No leme da gestão de recursos arredondados em R$ 11,7 bilhões, a Rio Bravo Investimentos, controlada do conglomerado chinês Fosun desde 2016, é acatada há 17 anos pelo mercado financeiro como bússola da economia brasileira. Um renome proveniente da atuação nas esferas do crédito (dívidas de empresas e securitização de recebíveis), renda variável, aplicações imobiliárias, private equity (participações em empresas emergentes de capital fechado) e multi-assets e portfólios (carteira de investimentos para empreendedores individuais). Entre os sensores da Rio Bravo para captar meandros e o trajeto da conjuntura, tem cadeira cativa na linha de frente o seu economista-chefe, Evandro Buccini, entrevistado a seguir.
PR – O boletim Focus do Banco Central prevê aumento de 2,2% do PIB em 2018. Como avalia a lógica dessa projeção tendo em vista fatores como o desdobramento da instabilidade política, penúria do caixa do poder público, situação fiscal vulnerável e recordes de inadimplência, desemprego e, por fim, a incógnita quanto aos candidatos nas próximas eleições presidenciais?
Buccini – O crescimento projetado para 2018, apesar de muito superior ao resultado dos últimos anos, não é um aumento pujante depois da pior recessão da história do país. Ainda assim, o risco dessa projeção é para baixo. Os setores capazes de impulsionar o PIB devem ser a indústria, no lado da oferta, e principalmente, o investimento no lado da demanda. A elevada incerteza política deve durar até a eleição de 2018, freando ainda alguns planos de investimentos. Mas o nível de investimentos dos últimos anos estava aquém da depreciação em muitos setores e não é sustentável. O impulso que falta para esse movimento é a transmissão da queda de juros que o Banco Central vem fazendo para os empréstimos às empresas. Os bancos ainda operam com spreads elevados e não estão com apetite para emprestar. Em termos nominais, o estoque de crédito bancário para pessoa jurídica caiu quase 9% em maio último em relação ao mesmo mês do ano passado. Já as concessões de crédito para empresas estão contraindo desde o começo de 2016. Esses dados consideram todo o sistema bancário.
PR – Dois exemplos com base em dados setoriais divulgados: a indústria de máquinas opera hoje com faturamento 50% inferior ao de 2013 e os fabricantes de materiais de construção já equiparam as vendas deste ano ao patamar de 2004. Diante do impacto de três anos seguidos de recessão, da inapetência do governo por realizar as reformas na abrangência devida e da incerteza em relação à retomada e aos rumos do país após as eleições de 2018, acha que a desindustrialização já em curso nesses dois setores tende a se agravar ou não?
Buccini – Desindustrialização é um conceito bastante complexo e não acho que haja espaço suficiente para aprofundar esse tema aqui. Há deficiências estruturais no país que parecem pesar mais sobre a indústria do que sobre outros setores, a exemplo da baixa produtividade, alta carga tributária e baixa qualidade da infraestrutura. Há também fatores conjunturais, pois a recessão atual tem causas globais, que desaceleraram outras economias emergentes, mas ela se deve, primordialmente, a erros graves de políticas econômicas no passado que tornaram o governo brasileiro um grande alocador ineficiente de capitais. A indústria sofre de falta de competitividade há muitos anos, mas acredito que será um dos primeiros setores a se recuperar. Os indicadores do IBGE mostram que a produção industrial já cresce, apesar de ainda estar em patamar muito deprimido. O caminho que pode levar a um crescimento sustentável do setor é, pelo lado do governo, a abertura comercial, a perseguição de reformas e a redução da dívida pública e, pelo lado das empresas, medidas que gerem ganhos de produtividade e a internacionalização. Produtividade é a palavra-chave aqui.
PR – Quais as principais mudanças nos hábitos de compra trazidas pela crise desde 2015 e que tendem a permanecer mesmo quando a retomada gradual se firmar?
Buccini – Não acredito que a crise per se causará grandes mudanças nos padrões de consumo. Há fatores estruturais, principalmente avanços tecnológicos, que levam a mudanças seculares. A atual tendência de compartilhamento, por exemplo, pode levar ao menor consumo de carros, em especial em países desenvolvidos e grandes cidades. O avanço nos estudos de mudanças climáticas e o aumento da consciência ecológica podem gerar processos mais eficientes de produção com menor consumo de matéria-prima. Apesar de causar transtornos aos produtores atuais, o progresso tecnológico beneficia a sociedade e constitui a única garantia de crescimento.
PR – Três anos de recessão, desemprego elevado e inadimplência recorde ajudaram a incutir no consumidor de baixa renda alguma melhora nas suas parcas noções de educação financeira ou, quando vier a retomada, a tendência é que ele volte a mergulhar às cegas nas compras a crédito, como antes fazia?
