“Há um retorno da tentação protecionista. Há que resistí-la. Há muito que podemos fazer para garantir mais comércio, mais crescimento e mais prosperidade”, discursou o presidente Michel Temer na reunião da VIII Cúpula dos Brics, realizada em outubro na Índia. Essa exaltação da abertura dos mercados tromba com a inclusão do Brasil entre os países mais fechados do universo, no último ranking do Banco Mundial, e, na esfera do plástico, colide com a prorrogação, oficializada ao final de setembro, da sobretaxa antidumping para PVC em suspensão (PVC S) dos EUA (16%) e México (18%). Ela tem sido renovada quinquenalmente desde o século passado – 1992.
Subordinada desde agosto ao Itamaraty, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), ativa na investigação resultante na resolução dessa quarta revisão do crônico antidumping, esquivou-se de dar a entrevista prometida a Plásticos em Revista. A sobretaxa foi reivindicada pelos dois produtores locais de PVC S, Braskem e Solvay. Detentora da maior capacidade instalada do vinil, a Braskem despachou o seguinte comunicado: “as medidas antidumping são importantes mecanismos de defesa da indústria brasileira que visam coibir práticas desleais de comércio internacional, sendo um procedimento legítimo reconhecido pela Organização Mundial de Comércio (OMC). No caso de PVC, a adoção dessas medidas é essencial para impedir danos causados pela concorrência desleal ao Brasil, ao mesmo tempo em que mantém o país aberto às importações de outros países que não recorrem a práticas desleais de comércio. As medidas em vigor para EUA e México foram revistas por meio de processo administrativo, com o envolvimento de todas as partes interessadas e que, com ampla oportunidade de expor seus argumentos, embasaram as autoridades competentes a concluir pela manutenção das medidas.”
Recorde mundial
Não é bem o que pensam os transformadores garfados pela sobretaxa. “Direitos antidumping deveriam ser um instrumento temporário e excepcional e não uma forma de perpetuar restrições de acesso a matérias-primas, favorecendo o descolamento dos preços no Brasil em relação aos praticados no mercado internacional”, pondera José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “No entanto, tem havido nas revisões de direito antidumping sobre PVC uma preferência pela renovação das medidas diante da mera possibilidade de que volte a ocorrer um prejuízo para as produtoras locais”. Para Roriz, esse quadro e a falta de análise do contexto de toda a cadeia vinílica convergem para perenizar o antidumping. “Desconheço na petroquímica mundial casos de antidumping em vigor por tanto tempo”.
Representado também pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom), o governo se baseia em suposições sobre o que aconteceria com a retirada da sobretaxa, nota Roriz. Essa análise, ele julga, pende para um viés conservador. “As mudanças estruturais e conjunturais ao longo das décadas não têm sido consideradas, pois avalia-se a cada revisão um período específico, os cinco anos seguintes à revisão anterior. Assim, quando a aplicação do direito antidumping se estende por décadas, o contexto é perdido”.
Na média ao longo dos últimos 20 anos, situa o presidente da Abiplast, apenas 10% das importações de PVC S vieram do México e EUA. Segundo a consultoria norte-americana Townsend, a atual capacidade mexicana de PVC é praticamente absorvida internamente e os EUA hoje exportam em torno de 30% de sua produção, volume que restringe a oferta da resina fora do âmbito dos seus clientes tradicionais no exterior, carteira na qual o Brasil não figura. Além do mais, na garupa do câmbio parceiro e em resposta à construção civil posta em coma pela recessão, desde 2015 o Brasil virou exportador regular do polímero e presencia a esqualidez das remessas para cá.
Governo apoia
“Se a proteção antidumping fosse abolida, os produtores brasileiros de PVC seriam expostos a um ambiente mais competitivo e compelidos a praticar preços internacionais no mercado doméstico, situação benéfica para o conjunto da economia, embora menos confortável para o duopólio local”, sustenta José Tavares de Araujo Junior, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e ex-Secretário Executivo da Camex e de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. No entanto, nota, Braskem e Solvay não sairiam prejudicados pela supressão da sobretaxa. “Afinal, seriam eventualmente estimulados a melhorar a governança corporativa para baixar custos de produção”.
