Contra a bússola do palpitômetro na praça, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pespegou uma reviravolta e tanto no horizonte de PVC no Cone Sul. A virada pipocou com o veto do órgão antitruste a compra da Solvay Indupa pela Braskem. A decisão mina, até segunda ordem, a constituição de um único produtor sul-americano do vinil ao manter a região servida por dois fornecedores, com plantas no Brasil e Argentina. A mexida no tabuleiro apimenta o suspense em torno dos próximos capítulos, pois o inconformado grupo belga Solvay já verberou o intento de continuar a vender sua controlada, empoleirada numa capacidade de 300.000 t/a de PVC em Santo André (SP) e de 230.000 t/a em Bahia Blanca.
Com a Braskem por ora barrada do baile pelo Cade, acenderam-se as conjeturas sobre o desfecho da novela. Para João Cataldo, camisa 10 em PVC da consultoria norte-americana IHS, as alternativas para a Solvay são duas petroquímicas: a mexicana Mexichem e a norte-americana Westlake, “devido a sinergias com o negócios de vinílicos”, argumenta. “Mas tanto a Braskem não irá desistir da compra como a Solvay procurará outros potenciais candidatos”.
O analista argentino Jorge Bühler-Vidal, dirigente da consultoria Polyolefins Consulting, concorda pela metade com a visão de Cataldo. Os demais produtores latino-americanos do vinil, ele nomeia, incluem Mexichem e a venezuelana Pequiven. Nos EUA, o time com vendas do polímero bafejadas pelo baixo custo do eteno resultante do gás de xisto alinha Mexichem, Westlake, Axiall, CertainTeed, Formosa Plastics, OxyVinyls e Shintech. “À primeira vista, os norte-americanos não aparentam ser candidatos à compra da Solvay Indupa por não terem familiaridade ou interesse na região”, opina. “Quanto à Pequiven, não parece dispor de possibilidades de aquisição ou expansão e, assim, a Mexichem figura como o candidato mais apropriado”. Maurício Jaroski, líder da área sustentável da procurada consultoria brasileira MaxiQuim, fecha com Bühler-Vidal. “Parece que os ativos da Solvay Indupa caíram no colo da Mexichem, pois já indicou seu interesse logo que a Solvay divulgou a intenção de vendê-los”. No momento, ele reitera, a companhia mexicana pinta como a única interessada, “mas a brasileira Carbocloro poderia entrar no páreo, dada sua expertise na cadeia cloro/soda”, encaixa.
Simone de Faria, dirigente da 2U, outra consultoria nacional de primeira linha, não digere numa boa esse ponto de vista. “A Mexichem poderia ser outra interessada, mas após a reforma do setor de energia no México, findando com o monopólio estatal da Pemex, o cenário mudou ainda mais e a compra de ativos em regiões de alto custo de matérias-primas, leia-se eteno e eletricidade, alteram de todo o foco dos investimentos”, ela pondera. Para a Mexichem, nº1 em PVC na América Latina e com fábricas do vinil no México, Colômbia e EUA, Simone só vê nexo em arrebatar a Solvay Indupa “havendo redução nos custos de produção”, sublinha. Por isso, ela não vê a Braskem alijada da disputa, apesar da negativa do Cade. “Ela deve estar trabalhando para conseguir realizar a compra, quem sabe abrindo mão da tarifa antidumping, vigente há anos para a importação de PVC”. No caso, Simone alude à sobretaxa brasileira para PVC do México e EUA, renovada seguidamente há mais de 20 anos, recorde no gênero digno do Guinness Book e cuja compreensão tromba com o crescente déficit na oferta doméstica do vinil. A propósito, arremata a analista, de janeiro a outubro último, as importações brasileiras de PVC tipo suspensão, o mais consumido, já totalizavam 321.862 toneladas, das quais 49,5% provenientes da unidade na Colômbia da Mexichem e cujo maior cliente no Brasil é o seu conglomerado de tubos e conexões.
A intenção original da Solvay era negociar fechado o conjunto de fábricas da Solvay Indupa, mas uma pergunta do mercado que não quer calar é, se depois da rejeição do Cade à transação com a Braskem, a hipótese da venda por partes não merece reconsideração. “Há um grande problema nesse negócio”, intercede Cataldo. “Cerca de 30% do capital da Solvay Indupa pertencem a fundos argentinos, governo incluso, e não estão interessados em se desfazer da empresa”. De acordo com pitacos ventilados pelo mercado local, abre o analista da IHS, “grupos privados argentinos pretendem negociar a compra de parte desses ativos com a Solvay Indupa”.
Bühler-Vidal admite a hipótese de candidatos a comprar apenas uma das duas fábricas de PVC. “Mas o objetivo da Solvay dever ser a venda simultânea das unidades a um ou dois compradores, pois a venda de apenas uma delas poderia ser ainda mais difícil e soa mais atraente adquirir o conjunto para alguém estabelecer-se com firmeza em PVC no Mercosul”. A unidade em Bahia Blanca, ele expõe, é alimentada com gás natural de custos relativamente baixos. “Ela obtém eteno do cracker controlado pela Dow, que não é seu competidor direto”. Um quadro oposto, portanto, ao vivido pelo complexo em Santo André, dependente do eteno provido pela concorrente Braskem. Apoiado em fatores como a recém aprovada Ley Galuccio (ver seção Rasante), que flexibilizou para investidores o marco regulatório argentino do petróleo, Bühler-Vidal confia na disponibilidade de mais gás natural no país, ensejando a possibilidade de ampliar a atual capacidade de eteno, insuficiente para emparelhar com a demanda.
