Fundo privado investe pesado na reciclagem de PET grau alimentício
Ao menos até a reciclagem química sair do berçário e ganhar perfil industrial, PET permanece no trono do único termoplástico cujo resíduo pós-consumo gera um reciclado de grau alimentício homologado internacionalmente, fruto da reciclagem mecânica pela rota bottle to bottle (BTB). Esta exclusividade, responsável pelo tapete vermelho estendido para PET pela economia circular, torna o poliéster reciclado grau alimentício um negócio ultra sedutor para investidores fora da cadeia plástica e apoiadores da sustentabilidade. No Brasil, essa tendência aflora na aquisição do controle majoritário da renomada recicladora Global PET pelo fundo privado eB Capital que, em julho do ano passado, incorporou outro top of mind da reciclagem BTB nacional, a indústria Green PCR. “Nós nos comprometemos a investir ao longo do tempo cerca de R$ 600 milhões nas duas empresas, em expansões de capacidade e melhoria da qualidade da resina”, delimita Renan Pereira Henrique, diretor da eB Capital.
O fundo não abre o montante dispendido na compra da Global PET, mas seu site indica o aporte de R$ 200 milhões na Green PCR. Henrique retoma o fio situando em 30.000 t/a a capacidade desta recicladora sediada em Campinas (SP), enquanto Irineu Bueno Barbosa Jr. (ver entrevista abaixo), sócio executivo da Global PET fixa em 3.500 t/mês a atual capacidade da empresa, a cargo da planta em São Carlos (SP), um potencial agendado para pular para 6.000 t/mês com a partida da filial cearense, no polo de Guaiúba, em 2024. Segundo o portal do fundo, Green PCR e Global PET são, respectivamente, o segundo e terceiro maiores produtores de PET BTB no país.
A eB Capital investe em oportunidades “que vão endereçar alguma lacuna estrutural do Brasil”, estabelece Henrique. “Não somos um investidor financeiro de cunho apenas oportunista e focado no retorno do capital”. Conforme explica, o fundo estudou a cadeia recicladora, em especial a dos plásticos, e identificou grande necessidade de investimento e profissionalização no segmento para vencer os pedregulhos pela frente. “Os problemas começam na dificuldade para se chegar a uma equação justa para os catadores, em termos de remuneração e condições de trabalho, e termina nos brand owners, muitas vezes sem acesso ao volume de reciclado com a qualidade necessária para reúsos mais nobres”. O diretor do fundo antevê um interessante retorno do capital aplicado. “A justificativa está nas expansões em curso nas unidades da Green PCR e Global PET, destinadas a triplicar a capacidade total até 2025”.
A entrada do fundo na cúpula da Global PET não implica trepidações na gestão e operação dessa recicladora na ativa desde 1999. “Na diligência que precedeu o investimento, criamos com os sócios executivos das duas recicladoras um plano de negócios cuja implementação depende deles. “Enquanto ele for executado, a nossa expectativa é de pouca ou nenhuma mudança na liderança do dia a dia das empresas e a atuação do time do fundo se limita ao conselho administrativo e comitês estratégicos”. Se identificada a necessidade de suporte maior em determinada área ou se o crescimento das duas recicladoras e a complexidade da demanda aumentar a ponto de requerer uma nova expertise, “aí então a eB Capital pode ajudar a compor o time para vencer estes desafios”, completa o diretor.
Hoje em dia, o Brasil conta, pelo menos com seis recicladoras de peso em PET BTB. Henrique explica que a eB Capital preferiu embarcar na Green PCR e Global PET por preferir investir em empresas médias, com bons produtos e tecnologia e cujo crescimento depende de capital e apoio na gestão. “O segmento de PET reciclado grau alimentício tem outros ativos interessantes, mas são pequenos ou grandes demais, ou então, integram grupos avantajados. Nesses casos, a ajuda do nosso fundo é limitada.”
