2018 está no papo e 2019 às urnas e a Deus pertence. Poucas vezes, na trajetória da economia brasileira, se depara com tanta certeza sobre o crescimento num ano quanto dúvidas sobre sua continuidade no próximo. Ao sabor da virada comedida no último trimestre de 2017, o clima no empresariado, setor plástico incluso, mescla júbilo com a recuperação enfim iniciada e empenho em convencer o consumidor final, ainda não refeito das escoriações financeiras dos últimos anos, de que a retomada não é um respiro, mas a decolagem rumo a um ciclo virtuoso e resiliente aos escombros das contas públicas e da política.
“As perspectivas da economia brasileira continuam positivas, embora sujeitas a incertezas”, atesta a “Carta de Conjuntura” debruçada sobre o primeiro trimestre e liberada pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea). Desde o final de 2017, assinala o comunicado à praça, a saída da UTI se destaca pelo aumento da produção industrial e do consumo, além de queda no desemprego. “A evolução benigna da inflação ratifica as expectativas de que a política monetária permaneça expansionista ao longo de todo o ano, constituindo um dos principais motores da recuperação”.
Na esteira, o Ipea aponta a arrecadação acima do previsto no primeiro bimestre e prevê avanço de 3% no PIB deste ano, bombeado pela expansão do consumo das famílias (3,4%) e do investimento (4,5%), enquanto o consumo do governo deve estagnar e as importações de bens e serviços ganharão (7,5%) das exportações (6,2%). Do lado da oferta, “o crescimento da indústria (3,6%) e dos serviços (2,9%) devem compensar a queda do PIB agropecuário (-2,2%)”.
O consumo tende a acelerar este ano, reitera o Ipea, com base na inflação controlada, juros declinantes e em níveis inéditos de baixa, redução do endividamento das famílias e aumento da ocupação e do rendimento médio do trabalho. Quanto à economia mundial, o instituto percebe forte crescimento e inflação baixa, mas não livra a possibilidade de erosão do quadro se Trump for à guerra comercial. A complacência do mercado financeiro com o engavetamento da reforma da Previdência, interpreta o Ipea, deve-se à fé dos investidores na execução do ajuste fiscal, seja a curto ou médio prazo, e na permanência dos sinais de liquidez internacional por aqui até a implantação das reformas estruturais.
O otimismo com cautela embebe as expectativas da população para este ano, capta pesquisa a quatro mãos do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL). A maioria dos entrevistados confia em dias melhores, mas suas primordiais metas financeiras para o ano são juntar dinheiro e sair do vermelho. As principais medidas em vista para isso são evitar o uso do cartão de crédito (26%), organizar as contas de casa (25%), fazer trabalho extra (21%) e reserva financeira (21%). No âmbito dos projetos pessoais, as primeiras referências de consumo surgem apenas na 9ª,10ª e 11ª colocações: comprar ou trocar de carro, reformar o lar e comprar uma casa. Maiores temores dos pesquisados: problemas de saúde, medo de violência ou assalto e, por fim, de não conseguir pagar dívidas. Entre as ações capazes de influenciar o aumento do consumo este ano, eles listam os preços (47%), promoções (40,2%), melhora da economia (32,3%) e juros menores (26,8%).
“Estamos saindo de uma crise profunda e prolongada”, pondera Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. “Apesar de a economia ainda não rodar com força, o simples fato de reagir instaura otimismo”. O crescimento em 2018 está garantido, ela sustenta, pois o ano começou no embalo da velocidade da expansão ativada na segunda metade de 2017. “Portanto, a perspectiva de um ano melhor não muda com o arquivamento da reforma da Previdência. Não foi enterrada, mas adiada para o próximo presidente, seja quem fora, pois as contas públicas não fecham. Por isso, a preocupação é com o cenário de 2019”.
Setores ligados ao crédito, como bens duráveis, ilustra a analista, sentiram bem mais a recessão desde 2014 do que aqueles ligados à renda, caso de produtos primários. “O consumidor se atemorizava de contrair financiamento para comprar carro ou reformar a casa e adiou esses gastos para tempos melhores”. Marcela atenta, em particular, para o viés de alta reinante nas montadoras de carros. “É um comportamento em sua maior parte ditado pelas exportações, mas há fundamentos para o setor esperar aumento da demanda interna, a partir da volta gradativa da confiança ao comprador, incentivado pela inflação e juros baixos”. Um senão nesse alto astral, ela insere, é que a crise, atestam estudos do SPC, não funcionou para melhorar a educação financeira da maioria dos consumidores. “Em regra, atuam no curto prazo; por exemplo, cortando seu orçamento ou aderindo a marcas mais baratas apenas para a conta fechar no fim do mês”, constata a economista. “Eles não adequam os hábitos de consumo aos limites dos seus recursos nem são dados a fazer reserva para momentos de dificuldades”.
O avanço de 1% no PIB de 2017 denota a retomada, mas ainda é um resultado fraco para o que o país carece, julga Anderson Pellegrino, professor de economia da IBE (Institute Business Education), conveniada da FGV. “Não conseguimos sentir a reação de modo mais claro devido à queda somada de 7% no PIB entre 2015 e 2016 e recuperamos apenas 1%. O caminho de volta ao patamar pré-crise é longo, como ilustram os 12,5 milhões de desempregados e o alarmante grau aproximado de 40% de endividamento com o sistema financeiro nacional em relação à renda acumulada nos últimos 12 meses”. Ou seja, uma parcela de 40% da renda das famílias comprometida com dívidas em aberto.” Com base nesses graus de desemprego e endividamento, Pellegrino acha que os sinais de retomada só ganharão nitidez em 2019 ou 2020. Indicadores da volta por cima, o setor automotivo e o agronegócio têm sido turbinados pela demanda externa, nota o economista. “Mas não importa o destino do produto final porque o aumento da produção gera mais emprego, renda e consumo, tudo o que hoje precisamos para ativar a economia”.
A emperrada aprovação das reformas estruturais, o déficit fiscal e a limitação para ampliar gastos públicos para aquecer a economia também contribuem para a lentidão de uma retomada dependente também do aumento da demanda internacional e do retardo de decisões de investimento causado por incertezas políticas. “Embora a sensação de melhora não seja contagiante, o Brasil voltou a operar dentro dos trilhos”, conclui Pellegrino.