Deu no jornal. O botequim carioca Chega de Saudade requereu auto falência. A imagem pede transposição para muitos hábitos e costumes enraizados na indústria brasileira. Por exemplo, chega de o setor evocar saudade de suas taxas de crescimento na década de 1980. O mundo então era pré-internet e o fechamento da economia brasileira transcorria sem as pressões de competitividade global que hoje ditam as regras do jogo do mercado.
O fiasco da falecida “nova matriz econômica”, responsável nesses 13 anos pela bolha de consumo, economia em voos de galinha e pela ruína agora das contas públicas, também decreta que chega de saudade daquelas idas do empresariado a Brasília à caça de favores. Desde tempos imemoriais, a prática de esquentar cadeira em antessalas do poder ou de fazer lobbies e toma lá dá cá com políticos enlameados (redundância tristemente válida) e seus indicados era vista como mais compensadora do que gastar fosfato nas empresas atrás de produtividade e excelência para sobressair no mercado. Aí veio uma revolução, como acaba de definir o presidente do STF, a torrente de operações da Polícia Federal e, tudo indica, nada mais será como antes.
O momento também evidencia que chega de suspirar de saudade por aqueles tempos em que se tratava a população como os europeus lidavam com os índios à época do descobrimento, presenteando-os com miçangas e espelhos em troca dos verdadeiros tesouros. Caso clássico do carro-pipa todo ano remetido pelo político para sanar a falta de água na favela. Jamais pensar em botar água encanada, pois seria o fim da mina de votos. Na mesma trilha, a puxada de tapete no povo, após as juras na campanha presidencial de que a festa do consumo era eterna, estão fazendo pelo seu despertar para a realidade o que um nível de educação insultante jamais conseguiu. A inflação, o desemprego e a piora do custo de vida vêm demonstrando o fiasco de um maquiavelismo jamais admitido de boca pelo poder público, mas sabido há tempos pela minoria capaz de juntar lé com cré: a conveniência de contemplar o grosso do eleitorado com uma formação escolar na lanterna dos rankings mundiais de ensino, pois assim a boiada é mais fácil de ser tangida.
Bem a propósito, chega também de saudade desses anos em que tanto se enalteceu a prática de dar o peixe em lugar de se ensinar a pescar. No Brasil, dizia-se antes do desastre atual, aplaude-se o governo que reage aos problemas pelas vias aparentemente mais fáceis e que dão na vista. Assim, em vez de o governo dedicar-se a gerar riquezas, a estruturar as bases para a prosperidade individual e coletiva, a derrama de dinheiro nos pobres serviu apenas para esse público ter acesso a bens que o mesmo governo reeleito por ele agora torna a tirar do seu alcance, pois é o culpado pela recessão em vigor. À época do consumismo a 100º, Vera Rita de Mello Ferreira, uma das raras especialistas em psicologia econômica do Brasil, comentava para Plásticos em Revista: “repare só, todo mundo correndo para viajar, comprar carro e flanar no shopping; ninguém fala em dar uma educação melhor para os filhos…”
Merecedor de cobertura nesta edição, o Seminário Competitividade 2015 teve entre os destaques a contundência da palestra do economista Yoshiaki Nakano. “O governo Dilma perdeu totalmente a credibilidade e legitimidade”, ele declarou num slide em PowerPoint. “Se permanecer no poder, o cenário não deverá melhorar”. Falta chão ainda para o desfecho da novela. Hoje em dia, para garantir o ibope, pesquisas de opinião orientam os roteiristas sobre qual o final do agrado da audiência. Em relação ao enredo a se desenrolar em Brasília, digamos que a torcida é pela chegada logo de um momento apropriado para o Chega de Saudade reabrir as portas. •