O olhar da eB Capital sobre as oportunidades dos plásticos transcende os limites de PET BTB. “Nosso grande sonho é construir uma plataforma multipolímero, de grande escala e criadora de tecnologia e inovação de padrão global”, expõe Henrique. “É uma meta que, para vingar, depende de tempo correto de maturação, ou seja, um estágio de evolução das condições de mercado que proporcione mais segurança ao capital aplicado. Hoje em dia, ele pondera, o mercado consumidor precifica o reciclado atrelado ao valor da resina virgem. “Isso traz uma incerteza significativa para os investidores, mas no futuro as condições serão mais favoráveis a este tipo de investimento”.
eB Capital/Global PET
“É o momento de dar nova cara a Global PET”
fundo eB Capital injeta adrenalina numa recicladora exemplar
Pelo galope dos investimentos, a capacidade instalada no Brasil para reciclar PET grau alimentício (ou bottle to bottle/BTB) deve saltar 130.000 toneladas em dois anos e, mesmo assim, não mobilizará sequer a metade do poliéster consumido no país. A mistura fina desses condimentos atiçou a fome de crescimento da recicladora paulista Global PET, a ponto de já montar filial no Ceará. A estratégia também passou pelo radar da eB Capital, fundo privado de investimentos presente em PET BTB desde 2022, mediante a compra da recicladora Green PCR, e que pegou atalho para deslanchar no ramo adquirindo este ano a Global PET. Nesta entrevista, Irineu Bueno Barbosa Jr., sócio fundador e diretor comercial da Global PET serve à mesa as justificativas para a venda da empresa no auge de sua trajetória e os efeitos iniciais da transação sobre a cadeia recicladora de PET grau alimentício.
A Global PET completa 24 anos entre os maiores recicladores de PET BTB do país e com expansão em curso da sua capacidade de 3.500 t/mês para 6.000 com a filial no Ceará no ano que vem. Por que topou vender numa fase esplendorosa a empresa que você fundou?
A eB Capital apareceu com um projeto muito alinhado com nossos planos para a Global PET- principalmente crescer, tornar-se mais relevante no mercado e trazer fundamentos ESG mais sólidos ao setor de reciclagem como um todo. Eram necessários suporte financeiro para as ampliações e experiência na gestão de empresas do porte que nos tornaremos. Dessa forma, com muito mais sinergias e pontos positivos que negativos, entendemos ser o momento adequado para tomar essa decisão e dar nova cara para a Global PET.
Quais os usos imediatos dos recursos injetados pela eB Capital e qual o papel de você e seu sócio Ari Peronti na nova configuração da Global PET?
A eB Capital está investindo financeiramente como apoio à aquisição de máquinas e construção dos prédios para a fase de expansão. Traz também know-how na gestão e implementação das mais avançadas práticas ESG. Antes de venda, aliás, a Global PET já detinha contratos com brand owners comprometidos com a sustentabilidade. A propósito, a eB Capital já se movimenta na análise e inserção de práticas ESG na etapa relacionada à captação de matéria-prima para a reciclagem. Eu e Ari Peronti seguiremos como sócios minoritários e à frente da operação. Nada muda no relacionamento com clientes, fornecedores e nossos 200 colaboradores diretos.
Quais os diferenciais do parque industrial da Global PET?
Dispomos hoje de uma linha de moagem com tecnologia nacional turbinada por selecionadoras automáticas de garrafas da Tomra, fabricante norueguesa de sensores ópticos de triagem de resíduos. O ponto alto da planta é um desenvolvimento interno: o sistema de lavagem com água quente. Utiliza menos de um litro de água para cada quilo de PET BTB produzido. A fábrica conta com três linhas de extrusão com alto poder de descontaminação e seis reatores de pós-condensação para complementar o processo. No mercado, muitos brand owners já contam com embalagens 100% à base de nossa resina reciclada, sem depende da virgem.
O Brasil tem seis recicladores de peso em PET BTB e agora a eB Capital controla dois deles, Green PCR e Global PET. Poderia dar referências do potencial de retorno do negócio de reciclagem de PET grau alimentício, a ponto de despertar o interesse de um fundo privado de investimentos?
A eB Capital promoveu estudos sobre o futuro do planeta e focou na solução das dificuldades que teremos. Não há como pensar na vida moderna sem plástico, mas, por décadas, o problema do descarte e sua reciclagem foi empurrado com a barriga por toda a sociedade. O fundo entendeu que o foco em economia circular será predominante nos próximos anos e que esse mercado tende a crescer muito. Isso abre uma oportunidade de entrada para algo que promete crescimento exponencial.
