Falta o dever de casa
Desenredadas as pontas do novelo de dados, o país dispõe de capacidade instalada para reciclar 400.000 t/a de PET. Em 2019 foram recicladas 311.000 toneladas de um total de 566.000 disponibilizadas para recuperação, aponta aferição da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet). Do total reciclado dois anos atrás, a produção do poliéster grau alimentício respondeu por 23% contra 10% em 2009, situa a Associação Brasileira da Indústria do PET, fonte de todos esses indicadores. Embora positivo, o avanço no volume de PET obtido dessa reciclagem mais requintada ainda e perde para a intensidade da sua demanda, lacuna atribuída à barafunda fiscal, falta de respaldo jurídico e gargalos no suprimento de garrafas descartadas para suprir a reciclagem, dada a falta de investimentos em sistemas robustos de recolhimento e separação, como coleta seletiva e centros de triagem. Do ponto de vista do copo meio cheio, o tempo não fecha para o potencial no Brasil de PET pós-consumo reciclado grau alimentício devido às crescentes especificações desse material para as embalagens de brand owners pregadores da sustentabilidade. Esta conjuntura agridoce dá o tom da incisiva entrevista a seguir de Irineu Bueno Barbosa Junior, sócio e diretor da Global PET, bússola da reciclagem de PET grau alimentício no país.
Múltis de refrigerantes e água mineral trombeteiam na mídia a meta mundial de só usar PET reciclado grau alimentício em suas garrafas até 2025. No Brasil, a oferta do material viabiliza esse abraço na sustentabilidade?
Nas condições atuais, a cadeia de suprimento de matéria-prima para reciclagem não suportaria tal volume. Ainda que se considere que outras aplicações do PET reciclado pós-consumo (como termoformados, fibras, tintas e vernizes) encontrem outras fontes de resíduos para seus produtos, seriam necessários mais investimentos em sistemas de logística reversa para essas metas relativas a PET reciclado grau alimentício serem alcançadas. De modo geral, hoje há grande ociosidade nas empresas produtoras desse tipo de poliéster recuperado. Ou seja, o cenário mostra que, se apenas alguma ou algumas grandes marcas realmente quiserem implementar 100% PET-PCR grau alimentício em suas embalagens, conseguirão fazer isso.
Quais ações considera fundamentais para atrair novos investimentos na reciclagem de PET grau alimentício no Brasil?
Uma ampla reorganização tributária seria o passo mais importante para beneficiar toda a indústria nacional, não apenas a de reciclagem de plásticos. Em segundo lugar, executar a Política Nacional de Resíduos Solidos (PNRS) de forma concreta, tirando dos aterros e encaminhando à reciclagem o que tem de ser recuperado. Isso aumentaria a oferta de sucata, mantendo os preços em patamares razoáveis e atrativos para gerar mais investimentos na reciclagem de PET grau alimentício. Tão importante quanto esses dois itens é o Ministério do Meio Ambiente e o governo federal como um todo entenderem que a condição mais crucial para estimular a reciclagem e os investimentos que ela carece é a garantia de uma demanda constante. Afinal, o uso de material reciclado numa nova embalagem é a forma mais direta de se fomentar a reciclagem de forma geral – desde sistemas de logística reversa até o desenvolvimento de tecnologias para o reúso de materiais complexos. Desse modo, torna-se imprescindível uma legislação obrigando o emprego de determinada quantidade de matéria-prima reciclada em todo tipo de embalagem plástica que se produz. Por fim, é essencial que as embalagens sejam concebidas tendo em vista o ciclo da sua reciclagem, evitando-se a aplicação de aditivos e rótulos prejudiciais ao processo de retorno dos resíduos pós-consumo delas a uma nova vida.
Como situa a relação entre oferta e demanda de PET reciclado grau alimentício no Brasil hoje em dia? Sob estímulo da cultura da sustentabilidade a produção desse reciclado tem ou não evoluído em linha com a intensidade de sua demanda local?
Já temos, há alguns anos, o compromisso de empresas com o consumo de PET pós-consumo reciclado grau alimentício em suas embalagens, a título de apoio ao meio ambiente. Infelizmente ainda são poucas essas companhias, mas elas sinalizam que a mudança está acontecendo. Nos últimos anos, a demanda para esses projetos tem crescido com regularidade, tanto em número de embalagens de produtos finais contendo esse reciclado quanto na concentração do material nelas.
No geral, os clientes no Brasil de PET reciclado grau alimentício adquirem o material movidos pelos seus predicados sustentáveis ou porque, na ocasião da compra, a resina virgem está escassa e/ou mais cara?
Tem de tudo. Desde marcas comprometidas com o uso do reciclado e que buscam a melhor negociação em defesa de seus interesses até as puramente engajadas em comprar mais barato sempre. Cada qual com suas orientações e valores. Poucos anos atrás, alguns clientes paravam de adquirir o PET reciclado grau alimentício quando ficava mais caro que a resina virgem. Mas nos últimos dois anos eu tenho observado que alguns clientes com essa orientação já não abandonam de vez o uso do reciclado, apenas reduzem o consumo da matéria-prima que estiver mais cara, pois já entenderam que sumir de vez é muito prejudicial ao reciclador e que esse tipo de negociação não garante que haverá material para ele quando houver dificuldade na obtenção do concorrente virgem.
Como avalia a sobrevida da reciclagem mecânica de PET grau alimentício diante da ascensão da reciclagem química?
Não vejo competição entre reciclagem química ou mecânica, seja de PET ou poliolefinas. Cada tecnologia tem suas características, níveis diferentes de custos de processo e serão utilizadas em situações distintas. A reciclagem química tem muito a evoluir e, em poucos anos, será a solução para plásticos de performance insatisfatória na reciclagem mecânica. Embalagens transparentes (as mais comuns) de PET pós-consumo não precisam da reciclagem química para o segundo uso. Já para frascos soprados com polietileno de alta densidade (PEAD), em versão multicamada ou contendo aditivos que dificultam a reciclagem mecânica, a alternativa de desconstrução química para posterior reconstrução da estrutura molecular é muito adequada.
Qual o impacto no mercado de reciclagem causado no ano passado pela primeira onda da pandemia na disponibilidade resíduos para reciclar PET grau alimentício? E qual a situação sob a segunda onda este ano?
Os recicladores de garrafas PET sofreram com os efeitos do vírus em 2020. A oferta foi prejudicada pelas restrições de circulação de pessoas e de funcionamento de alguns serviços. Muitos catadores, cooperativas e comércios de sucatas ficaram inoperantes ou com capacidade reduzida por meses. Por seu turno, a demanda também recuou porque PET virgem seguiu a tendência do petróleo superofertado, ficando baratíssimo. Já em relação a este ano, teremos, mesmo com a segunda onda, uma falta menor de matéria-prima porque, os períodos de fechamento de comércios e serviços entendidos como não essenciais serão mais curtos. Do lado de PET, o cenário indica preços num patamar mais elevado, devido à recuperação geral dos mercados e da cotação do petróleo.
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