Buccini – Acredito que nada mudou na educação financeira do brasileiro médio. Portanto, caso haja um próximo ciclo de fortes aumentos de salários e pleno emprego, a história se repetirá. A poupança no Brasil é baixa por diferentes razões, entre elas regras de bem estar social mal desenhadas e baixa educação financeira. Não há sinais de mudança no nível de poupança. O governo pode tomar medidas regulatórias para mitigar o risco de excesso de alavancagem de indivíduos, como o fez recentemente através da alteração nas regras para o crédito rotativo do cartão de crédito. Essa medida irá evitar que pessoas sem conhecimento caiam em espirais de dívida que não conseguem sair.
PR – Qual o risco de a economia brasileira acabar passando da inflação baixa para a deflação, devido à persistência da demanda insatisfatória, da retração nos investimentos e da ausência de sinais confiáveis de recuperação?
Buccini – Não acredito que corremos esse risco. Deflação é fenômeno raríssimo no mundo moderno e, mesmo na crise de 2008, não aconteceu nos países desenvolvidos. No Brasil, estamos finalmente observando os efeitos da recessão na inflação, que ainda deve ajudar a mantê-la baixa por alguns anos. Além disso, os preços de alimentos estão contraindo muito mais do que se esperava, devido à boa condição climática e à safra recorde de grãos. Não é plausível esperar que tenhamos tamanho choque favorável de alimentos nos próximos anos. O cenário mais provável então, é de IPCA abaixo de 4% este ano, próximo a 4% ano que vem e depois creio que o Banco Central cumprirá a meta de inflação, que é de 4,25% para 2019 e 4% para 2020. O risco é de uma aceleração maior de preços no futuro, não o contrário.
PR – No Iº Mundo, são corriqueiras as compras, por fundos privados de investimentos, do controle de indústrias de produtos plásticos como embalagens e autopeças e até mesmo a aquisição de empresas de reciclagem. Por que esta prática não é vísível no Brasil?
Buccini – A estratégia de fundos de private equity é comprar empresas em setores com crescimento e que
apresentam oportunidades interessantes de consolidação para facilitar a sua posterior venda, pois tendem a ser acionistas apenas temporários de companhias. No passado, quando esses fundos estavam com muitos recursos para alocar no Brasil, empresas de outros setores apresentavam prospectos interessantes, como consumo, construção, saúde e educação. A baixa produtividade, alta carga tributária e baixa qualidade da infraestrutura parecem pesar mais sobre a indústria do que sobre outros setores, como os mencionados acima. Há evidências, ainda, de que as empresas brasileiras não tem muito contato com o mundo, não estão inseridas em cadeias globais. O medo histórico de importações impediu que muitas tecnologias chegassem no Brasil e impede que produtos de alto valor agregado tenham parte de seus componentes produzidos em nossas indústrias.
PR – O plástico tem penetração ultra diversificada em setores produtivos e todos eles operam com ociosidade preocupante há 3 anos no Brasil. Em quanto tempo estima, a partir de um ambiente de retomada, que essa capacidade instalada será ocupada a ponto de justificar novo ciclo de investimentos em sua expansão?
Buccini – De fato, o nível de utilização da capacidade instalada mostra ociosidade na indústria nacional. A recuperação gradual e o deprimido nível de novos investimentos devem suportar um novo ciclo de investimentos com maior força no segundo semestre do ano que vem. As incertezas com o crescimento da demanda e a dificuldade de financiamento, seja com lucros retidos ou crédito, são as travas para a retomada das expansões. Nesse caso, a variável crucial para a antecipar o crescimento do investimento é a melhora das margens de lucro e da concessão de crédito.
PR – Poderia explicar melhor a sua crença de que (trecho de artigo de Buccini) “a única saída para um crescimento sustentável no futuro é uma melhora da economia no ambiente de negócios que, no fim, recupere a lucratividade das empresas”?
Buccini – Entre 2008 e 2014, os salários cresceram muito acima da produtividade. Além disso, a inflação de outros insumos subiu durante o período e as empresas não conseguiram repassar preços em um ambiente de menor aumento da demanda. Os erros de política monetária no período fizeram a inflação permanecer elevada e o Banco Central manteve a taxa de juros muito alta, mesmo durante a recessão. Esse cenário corroeu a margem de lucro das empresas e colocou em posição delicada algumas delas mais alavancadas. O que é necessário é um conjunto de medidas para aumentar a produtividade do país. O mercado de trabalho precisa ser mais flexível e a reforma trabalhista aprovada pela atual administração é um primeiro passo nessa direção. O Brasil precisa simplificar e atualizar seus códigos tributários. Em um ranking com 190 países calculado pelo Banco Mundial, o Brasil está em 180º lugar na categoria facilidade de se pagar impostos. Para não me estender muito, a medida mais horizontal que um governo federal pode tomar é reduzir a elevada taxa de juros do país. Não é tarefa fácil, passa por redesenhar o papel do BNDES e diminuir a elevada dívida pública. Taxas de juros em níveis parecidos com países comparáveis criaria um mercado de capitais mais pujante e facilitaria o acesso ao crédito por empresas de qualquer tamanho. •