Hoje em dia, PET BTB ainda é bastante sensível à montanha-russa comportamental da resina virgem. Já houve dependência maior no passado e o futuro deverá ser de maior independência, com nossos clientes mais conscientes de que investir em matéria-prima reciclada é retornar recursos para a sociedade consumidora e não para alguma empresa bilionária extratora de recursos naturais.
A junção da transição para uma economia circular com a possibilidade de participar do processo à frente de uma empresa protetora do meio ambiente e promotora de prosperidade à população local foi um fator determinante na decisão de investir na Global PET tomada pela eB Capital, em linha com seu perfil de fundo privado super ESG.
Com o controle da Green PCR e Global PET, a eB Capital surge na linha de frente da reciclagem nacional de PET BTB. Dada a atratividade do setor, este movimento pode atrair outros fundos para considerar a compra de players desse segmento?
Primeiro, convém considerar Green PR e Global PET como empresas independentes que receberam aportes de um mesmo fundo, mas que continuarão separadas. Quanto à dianteira no segmento, assinalo que a Valgroup também fez importantes aquisições e investimentos, permanecendo portanto o maior reciclador de PET do país. Sim, não há dúvida de que outros fundos de investimento estão olhando para o setor de reciclagem, não apenas para PET, mas abrangendo todos os termoplásticos e sistemas de logística reversa. Nesse cenário, PET saiu na frente apenas por estar um pouco mais desenvolvido na reciclagem que as outras resinas.
A eB Capital tem, sim, intenção de avançar mais no setor como um todo, em outros plásticos e em sistemas de captação e logística reversa. Só não olha por enquanto para a transformação porque considera que temos empresas bastante interessadas em ser parceiras da Global PET e Green PCR nesses seus planos de crescimento.
Alpek e Indorama, as duas petroquímicas de PET com plantas no Brasil dispõem no exterior de unidades de reciclagem BTB. Indorama tem uma pequena planta desse poliéster recuperado em Minas e Alpek controla outra do mesmo porte na Argentina. Como avalia possibilidade de Alpek e Indorama investirem pesado em plantas maiores de PET BTB no Brasil? Quais seriam os reflexos desses movimentos de players integrados em PET virgem e PET BTB sobre os recicladores concorrentes centrados só na recuperação da resina?
A preocupação com competitividade anda junto com toda a nossa tese de foco no reciclado. Ter uma estrutura de grande capacidade de transformação, saudável financeiramente, robusta e confiável é a forma que empresas sem parentesco com as petroquímicas precisam para se preparar para a competição que se aproxima.
As petroquímicas já entenderam que a reciclagem é a salvação do material. Não terão vez numa economia circular muitos produtos irrecicláveis. Esse conceito motiva as petroquímicas a investir em reciclagem e isso não mudará. Em breve, a Indorama vai inaugurar a ampliação da sua unidade de reciclagem em Juiz de Fora (MG), enquanto a Alpek tem acumulado know-how no ramo com importantes investimentos nos EUA em reciclagem de garrafas PET nos últimos anos.
Atrair o respaldo de um acionista capitalizado, como um fundo de investimentos, participando do controle societário da recicladora, é uma medida recomendável para uma recicladora sem braço na resina virgem ganhar competitividade neste possível cenário?
Com base na resposta anterior, julgo que sim, ter um acionista com experiência em gestão e capitalizado é importante para um reciclador enfrentar os concorrentes. Mas não se pode esquecer que ser uma empresa local, enraizada, conectada com a sociedade e de gestão simples e ágil, são trunfos difíceis para uma multinacional gigante alcançar.
Pelas suas estimativas, a capacidade brasileira de PET BTB deve pular de 175.000 para 305.000 t/a em 2025. Com a decolagem da eB Capital no segmento, essa previsão pode se concretizar antes de dois anos?
Não há tempo. Há prazos e processos a serem respeitados. Os prazos de entrega e montagem de equipamentos novos do porte e classe necessários para a reciclagem BTB não são menores do que 18 meses. Ou seja, quem investiu tendo em vista 2025, já investiu. Quem decidir a partir de agora estará mirando o quadro de 2026 em diante.
