Inovação disruptiva, termo hoje na onda e cunhado nos anos 1990 pelo professor de Harvard Clayton Christensen, designa o lançamento de uma tecnologia barata, eficiente e que, visando margens de lucro menores, provoca uma revolução e torna obsoleto o que ela substitui. No Brasil de hoje, uma referência de disruptura no setor plástico vem à tona na Companhia Brasileira de Embalagens (CBE), vip em artefatos como lacre injetado para latas de alumínio. Pois a CBE irrompe fora do seu quadrado com uma fábrica de filamentos para impressão 3D que entra em cena em 2018 dentro de suas instalações em Cotia, Grande São Paulo. Consultor técnico da CBE, Klaus Gargitter explica que a nova unidade constitui uma divisão da CBE. “Lançaremos em janeiro o nosso site, www.monster3d.tech, Facebook e Instagram – @Monter3DPro”, ele adianta. Como estamos desenvolvendo um mercado totalmente novo, o volume de filamentos tende a aumentar bastante, já que trabalharemos de início tendo em vista com 10% da demanda potencial”. Na entrevista a seguir, Gargitter dá as coordenadas dessa investida visionária na manufatura aditiva.
PR – Quando os filamentos 3D da CBE ingressam no mercado?
Gargitter – Por decisão do conselho administrativo da empresa, o valor dos investimentos e a capacidade produtiva não podem ser informados. A fábrica será dedicada à produção de filamentos com tecnologia Fused Filament Fabrication (FFF). A data de partida prevista é a segunda quinzena de dezembro de 2017, com abertura das vendas em janeiro de 2018. A fase inicial da manufatura ficará a cargo de linha piloto e o produto terá a marca Monster – Pro 3D Filaments.
PR – O Brasil conta com quantas unidades de filamentos de termoplásticos para impressão 3 e como sua planta vai sobressair perante a concorrência?
Gargitter – Já operam em torno de cinco fábricas no país; algumas delas produzem filamentos para terceiros que são proprietários de marcas comerciais. Nossa proposta é diferente das atuais empresas produtoras, pois estamos focados no mercado profissional, não no de hobby. Para atender a este segmento devemos cumprir alguns requisitos mais rigorosos. Nossa fabricação é toda automatizada, desde a secagem e dosagem das matérias- primas até o monitoramento digital de espessura. Isso nos garante um controle dimensional preciso e cores uniformes. Não temos operadores interferindo no processo. Desenvolvemos uma embalagem com barreira à luz, ao oxigênio e, por fim à umidade, para manter o filamento seco até chegar ao cliente, fator crítico para uma boa impressão. Os carretéis serão embalados a vácuo, para minimizar o teor interno de umidade e oxigênio. Cada um deles passará por um processo de secagem imediatamente antes de ser acondicionado e o teor de umidade do filamento será medido. Se estiver dentro da especificação para cada tipo de material, o carretel será então embalado. Para garantir esta propriedade, emitiremos um certificado de qualidade do teor de umidade do filamento antes de ser embalado. Estamos em fase de implantação da ISO 9001 e seremos a primeira empresa produtora de filamentos a contar com este certificado – uma garantia para o cliente de que teremos um processo uniforme e controlado. Mesmo à parte do nosso foco, o mercado que utiliza impressão 3D para hobby também se beneficiará com o emprego desse filamento proveniente de manufatura mais confiável.
PR – Poderia detalhar as etapas da produção dos filamentos?
Gargitter – Não podemos descrever a fundo, pois incorporamos alguns equipamentos e processos concebidos internamente com a experiência de mais de 20 anos em desenvolvimento de processos de transformação de polímeros. Projetamos cada etapa do processo para atender exclusivamente a produção de filamentos para impressão 3D com a precisão, uniformidade da composição, controle de propriedades e padrão de qualidade do filamento necessários à garantia da qualidade da peça impressa. Algumas empresas necessitam de homologação, por isso temos a flexibilidade de produzir exatamente o que o profissional ou empresa de impressão 3D necessitar, tanto em termos de propriedades quanto em relação ao tipo de material a ser utilizado.
PR – A impressão 3D está em estágio inicial no mundo inteiro. Qual a motivação para investir nesse mercado diante de uma demanda incipiente no Brasil e por que decidiu ingressar neste ramo produzindo em vez de vender o filamento importado?
Gargitter – Levamos dois anos analisando o mercado e acompanhando sua curva de crescimento aqui e no mundo. Obviamente o Brasil ainda está muito atrasado em relação a outros países, mas temos um potencial bastante significativo para investimentos. A expansão desse mercado é bem acelerada, mas, em termos de volume ainda é pequeno – afinal, a base por ora é bem baixa. Por esse motivo, iniciamos a produção com uma escala pequena e iremos aumentá-la em função da ampliação da demanda. Decidimos produzir nosso próprio filamento e não importar para não ficarmos limitados à oferta atual. Nosso viés é de desenvolvimento de materiais e processos, para termos a liberdade de criar e oferecer ao cliente o que ele precisa. Outro motivo é que ninguém no mundo oferece as características de embalagens que utilizamos e a tolerância dimensional também não é boa. Os fabricantes que oferecem produtos com características que se enquadram em parte na nossa especificação estão na Europa e o custo de importação e revenda é proibitivo.