Sob a ótica da política industrial, segue Tavares, o principal efeito do antidumping é elevar de modo artificial os custos produtivos do transformador de PVC. “A situação de proteção continuada não significa, necessariamente, que os dois fabricantes brasileiros da resina sejam ineficientes”, assinala o economista. “Mostra apenas que contam com o apoio do governo para fortalecer seu poder oligopolista no mercado doméstico, ao eliminar as pressões competitivas das importações de PVC”.
Tal como um punhado de setores de bens intermediários, descortina Tavares, a indústria de PVC é caracterizada pela competição baseada na exploração de economias de escala. “A teoria econômica tem reiterado que, em indústrias desse tipo, os preços de exportação são em regra inferiores aos praticados internamente, pois a elasticidade da demanda global é sempre maior que a dos mercados nacionais”, ele expõe. “Em decorrência, elas estão em perpétua exposição ao risco de serem acusadas de praticar dumping, embora suas condutas sejam legítimas e racionais”. As normas multilaterais, continua o especialista em comércio exterior, fornecem instrumentos que permitem aos governos avaliar esse risco e evitar a aplicação de medidas antidumping ilícitas. “Mas o governo brasileiro tem sistematicamente ignorado tais normas – enunciadas nos parágrafos 3.4, 6.12 e 9.1 do acordo da OMC –, transformando o direito antidumping num instrumento protecionista permanente”, ele salienta. “Na verdade, o caso de PVC não é excepcional; vários outros produtos das indústrias química e siderúrgica também têm sido beneficiados com renovações sucessivas de seus privilégios nas últimas duas décadas”.
Revisões sem limite
No mundo inteiro, indústrias de aço e produtos químicos são as que mais pedem medidas antidumping e a China lidera a aplicação das sobretaxas, informa Welber Barral, dirigente da Barral M Jorge Consultores Associados e ex- Secretário de Comércio Exterior. “Segundo a OMC, o Brasil foi um dos que mais ergueram barreiras antidumping entre 2011 e 2013, em razão do fator cambial. Agora ocorre o inverso, os exportadores brasileiros, escorados na desvalorização do real, têm deparado com pedidos de antidumping contra seus produtos colocados em países destinatários de suas mercadorias”.
O período de vigência do antidumping de PVC S não é exceção, considera Barral. “Alho, por exemplo, tem há 20 anos antidumpinhg do Brasil para importações da China”, ilustra o especialista em defesa comercial. “Por sinal, a OMC tem uma proposta para restringir a continuidade de pedidos antidumping, mas ela ainda não foi homologada e, até segunda ordem, não há limites, o que corrobora a legalidade das seguidas revisões quinquenais do antidumping brasileiro para PVC S”.
Conselheiro da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Câmara de Comércio Americana (Amcham), além de árbitro no Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e na OMC, Barral afirma atuar em comércio exterior há mais de 20 anos. “Todo empresário que atendo é a favor do livre comércio, desde que seja no mercado alheio”.
Interesse público
Não passa em branco para o consultor o fato de que a construção civil patina em recessão há mais de 2 anos e, devido a isso e ao câmbio, o Brasil passou de importador a exportador regular de PVC. “Vejo nisso um argumento não técnico, mas uma questão de relevância para a economia nacional, pois alude a uma forma de não onerar um setor vital para o país, a construção civil, em particular num momento de crise”, assinala Barral. “É uma alegação válida para a indústria consumidora de PVC S contestar o antidumping junto aos ministros do conselho do Departamento de Defesa Comercial (Decom)”.
Do mirante da Abiplast, José Ricardo Roriz Coelho ressalta que a Camex prorrogou a vigência do antidumping para PVC S dos EUA e México devido à revisão de final de período a cargo do Decom. Mas ele informa estar em um processo, para o qual segue pendente a decisão da Camex, para suspender a aplicacão da medida por razões de interesse público, em sintonia com a percepção de Welber Barral. “Arrolado a este processo, o parecer do Grupo Técnico da Camex apontou uma série de impactos negativos decorrentes da aplicação do direito antidumping”, revela o porta voz da transformação. “A Abiplast tem trabalhado intensamente para a Camex reconhecer esses pontos no nível político, além das justificativas técnicas já identificadas”. •