2023 deve fechar com qual cenário para PET BTB no Brasil versus 2022?
Estamos passando por um daqueles momentos em que alguns brand owners deixam a camiseta de ambientalista de lado e voltam-se para o cifrão. A resina virgem volta a experimentar mínimas históricas de preço e diversas recicladoras de plástico fechando as portas. Triste realidade que o greenwashing disfarçado de muitas facetas ainda nos impõe. Por isso, na minha opinião, em 2023 desceremos alguns degraus no índice de reciclagem de todos os plásticos. Agora, no âmbito exclusivo de BTB, o mundo já mudou. Temos brand owners bastante comprometidos com metas de sustentabilidade, inclusos aqueles atentos à estreia de uma legislação nacional prevendo o uso compulsório de PET reciclado pós-consumo (PCR) em novas embalagens do poliéster. Nesse sentido, batemos na trave em alguns Estados na virada de 2022 para 2023, no esforço para essa legislação vingar. Mas ela virá. O grupo das indústrias finais que já precisam de PET PCR, entende que há uma curva de aprendizado importante para migrar seu portfólio da resina virgem para uma composição virgem/PCR. Passo a passo, essas empresas abrem caminho para conteúdos maiores de PCR em seus frascos. Não vejo retrocesso na maioria desses esforços. Em contrapartida, também sofremos com aqueles que alegam que precisam ser mais competitivos para se manter no mercado (greenwashing) e que a meta de uso de PCR é para 2030 e não para hoje… Perdemos muito volume aqui, com este posicionamento. Finalizo prevendo uma menor taxa de utilização de PCR em garrafas PET em 2023 do que experimentamos em 2022.
Como avalia o potencial da reciclagem brasileira de PET BTB para os próximos cinco anos? A projetada capacidade de reciclagem de 305.000 t/a do material a ser atingida em 2025 representaria qual percentual preenchido da demanda interna por PET BTB?
O potencial de crescimento é bastante alto. Aqueles brand owners infiéis da resposta anterior fatalmente ficarão sem PCR quando necessitarem do material, pois a demanda subirá bastante e a oferta depende de investimentos robustos e cobram tempo para se concretizarem, Países com o Chile, Equador, Peru, Colômbia e Paraguai, para ficar apenas aqui no Cone Sul, já apresentaram legislação ambiental contemplando a reciclagem e o uso compulsório de plástico por ela gerado em novos produtos como a forma mais direta de se promover investimentos em coleta e logística reversa. O Brasil está atrasado, mas preparando novidades. Estamos todos nós, recicladores, ansiosos e esperançosos de que essa obrigação nasça com isonomia total para todos os materiais utilizados em embalagens. Plásticos de todos os tipos, metais, papéis e vidro devem ser obrigados a incorporar um percentual de reciclado em novas embalagens, sob o risco de passar para o lado dos materiais não recicláveis e indesejáveis para o mundo circular.
A propósito, o cenário de julho deste ano revela centenas de cooperativas e milhares de catadores cooperados em dificuldades, por não haver venda de muitos desses materiais que citei acima. Por isso, a obrigação de uso de PCR e a isonomia entre materiais são fatores importantes – todos os materiais terão de passar por essa prova de fogo. Por sinal, em muitas entrevistas que dei a Plásticos em Revista eu dizia que apoiar cooperativas com leilões de crédito de reciclagem é importante, mas que isso só funciona enquanto houver venda para os materiais. E agora que nosso mercado parou, devido à queda de preços das resinas commodities em geral, nenhuma cooperativa ou depósito vive de negociação a crédito de sucata que não é vendida. Torna-se urgente, portanto, a homologação de uma legislação em favor do desenvolvimento da reciclagem e que obrigar o uso de materiais reciclados. É a bala de prata para muitos dos problemas que, infelizmente, ainda enfrentamos.
A capacidade de reciclagem de 305.000 t/a do material a ser atingida em 2025 representaria qual percentual preenchido da demanda interna por PET BTB?
O uso da resina BTB está em ascensão. A prevista capacidade anual de 305.000 toneladas do material daqui a dois anos deverá equivaler a uma parcela entre 35% e 45% do total de PET consumido no Brasil.