PR – Como será feita a comercialização dos filamentos?
Gargitter – Por e-commerce para o público em geral e os projetos serão alvo de negociações com contrato de fornecimento.
PR – Boa parte das marcas de impressoras 3D exige que o cliente compre os filamentos por elas produzidos, medida justificada com a garantia de qualidade final, enquanto outras marcas atuam pelo esquema open source. Como esse quadro pode afetar as vendas dos seus filamentos?
Gargitter – Hoje em dia, a grande maioria das impressoras 3D com tecnologia FFF é de marcas adeptas do sistema open source, mas há carência de filamentos com qualidade profissional. As impressoras profissionais, com filamento dedicado, representam uma parcela pequena do mercado e são utilizadas por empresas de grande porte, em razão do seu custo proibitivo para companhias pequenas e novos empreendedores. Nossos filamentos serão direcionados para impressoras open source, mas com qualidade de filamentos profissionais. Estamos firmando uma parceria com um fornecedor de impressoras que irá fornecer as máquinas para nossos projetos. Nesta modalidade, as impressoras serão diferentes das que encontramos no mercado ou produzidas na China. Já definimos uma especificação para elas para que tenham uma resolução maior e que sejam confiáveis e de fácil operação, a ponto do usuário não ter que ser um expert em impressão 3D para operá-las. Os componentes terão especificação industrial para a garantia do desempenho.
PR – Quais as resinas selecionadas para sua produção de filamentos?
Gargitter – Para o mercado com menor nível de exigência de desempenho mecânico e para o de hobby oferecemos filamentos tradicionais em ácido polilático (PLA), copolímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS) e o poliéster modificado PETG. Para usuários profissionais depednetes de melhor desempenho e propriedades específicas, oferecemos filamentos de copolímero de acrilonitrila estireno acrilato (ASA) para peças com resistência a raios UV, além de alternativas como compósitos, poliestireno de alto impacto, poliuretano termoplástico, polieterimida e o blend de policarbonato com ABS.
PR – Plásticos de engenharia predominam nos filamentos para impressão 3D, mas PP tem atraído interessados. Qual a possibilidade de propor para a Braskem, único produtor de PP no Brasil, um ponto positivo de marketing: os primeiros filamentos de PP nacional para impressão 3D?
Gargitter – Sim, iremos trabalhar com PP. Já conversamos com a Braskem no início do projeto para avaliar a disponibilidade de nos ajudar a conceber algo na esfera dessa poliolefina. Precisamos, após a partida da linha de produção, retomar o contato para esses desenvolvimentos. O problema é que o volume é muito pequeno para justificar um investimento por parte da Braskem neste mercado de filamentos. Independentemente dela, pesquisaremos oportunidades em PP, pois temos o conhecimento e tecnologia necessários para chegar a um material de tenha bom desempenho como filamento na impressão. O problema de PP é que, tal como polietileno, tratam-se de materiais difíceis de imprimir em 3D por serem apolares e semicristalinos, ao contrário de alguns plásticos de engenharia utilizados em filamentos O que buscamos é o material que seja fácil de ser impresso. Este é o motivo de o filamento de PLA dominar o mercado não profissional – a facilidade de impressão que não necessita de impressoras sofisticadas. Qualquer impressora chinesa de US$ 200 imprime PLA. Já determinados plásticos de engenharia, como polieterimida, requerem impressoras profissionais.
PR – Toma corpo nos EUA o efetivo de produtores domésticos (pessoas físicas) de filamentos para alimentar suas impressoras 3D. Como vê o risco para o seu negócio de esse movimento desembarcar no Brasil?
Gargitter – Essa tendência provém do movimento “maker” e DIY (Do It Yourself/Faça Você Mesmo), integrada por pessoas que procuram sempre meios de produzir seus insumos e máquinas. É muito comum que este pessoal construa a própria impressora. Existem tutoriais na internet para a construção de extrusoras para filamentos, mas, como é de se esperar, sem tecnologia e controle de processo. Afinal, essas extrusoras utilizam canos e brocas de furadeiras como canhão e rosca e matrizes feitas de parafusos furados, o que resulta em filamentos sem qualidade, produzidos com materiais inadequados (contaminados e misturados), sem controle dimensional e com bolhas internas. Ou seja, a impressão não terá precisão e o entupimento do bico de impressão é quase uma certeza. Seria o mesmo que alguém resolvesse se tatuar, produzindo em casa o equipamento de tatuagem e gravando a pele com tinta de caneta. O resultado não é dos melhores comparado com uma tatuagem profissional feita em um estúdio com pessoal habilitado e equipamentos profissionais. O risco de essa tendência afetar o mercado profissional, nosso foco, é muito baixo. •