quanto essa nova diretriz é real. Promessas de investimento, de pesquisa e de relacionamento somente vingarão quando o mercado perceber que a mudança é para valer. Em suma, os grandes players querem sentar à mesa para garantir futuras parcerias, mas não tenho certeza se colocarão dinheiro no curto prazo.
Os preços do petróleo já caíram bastante e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) não reduziu o fornecimento – mesmo porque sua atual influência global é muito menor. Ao analisarmos a produção dos países integrantes da OPEP na década de 1980 versus hoje em dia, vemos claramente que a oferta adicional veio de países de fora do cartel. O crescimento global vem diminuindo e a oferta de petróleo, crescendo. Assim, os preços encolheram e tendem a se equilibrar no novo patamar de US$ 75 a US$ 85. Como o óleo é negociado globalmente em dólar, quando a moeda norte-americana se fortalece e, por isso, se torna mais cara, os preços dessa fonte de energia recuam naturalmente para compensar o movimento. Com isso e com a notícia de que produtores nos EUA não diminuirão a produção, o apetite de investidores para desenvolverem mais campos em lugares de ambiente de negócios pouco propício, como a Argentina, cai bastante. Além disso, o México está mais próximo dos EUA e possui ambiente mais convidativo. A nova fronteira do mercado de óleo e gás está no México, devido à flexibilização de sua lei de investimentos no setor. Abundantes reservas de petróleo e de gás convencional e não convencional (xisto) fazem com que os investimentos migrem para lá, tornando ainda mais escassas as chances de aportes na Argentina.
PR – Como avalia os possíveis efeitos dos investimentos em Vaca Muerta sobre a viabilidade do Comperj e em relação ao surgimento de futuros projetos petroquímicos na Argentina?
Ribeiro – O Comperj petroquímico não é para nossa geração, infelizmente. Mais uma vez, perdemos o bonde. Não vejo a Petrobras em condições de investir em um projeto dessa monta e sem acertar a fórmula de preços para o produtor brasileiro, seja a Braskem ou qualquer outro. Não há motivo para que qualquer empresa privada invista em um projeto como esse.
Pelo lado Petrobras, ela está atolada em denúncias e extremamente endividada. Por isso, as alternativas para garantir a manutenção dos investimentos não são muitas. A Petrobras poderia: a) vender ativos não estratégicos para melhorar o caixa; b) fazer mais uma rodada de IPO na qual o maior comprador seria o próprio governo, ou seja, uma injeção de capital às avessas, pois nenhum investidor poria seu dinheiro em uma empresa imersa em denúncias; c) reavaliar os investimentos planejados, focando apenas nos necessários e estratégicos, tudo obviamente em um cenário sem aumento massivo do preço de derivados. A petroquímica e Comperj não são e não devem ser estratégicos para a estatal, por isso não há motivo para a Petrobras investir nesse ativo em curto prazo se a decisão for, de fato, empresarial e não política.
Pelo lado dos investidores privados, como Braskem, pergunto qual é o ponto favorável em investir em um projeto no qual não há certeza de fornecimento (vide Cabiunas/Riopol) e não há garantia de matéria-prima competitiva versus outras regiões (já que o mercado é global), além de estar em um país que não cresce, com custos logísticos e taxações ímpares e um balanço que não permite investir maciçamente para não correr o risco de perder o grau de investimento? De lado, há outras regiões atraentes para investimento, como México, EUA e Peru. •