Da água para o vinho
Se o plástico pós-consumo reciclado (PCR) premium começa a sair do casulo no Brasil, em boa parte o mérito vem lá do alto da cadeia, mais precisamente do único produtor de polietileno (PE) e polipropileno (PP) do país, a petroquímica Braskem. Além de prestigiar recicladores devotos do requinte tecnológico num mercado dominado por reciclado de baixo valor agregado, a empresa desenha grades de poliolefinas recuperadas de padrão superior e lhes abre aplicações em marcas vip de produtos finais, realçando assim a vocação sustentável dos plásticos. Como se isso não bastasse, a empresa fortalece seu empenho em respaldar a reciclagem mecânica de ponta estendendo o braço, em São Paulo, na prática da coleta seletiva e triagem de resíduos pós-consumo, em parceria com a empresa de engenharia ambiental Tecipar, e montando com a recuperadora de resíduos Valoren a planta recicladora planejada para operar em escala industrial no ano que vem. Fabiana Quiroga, diretora de economia circular da Braskem, comenta essa linha de ação na entrevista a seguir.
O aparato de ações de circularidade da Braskem não tem páreo na cadeia brasileira do plástico. Qual é o norte dessa estratégia?
Nosso objetivo é implementar uma economia circular e dele fazem parte a cooperação e desenvolvimento de parcerias. Uma das metas prioritárias é a evolução da cadeia de reciclagem, inclusive mediante acordos com recicladores para melhorar processos e formulações e ampliar a gama de usos do material gerado. A resina reciclada faz parte do nosso amplo leque de soluções sustentáveis I’m green™, assim como PE e EVA oriundos do etanol da cana-de-açúcar, os solventes reciclado e renovável e a metodologia de design para embalagens circulares.
Reciclagem inclui etapas de separação, moagem, lavagem/separação por densidade, secagem, extrusão e granulação. Quais delas estarão disponíveis na planta recicladora de 14.000 t/a que a Braskem vai operar no interior paulista, dentro das instalações da parceira Valoren? E quais os pontos altos dessa futura unidade?
O projeto com a Valoren possui inúmeros diferenciais, entre eles a linha de lavagem e separação de alto desempenho, com sensor óptico para triagem (por cor e tipo) de resinas e remoção de contaminantes; os silos homogeneizadores; os sistemas de dosagem de aditivos e insumos de alta precisão; e o avançado módulo para eliminação de odor e de filtração de polímero, contribuirá para a qualidade do reciclado final. O sistema também busca atender às melhores práticas de sustentabilidade, com tratamentos de água de recirculação e as melhores práticas no controle de pellets.
Até hoje, a Braskem tem desenvolvido grades de PCR junto com recicladores. Com a partida da planta recicladora da empresa essa parceria vai acabar?
Continuaremos com elas. Nossa meta global de ampliar o portfólio de produtos reciclados é ambiciosa – visa alcançar 300.000 toneladas em 2025 e 1.000.000 toneladas em 2030. Portanto, essas parcerias contribuirão para a expansão em vista e, em paralelo, seguiremos avaliando investimentos para aumentar nossa capacidade para fornecer PCR.
A reciclagem brasileira de plástico exibe alta informalidade, resíduo pouco valorizado, coleta seletiva diminuta, suprimento inconstante de resíduos e predomínio de PCR de baixa qualidade. Diante desse quadro, quais os argumentos a seu ver capazes de atrair empreendedores para investir em PCR de alto valor agregado, material cada vez mais cobrado por fabricantes de produtos finais para suas embalagens?
Para atrair investidores este tipo de empreendimento, que requer alto investimento, é necessário garantir suprimento contínuo de resíduos, contratos de take or pay e de longo prazo. Além disso, com o avanço da reciclagem química, será possível reciclar material plástico de difícil reciclagem mecânica hoje em dia, o que poderá viabilizar novos aportes. A valorização do produto reciclado é outra forma de trazer mais investimento para este setor.
PCR de alta qualidade tem baixa produção no Brasil e preço superior ao da resina virgem. Num país de baixo poder aquisitivo, coleta seletiva e logística reversa precárias e governo sem caixa para subsidiar a reciclagem, quais os meios possíveis de tirar esse PCR premium da redoma de um nobre produto de nicho e torná-lo uma consistente contribuição do setor plástico ao desenvolvimento sustentável?
A Braskem se propõe a desenvolver a cadeia de reciclagem. Isso significa aumentar a oferta dos resíduos, por meio de projetos estruturados em aterros e viabilizar iniciativas de logística reversa que envolvam toda a cadeia.
Esgotada a capacidade de 200.000 t/a de PE Verde em Triunfo (RS), a Braskem anuncia sua ampliação em 60.000 toneladas em 2022. Como vê as participações de importadores e do mercado interno no volume de vendas desse bioplástico introduzido há 11 anos e por que são bem mais numerosas suas aplicações no exterior do que aqui?
Hoje em dia, a maior parte da produção de PE I’m green™ bio-based é exportada para a Europa e a Ásia, mercados onde consumidores já exigem o produto e onde existem metas específicas dos governos para promover o crescimento da sua demanda. O mercado brasileiro também representa uma importante fatia da produção da Braskem, porém, ainda se encontra em um estágio anterior de desenvolvimento. Conscientização do consumidor e políticas públicas são os grandes motores por trás do crescimento do consumo internacional desse biplástico.
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