Nos últimos 10 anos, apontam cálculos da consultoria Tendências, as vendas da indústria automobilística aumentaram à média anual de 10%. Desde 2013, efeito da ressaca do crédito facilitado, inadimplência no pico e decorrente aversão do consumidor a endividamentos, o bicho pegou. A produção de veículos caiu 18% de janeiro a agosto último frente ao mesmo período no ano anterior, justo quando diversos projetos de montadoras começam se materializar aumentando a oferta, a concorrência e o nível de ociosidade na indústria, quadro pretejado pelas exportações brasileiras postas a pique pela Argentina respirando pelos aparelhos. A reação em cadeia desses plásticos nobres prenuncia um rearranjo favorável à sobrevivência dos mais aptos, um time no qual o fornecedor que nunca saiu das fronteiras domésticas não terá vez, antevê nesta entrevista Eric Schmitt, presidente da operação no país da francesa Arkema, avatar global em especialidades plásticas.
PR – Até 2017 o Brasil terá capacidade de produzir 6 milhões de veículos e, segundo os analistas do ramo, o consumo deverá suar sangue para alcançar 4 milhões até lá. Houve euforia demasiada nas decisões de investimentos das montadoras?
Schmitt – Sempre me surpreendi com o entusiasmo das montadoras com o Brasil. O mercado brasileiro já é grande no plano do setor automotivo mundial e a relação carro per capita ainda é baixa. Ou seja, o país continua mostrando potencial. Devido ao esgotamento do modelo de crescimento econômico pelo incentivo ao consumo, além da recessão na Argentina, maior cliente externo dos carros daqui, o aumento das vendas de veículos não acontecerá na velocidade prevista na fase mais animada dos investidores. Assim, a indústria automobilística atravessa uma crise inerente a uma fase inescapável de transição, a caminho de uma reestruturação, de um perfil mais compatível com a realidade da demanda. Deve acontecer, portanto, um rearranjo entre as montadoras mas, à parte isso e tal como ocorre no mundo inteiro, a indústria automobilística permanecerá a mais incentivada no Brasil pelo governo, por razões políticas. Essa situação singular não é tão justificada pelos empregos gerados como pelo poder de lobby do setor.
PR – Quais as possíveis consequências desse excesso de capacidade sobre o setor de especialidades plásticas no Brasil?
Schmitt – Entre os fornecedores desses materiais, figuram empresas que atendem mundialmente as montadoras com fábricas aqui estabelecidas. Além do mais, vale atentar para a crescente sofisticação dos carros nacionais; o novo VW Gol, por exemplo, enquadra-se no padrão europeu de qualidade nessa categoria de veículo. O consumidor brasileiro paga – e muito – por essa evolução. De outro lado, a indústria automobilística é campeã em pressionar fornecedores para baixar custos, inclusos os de especialidades plásticas. Para quem atua no segmento, esse quadro geral cobra mais escala e capacidade de inovação e custos fixos e margens menores. Desse ponto de vista, soa lógica a previsão de um rearranjo na indústria local de materiais de engenharia, pois seus integrantes dependerão de capacidade, capital e conhecimentos para se ajustarem a um cenário de declínio na produção de carros e consequente aperto mais intenso nos gastos por parte das montadoras.
PR – Quem sentirá mais o peso desse rearranjo?
Schmitt – É uma situação que torna particularmente vulneráveis os componedores nacionais, de menor visibilidade e centrados apenas no mercado doméstico. Essa possibilidade de perderem terreno para competidores múltis é acentuada pela prática da informalidade prestes a ser extinta no setor automotivo, fechando um espaço muito frequentado pelos produtores domésticos, devido à sua maior flexibilidade comercial e ao controle em regra familiar dessas empresas.
PR – O Brasil tornou-se um dos países mais caros do mundo para se produzir. Como avalia a hipótese de, mantida essa estrutura onerosa, múltis de especialidades plásticas, como a Arkema, refrearem sua produção local, preferindo importar?
Schmitt – A Arkema não produz especialidades plásticas no Brasil. Mesmo assim, vamos aos prós e contras do quadro atual. Do lado negativo, além dos custos, pesam a realidade instável, o tamanho da carga e a complexidade tributária e uma burocracia sem igual no mundo – e quem fala já morou na França, EUA, México, Argentina e no Brasil. Do lado pró, há o fator discutível da proteção tarifária do mercado nacional. Investidor algum desconsidera essa condição. O protecionismo perdura, mas enfraqueceu se comparado ao fechamento do mercado à época da extinta reserva da informática (N.R.- anos 80). Outros pontos a favor envolvem o potencial de crescimento do mercado e, pelo visto, a disposição do próximo governo de dar prioridade a atacar o Custo Brasil e a fortalecer a competitividade da indústria, sob risco de causar desemprego se nada mudar. Com base nessas variáveis, aliás, estamos estudando a viabilidade de montar uma operação de compostos aqui. Já reparou que, em regra, quem entra com uma fábrica no Brasil não sai de campo, apesar de todas as dificuldades enfrentadas? Por fim, é preciso levar em conta os efeitos da desaceleração da economia da China, complicando o desempenho das indústrias e, assim, destacando o Brasil entre as alternativas para investidores em países emergentes.
PR – Já que se considera esgotado o modelo de crescimento econômico pela via do estímulo ao consumo, como conciliar metas aceitáveis de crescimento em especialidades plásticas num ambiente de consumo interno antevisto como moderado para os próximos anos?
Schmitt – As oportunidades para especialidades plásticas crescem nas pegadas da busca da qualidade, da inovação e das melhorias incorporadas pela economia de escala. Há mais de 20 anos, eu encontrava por aqui uma lavadora de roupa similar a um tanque e hoje vejo máquinas próximas do padrão europeu. Esse exemplo reflete o potencial do país para materiais de engenharia, tal como o contingente de pessoas que ainda não entraram para o mercado consumidor.
PR – Se os mercados de especialidades plásticas sofrem agora com demanda sofrível e instável, quais as alternativas para o negócio de especialidades plásticas da Arkema manter um pique aceitável no Brasil?
Schmitt – A estratégia é continuar importando e priorizando as inovações em desenvolvimentos, a exemplo do esforço para trocar metal por plástico em componentes automotivos, com base em vantagens como redução de peso e de custos. O desafio é mudar o paradigma da cultura local quando se lida com um centro de engenharia no país de atuação não tão atrelada aos passos seguidos na matriz da montadora, caso da VW no Brasil. Estamos empenhados em introduzir aqui a poliftalamida Rilsan HT para injeção e extrusão de peças como ‘blowby’, um tubo de refluxo no compartimento do motor adotado na versão em metal nas montadoras daqui. Na Alemanha, a Arkema fornece Rilsan HT para modelos como o VW Passat. Ainda em relação ao Brasil, também apostamos em especialidades plásticas como chapas moldadas com termofixos acrílicos para carrocerias de ônibus ou da série do mesmo material denominada Elium, para deslocar resina de poliéster insaturado nos processos bulk moulding compound (BMC) e sheet moulding compound (SMC), devido à maior facilidade e menor tempo de processamento. •