Antes mesmo do desembarque da pandemia, pesquisas comportamentais mostravam os brasileiros passando mais tempo em casa. A pandemia transformou essa tendência em condição de sobrevivência e, no rastro do cotidiano alterado, vários gastos destinados a atividades fora do lar foram redirecionados para dar um trato no ambiente doméstico, desde decoração a reformas estruturais. No leme de um portfólio de 6.150 produtos para fundação de obras ao acabamento residencial, renovado anualmente por cerca de 200 lançamentos tendo o plástico como principal insumo, a Astra sente os pesares da conjuntura atual, mas, escorada por 63 anos de janela, ela tem se dado bem ao prospectar novas jazidas para desenvolvimentos, imersas nas mudanças de hábitos em seu setor, explica nesta entrevista Ana Oliva, presidente do conselho da empresa.
1Os preços dos insumos para materiais de construção continuam a sofrer sucessivos aumentos este ano. Com base no convívio com isso em 2020, quais as principais medidas da Astra em sua política de abastecimento para amainar o baque dessa escalada de reajustes em seus resultados?
Vivemos uma crise sem precedentes e, desde o começo, a Astra esteve engajada em apoiar toda a cadeia que, por sinal, passou por um desajuste no primeiro período de restrições mais severas sob a pandemia. Foi quando chegamos a reduzir a jornada de trabalho e a produção e deparamos com uma demanda reprimida pelo lockdown e incertezas do momento. Com as lojas de material para construção consideradas serviços essenciais, o auxílio emergencial e as pessoas mais em casa, vimos essa demanda voltar a crescer rapidamente já no período maio/ junho. A alta procura no varejo e as fábricas ainda em ritmo mais lento geraram um desequilíbrio na cadeia e começou a faltar produto no mercado. Em decorrência, nosso prazo médio de faturamento, que era de cinco dias, saltou para mais de 30. Conseguimos equilibrar esta equação com a contratação de cerca de 500 profissionais no segundo semestre e com as fábricas a todo vapor.
2Mas como isso foi possível com tanta falta de matéria-prima?
Tivemos problemas com insumos como termoplásticos, vidros e embalagens (caixas de papelão e sacos plásticos). PVC e cobre foram muito impactados, mas suas específicas participações refletem menos em nossa operação. No final das contas, o impacto nas matérias-primas não foi tão grande porque trabalhamos com um bom estoque. Acho que, além de medida justa, o sistema de cotas adotado por alguns fornecedores de insumos ajudou a equilibrar o mercado. Porém, a alta dos seus preços prejudicou a todos, inclusive o consumidor final. Tentamos absorver ao máximo esses aumentos, mas não foi possível evitar repasses. Para este ano, nossas perspectivas são otimistas, pois o cenário difere da primeira onda do corona, em março de 2020. Temos um processo de imunização em curso e o mercado conseguiu se reinventar e impulsionar novos canais de venda, como drive thru, e-commerce, delivery e take away. No primeiro quadrimestre, nossas vendas mostraram um ritmo de vendas acima do mesmo período no ano passado.
3No ano passado, a economia mais ativa no segundo semestre e o auxílio emergencial de R$ 600 influíram positivamente nas vendas de materiais de construção, em especial para reformas residenciais. Como a Astra avalia as perspectivas para as vendas de seu setor este ano, com auxílio emergencial bem menor, desemprego e inflação maiores, dólar nas alturas e menor poder aquisitivo?
A pandemia acabou acelerando uma tendência mostrada em 2019 por várias pesquisas: as pessoas estão ficando mais em casa. Além da segurança e conforto do lar, alguns aspectos têm contribuído para esta mudança de comportamento do consumidor. Afinal, praticamente tudo pode ser feito dentro de casa com o avanço das tecnologias, exemplificam comodidades como o trabalho remoto, que deve permanecer pós-pandemia; o entretenimento proporcionado pelas plataformas de streaming; delivery de comida e compras on line com entrega no dia seguinte. Assim, o “fique em casa”, que virou questão de sobrevivência na pandemia, levou as pessoas a olharem mais para dentro de seus lares e se incomodarem com aspectos antes desconsiderados, pois a rotina voltava-se então praticamente para fora e a moradia era tida apenas como dormitório. Desse modo, a mudança literal de residência, pequenas ou grandes reformas ou até mesmo uma reorganização doméstica passaram a ser levadas em conta. E este comportamento não só veio para ficar, mas independe de poder aquisitivo.
As pessoas tendem a deixar de gastar com outras demandas e passar a investir mais no conforto da casa, transformando espaços domésticos em refúgios, verdadeiros centros de bem-estar. Receber amigos e familiares tem se tornado cada vez mais comum, o que se percebe pelo grande sucesso de programas televisivos de culinária e de reforma de casa. Cozinhas com conceito aberto, integradas à sala de estar e jantar, ganham cada vez mais força no Brasil, assim como aquele espacinho externo para guardar bagunça e que pode ser reorganizado para receber as pessoas. Acredito muito na retomada da economia e ela contribuirá para incrementar esse movimento acompanhado bem de perto pela Astra. Uma referência é o lançamento de um sensor de acionamento de descarga acoplada e que permite a liberação da água para limpeza do vaso sanitário apenas com a aproximação das mãos. Ou seja, não é necessário tocar na peça para acionar a descarga. Uma solução que promove acessibilidade e higiene e ajuda na prevenção da covid. Nossa linha de organizadores – cestos e roupeiros – também vem ganhando bastante destaque nesses tempos de pandemia, pois envolve produtos fundamentais para a recomendação de se deixar recipientes separados na entrada de casa para colocação da roupa suja e de máscaras separadas para lavar. •