2018 foi mesmo um ano do cão, tanto no sentido do horóscopo chinês como no das sofrências suportadas pelo Brasil. Para variar, aquelas previsões iniciais a 100 graus para o último período foram sendo revisadas para baixo já a partir do segundo trimestre e o plástico, como termômetro extra oficial do consumo, levou as sobras da palidez da economia. Apesar dos pesares, o consumo aparente de resinas, estima a consultoria W4Chem, pulou 4,4% no ano passado, índice equivalente ao garbo da taxa de elasticidade acima de três vezes o PIB de 1,3%. A testosterona por trás desse salto provém das importações, pois a produção e exportação brasileiras de termoplásticos commodities fecharam 2018 no vermelho, evidenciando a pressão crescente exercida pela penetração no país da resina internacional, em especial polietileno (PE) e polipropileno (PP), a preços da rota gás com viés de baixa, efeito do excedente norte-americano aditivado com a guerra comercial de Trump contra a China e, do seu lado, a demanda da Europa não dilui o desbalanço. Pelo andar da carruagem, este filme continua em cartaz em 2019.
“Após cair por três anos consecutivos, de 2014 a 2016, o consumo aparente de resinas subiu em 2017 e 2018”, constata a analista Marta Loss Drummond, sócia da W4Chem. “No ano passado, alguns mercados importantes reagiram após longa crise, caso da construção civil e setores farmacêutico e automotivo, que impactam positivamente no desempenho de resinas como PVC e polipropileno (PP)”. Entre as frentes com desempenho a desejar, Marta destaca alimentos, varejo, brinquedos e, no plano geral, bens de consumo semiduráveis e não duráveis. “As importações de resinas aumentaram muito no final do ano, refletindo-se em forte expansão do consumo aparente, mas, provavelmente, parte do volume desembarcado ainda estava sendo consumido em janeiro de 2019”, ela pressupõe.
Marta justifica o salto nas importações brasileiras de poliolefinas, na faixa de 1milhão de toneladas desembarcadas em 2018, com a superoferta internacional e seu efeito dominó sobre os preços dessas commodities. Por sinal, George Martin, analista do Icis, portal britânico especializado em petroquímica, também atribui a queda das cotações de polietileno norte-americano na América Latina ao impacto da valorização do dólar sobre as moedas locais. “No Brasil, os preços de PP e PE ficaram mais competitivos no segundo semestre de 2018, quando se observaram as maiores quantidades de compras externas”, percebe a diretora da W4Chem. “As empresas brasileiras importaram um volume de poliolefinas 12% acima do aferido em 2017 e os preços em reais das resinas subiram de modo significativo no mercado interno, influência dos reajustes no câmbio e recuperação das cotações do petróleo”. Como desfecho, ela constata, as importações de PP e PE cresceram mais que o índice da demanda doméstica.
O cenário permanece bem parecido este ano, nota Marta. 2019 abriu com PP e PE a preços domésticos menores – reação da Braskem para retomar sua participação de mercado – e viabilizados pelo recuo na cotação do petróleo, considera a consultora. “Porém, as importações tendem a continuar pressionando, numa conjuntura de dólar em queda e intensa oferta da resina norte-americana”.
Poliestireno (PS) foi o termoplástico de pior performance em 2018, distingue Marta. Seu consumo aparente recuou cerca de 3% sobre o saldo de 2017, ela projeta, devido à queda nos mercados chave do polímero, eletroeletrônicos e descartáveis. Innova e Unigel, os produtores de PS no país, atenuaram este baque graças à sua verticalização no estireno, deixa patente a analista da W4Chem. “Os mercados do monômero tiveram bom desempenho recente”, ela comenta. Com a reação esperada este ano na construção civil e setor automotivo, evidencia Marta, o horizonte para estireno configura-se positivo em tintas e elastômeros de pneus, “enquanto PS tende a crescer com moderação, em linha com o PIB”, ela confronta. Estimativas da consultoria MaxiQuim situam o consumo aparente de estireno em 604.000 toneladas em 2018 versus 623.000 em 2017. Na mesma toada, a produção no ano passado fechou em 445.000 toneladas contra 480.000 anteriores; a importação ficou em 159.000 toneladas perante 147.000 em 2017 e a exportação, devido também às complexidades do transporte marítimo do monômero, limitou-se a uma tonelada em 2018 frente a quatro um ano antes.