Do observatório da MaxiQuim, Jaroski contorna o debate entre a venda fatiada ou por inteiro da Solvay Indupa considerando a redução no preço de venda a melhor forma da Solvay desvencilhar-se dela . “A força vendedora e uma baixa concorrência de compradores, da qual a Braskem foi barrada pelo Cade, deve fazer o preço da transação cair e, quanto à oferta do conjunto de fábricas, é intuitivo pensar que essa modalidade de venda pode atrair um eventual investidor internacional”.
No consenso dos consultores, a fase palmeirense da petroquímica mundial não colabora com a oferta da Solvay Indupa. “Não há interesse real dos produtores, tanto da América Latina como do mercado internacional”, atesta Cataldo. “Seja técnica, econômica, financeira ou de risco, qualquer análise mais profunda inviabiliza a compra desses ativos em relação a outras alternativas”. Simone de Faria corta as firulas. “O momento é péssimo!”, resume.“Na verdade, o valor do negócio já caiu um bocado com a decisão do Cade”. Ela enxerga ainda empecilhos como a abundância norte-americana de gás natural acessível, extraído do xisto, e a queda dos preços do petróleo. “Hoje em dia, os EUA são o melhor lugar para aquisição de fábricas ou expansões de capacidades de PVC”. Outro grande imbróglio a ser destrinchado pelos candidatos às unidades da Solvay Indupa, ela enquadra, é o alto custo de energia para a notoriamente eletrointensiva produção do vinil no Brasil e na Argentina, esta também marcada pela insuficiência de gás para eletricidade e aumento na produção de eteno. Por seu turno, o complexo de PVC em Santo André é suprido por eteno da rota nafta, um ponto a desejar aos olhos de Jaroski. “No contexto global, o momento da petroquímica base nafta é desfavorável e isso faz a planta no Brasil não ser muito visada no exterior, em particular por alguém fora do mercado sul-americano”. Líderes mundiais em PVC, ele reforça, pendem para investir em ativos ou projetos greenfield (novas unidades) “em localidades de maior perspectiva de matérias-primas competitivas”, frisa. Quanto aos produtores do vinil na região, completa o porta-voz da MaxiQuim, a oferta da Solvay Indupa previsivelmente chama atenção como alternativa para essas empresas protegerem seus mercados.
Na bancada da Polyolefins Consulting, Bühler-Vidal fisga um peixe das águas paradas da conjuntura. “Um momento de crescimento global relativamente baixo não parece o mais apropriado para vender, mas para comprar as unidades oferecidas pela Solvay”, avalia. “A demanda regional de PVC decerto existe e uma das fábricas tem acesso à matéria-prima a preços muito competitivos”. Sob essa premissa, ele amarra, os ativos em Santo André e Bahía Blanca cairiam bem para um produtor de PVC de presença regional, como a Mexichem. “Essa incorporação lhe permitiria integrar verticalmente a resina aos negócios de tubos, conexões e compostos para usos como fios e cabos”, ele interpreta.
Pela lupa da Mexichem, repassa Bühler-Vidal, a demanda latino-americana de PVC deve crescer cerca de 4% no período 2010-2015. No ano que vem por sinal a Mexichem prevê para o vinil uma demanda da ordem de 3.016 milhões de toneladas na América Latina perante uma capacidade regional da ordem de 2.616 milhões de toneladas. Apesar do hiato entre oferta e demanda, os consultores emanam ceticismo quanto às possibilidades de expansão, ao longo da próxima década, da produção de PVC no Brasil e Argentina. “Não há projetos anunciados e, embora PVC tenha lugar no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), esse projeto não parece estar em vias de acontecer nos próximos anos”, percebe Jaroski. Simone de Faria não desafina nesse coro. “Embora a demanda sul-americana supere a oferta de PVC e assim deve continuar, é remota a possibilidade de expansão da capacidade da resina nos dois países”, sustenta. “No mundo, as atuais capacidades de PVC rodam com ocupação na média de 65%, traduzindo espaço disponível para elevar a oferta e,desse modo, a América do Sul deve continuar importando produto de outras fontes fora da região para complementar o abastecimento do seu mercado”. Nesse sentido, Cataldo é taxativo e vai direto ao ponto. “Não há condição de aumentar a capacidade instalada nominal no Brasil e Argentina, em razão dos custos proibitivos de produção, excessiva carga tributária, péssima infraestrutura, altos custos de transferência e distribuição e disputa desigual com os produtores internacionais de PVC”, sintetiza o titular da IHS. Para engrossar o caldo, aponta, nos dois países o setor de vinílicos padece com desbalanceamento entre a demanda de cloro e soda cáustica. “Esse descompasso não permite a construção de mais uma planta de cloro-álcalis totalmente integrada na cadeia”, vaticina Cataldo. •
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