Mas uma nuvem carregada paira sobre as expectativas de bons momentos para o monômero. John Richardson, analista e blogueiro do Icis, sustenta não haver notícias de capacidades adicionais de estireno nos EUA, onde, tal como na esfera mundial, o mercado de PS padece de anemia. Por isso, ele coloca no seu blog, as exportações do monômero tornaram-se primazia para seus produtores norte-americanos e a China é, de longe, o maior importador de estireno do planeta. Se Trump e o governo chinês findarem o fogo cruzado de barreiras tarifárias, os EUA, para operar satisfatoriamente sua capacidade, do ponto de vista econômico, precisarão embolsar 37% do mercado mundial de importações de estireno no período 2018-2025 e, caso a guerra comercial siga em frente, a participação de mercado necessária subirá para 61%, sustenta Richardson.Tem mais: além das avarias causadas pela guerra comercial, a economia chinesa mudou desde 2018 de intenso para brando o modo de seu crescimento. São más novas para o mercado mundial de estireno, pois, na projeção do analista do Icis, a China permanece a jugular do negócio, devendo responder por 34% da demanda e 15% das importações mundiais do monômero no período 2019-2020. Devido a essa expansão amornada, conclui Richardson, o mercado chinês de estireno periga encolher em torno de 1 milhão de toneladas no cômputo cumulativo entre 2018 e 2020.
Amarrando-se as pontas, dado o excedente norte-americano do estireno formulado com o eteno mais barato do planeta, mérito da rota do gás, o Brasil, pela condição logística e por produzir o monômero pela rota mais cara, da nafta, torna-se um destino a ser considerado mais de perto pelos exportadores norte-americanos, tal como já ocorre com polietileno linear de baixa densidade (PEBDL) e vale o mesmo, pela linha de raciocínio de Richardson, para monoetileno glicol (MEG), insumo-chave de PET.
A recessão na Argentina também deixou sua marca no comércio exterior das resinas brasileiras em 2018. “As empresas argentinas estão carentes de recursos, como demonstram seus distribuidores ao abolir a praxe, sob impacto das altas taxas de juros, de vender termoplásticos a prazos muito longos, mais de 90 dias”, ilustra Marta Loss Drummond. Com a perda no poder aquisitivo dos transformadores argentinos, as importações brasileiras de resinas da Argentina aumentaram 15% perante os desembarques de 2017. “Os volumes trazidos de PP subiram 33%; de PE, 10% e de PVC, 13%”, delimita a pesquisadora. “Por sua vez, o Brasil enviou 23% a menos de resinas para a Argentina e tudo leva a crer que 2019 não será diferente”.
Em relação ao mercado interno Marta elege como prováveis campeãs do consumo este ano as resinas voltadas para bens duráveis, caso de PP e PVC, a tiracolo da ansiada reativação da indústria automobilística e construção civil. “O consumo de PE também deve expandir, na cola da melhora prevista no desempenho de seus principais mercados: alimentos, cosméticos e produtos de higiene e limpeza”, alinha a consultora. No plano geral, a W4Chem projeta para 2019 crescimento na média de 4% no consumo aparente de resinas sobre o total de 2018, calibrado por avanço de 2,3% no PIB.
Transformação: otimismo redivivo
José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), não fazia por menos. Entrou em 2018 com a expectativa de o setor da transformação de resinas crescer 5% sobre o consumo aparente de 6,5 milhões de toneladas de artefatos compilado em 2017, volume 4% acima do saldo de 2016. “Ao longo do ano observamos a evolução aquém do previsto no número de pedidos e, para completar o quadro, estourou a greve dos caminhoneiros, quebrando o ritmo de retomada da economia brasileira, e o desenrolar do período eleitoral, com grande divisão popular e incerteza, tendo ao fundo o alto índice de desemprego”. Noves fora, ele amarra as pontas, as indústrias retraíram iniciativas como investimentos, analistas foram revendo para baixo suas projeções para o PIB e, na corrente, Roriz moderou sua estimativa para chegar ao crescimento de 2% da transformação em 2018.
O que quebrou as pernas da futurologia, deixa claro o dirigente, foi a paralisação do transporte rodoviário em 2018. “A greve esfriou qualquer plano de expansão da economia, considerando que ,depois da recuperação abortada entraríamos numa fase de desaceleração da economia até o resultado nas urnas”.
Roriz não ressalta, em seu balanço, o comportamento atípico das importações de poliolefinas no ano passado. “O salto das compras externas de PE não despertou nossa atenção por ter ocorrido num momento em que os preços internacionais acusavam retração, o câmbio brasileiro emitia sinais de recuo e as cotações no mercado doméstico mantinham-se no mesmo nível, enquanto em PP a alta das importações coincidiu com uma fase de aquecimento da demanda interna durante um período de estabilidade no preço internacional”. Segundo o dirigente, como o preço doméstico das resinas é formado com base no custo de oportunidade da importação (inclusa toda a proteção tarifária em vigor), os aumentos da já elevada diferença (spread) entre preços internos e internacionais causados por comportamentos discrepantes, como os notados em 2018, convertem-se numa ocasião favorável para compra de matérias-primas a preços mais atraentes. “Entretanto, o comportamento das importações de poliolefinas não apresentou, no ano passado, relação com o aumento na demanda para a produção de transformados plásticos”, ele percebe.
O presidente da Abiplast projeta crescimento médio da ordem de 2,5% 3% na produção de artefatos plásticos este ano. “Realizamos uma sondagem mensal de expectativas dos associados e a mais recente veio com uma boa surpresa: o transformador manifesta otimismo quanto à contratação de pessoal e realização de investimentos, postura não vista na indústria desde a crise iniciada em 2015”.
Pelo sonar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a transformação nacional de plástico cresceu apenas 0,8% no ano passado, quando produziu 6,17 milhões de toneladas, a reboque do balanço negativo de setores chave para o consumo do material,como alimentos (-5,1%), bebidas (-0,1%) e do esfriamento da economia causado por eventos como as eleições. No arremate, a Abiplast informa que as importações de transformados atingiram 747.000 toneladas em 2018 ou 8,9% acima do saldo de 2017, enquanto as exportações registraram 276.000 toneladas no último exercício ou 4,3% acima do ano anterior.
Distribuição supera histórico
Mesmo a greve dos caminhoneiros e, a seguir, a economia hibernada até a vitoriosa votação de Jair Bolsonaro não impediram a revenda autorizada de termoplásticos de fechar 2018 sem traumas: crescimento de 6% nas vendas sobre o volume de 2017, dimensiona Laércio Gonçalves, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast). O dirigente arredonda o último desempenho dos seus filiados na órbita de 422.000 toneladas, volume traduzível na receita de R$ 4 bilhões e que agrupa 389.151 toneladas de resinas e 22.175 de filme biorientado de polipropileno (BOPP). Na raia específica dos polímeros termoplásticos, o saldo de 2018 fica abaixo das 396.685 toneladas pré-crise, em 2014, e das 389.745 computadas em 2016. Mas supera as 377.880 toneladas na pirambeira de 2015 e quase empata com as 389.169 aferidas pela Adirplast em 2017. No imutável pano de fundo, outros números falam por si: o Brasil produzia 7,1 milhões de toneladas de transformados em 2014 e, três anos depois, o volume recuava 1 milhão de toneladas, tendo subido módicos 2% nas projeções sobre 2018.
“O mercado paralelo permanece uma pedra no sapato dos agentes autorizados”, retoma o fio Gonçalves. Ainda aferrado à marca das 422.000 toneladas, ele enfatiza que a performance no ano passado coloca o setor acima do seu crescimento histórico correspondente a três vezes o PIB. A propósito, entre os pontos que atropelaram as expectativas originais da Adirplast para 2018, o presidente lista o crescimento do PIB abaixo do esperado, a greve dos caminhoneiros e a atuação da revenda autônoma, alimentada por transformadores, como alternativa de fornecimento de resinas. As importações de resinas, em especial PE e PP, não sobressaltaram o varejo, sustenta Gonçalves. “O aumento desses volumes trazidos deve estar mais no mercados de tradings, grandes transformadores e petroquímicas globais, sendo bem menos visível em quantidades capilarizadas na distribuição”.
Se o PIB de 2019 pular 2,5%, como espera o FMI, Gonçalves confia em crescimento de 7,5% da distribuição, um acréscimo da ordem de 30.000 toneladas no movimento do setor. “O cenário é otimista”, ele acentua. Com o Brasil acercando-se mais dos EUA, argumenta Gonçalves, é provável um aumento no país da oferta norte-americana de PE e PP, os termoplásticos mais consumidos. “Os preços praticados para resinas nacionais e importadas andam bem próximos, desse modo cabe ao varejista decidir se vende para fazer volume ou lucrar; é isso que determinará sua rentabilidade e participação de mercado em 2019”. •