Brasil: recordes viram rotina na reciclagem de PET

Mas para voar alto o setor depende de sistemas públicos de coleta seletiva, condiciona Auri Marçon, da ABIPET
Brasil: recordes viram rotina na reciclagem de PET
Resíduos de PET: Brasil reciclou 410.000 toneladas em 2024.
Num passado não tão remoto, a viabilidade econômica da indústria de PET virgem no Brasil era acuada por índices de 50-60% de ocupação da capacidade nominal total de 1 milhão de t/a, efeito de uma demanda interna a caminho do pleno florescimento. Corte para hoje: a produção do poliéster fechou 2024 preenchendo 80% do seu potencial, índice em linha com as diretrizes de rentabilidade do negócio. Como se não bastasse, a capacidade nacional de reciclagem de PET ingressou em 2025 ampliada para a faixa de 510.000 t/a e a produção do polímero recuperado emplacou 410.000 toneladas no último período, ou 50.000 acima do saldo de 2021. Todos esses feitos e os desafios e oportunidades para a reciclagem de PET subir aos píncaros no país são detalhados nesta entrevista de Auri Marçon, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET).
Auri Marçon
Auri Marçon: indústria investiu pesado em recicladoras e geração de demanda para PET reciclado.

Qual a sua estimativa da demanda de PET virgem no Brasil em 2024 versus as 720.000 toneladas aferidas em 2023? Como analisa o comparativo?

Em 2024, o volume de resina PET virgem grau garrafa produzido no Brasil foi da ordem de 801.000 toneladas, crescimento de 11,25% em relação ao ano anterior. Esse aumento decorre do aumento no consumo de bebidas em um ano marcado por fortes ondas de calor, além da temperatura média constantemente acima da verificada em anos anteriores. Isso aconteceu no caso de bebidas como água e refrigerantes, setores onde o PET ocupa posição de liderança há alguns anos. Mas também tivemos maior presença do PET em mercados que ainda são incipientes no Brasil, caso dos lácteos e sucos, segmentos em que a qualidade e apelo da embalagem são percebidos não só pelas empresas fabricantes como pelos consumidores.

Qual o volume aferido no Brasil de resíduos de PET pós-consumo em 2024, matéria-prima coletada e utilizada para proporcionar 410.000 toneladas de PET reciclado no ano passado?

O volume de PET reciclado vem batendo recordes ano após ano, em razão do trabalho feito pelo setor do poliéster e pela aceitação das empresas que utilizam o material reciclado em suas embalagens. No entanto, além das 410.000 toneladas efetivamente recicladas em 2024, houve uma perda em torno de 30% de todo o material pós-consumo, gerada pela deficiência da coleta. Ela entrega aos recicladores um material impróprio ou com alto grau de contaminação por resíduos orgânicos, ou decorrente do parque industrial mais antigo. Mesmo sendo considerado uma perda no processo de reciclagem de PET, esses materiais (rótulos, tampas e embalagens de outros plásticos) são direcionados a outras aplicações. Ou seja, é o PET dando carona para outros plásticos na reciclagem. Para incentivar o desenvolvimento e aumentar a quantidade de embalagens com alto valor para a reciclagem, dentro do princípio de ‘design for environment’ (design em prol do meio ambiente), assinamos um memorando inédito com a Associação Brasileira das Indústria de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (ABIR), a Associação Brasileira da Indústria do Óleo Vegetal (ABIOVE) e a Associação Nacional dos Catadores (ANCAT). Em sima, essas entidades empresariais se comprometeram a divulgar e sensibilizar seus associados em relação às Diretrizes para a Reciclabilidade da Embalagem PET, que foram atualizadas pela ABIPET. Com isso, queremos evitar o desenvolvimento e a produção de embalagens mal projetadas, melhorando o valor para os catadores e o volume para os recicladores, evitando que sejam direcionadas aos aterros comuns. A ANCAT vai colaborar identificando, junto às cooperativas associadas, as embalagens com menor atratividade para reciclagem – e suas respectivas marcas – para que sejam buscadas soluções que facilitem a recuperação de PET pós-consumo

Em 2023, a capacidade brasileira para reciclar PET foi fixada em 480.000 t/a. Qual a estimativa para esse potencial produtivo em 2024 e perspectivas para 2025?

Em 2024, o Brasil alcançou uma capacidade instalada para a reciclagem de embalagens PET da ordem de 510.000 toneladas. Portanto, a indústria está pronta para absorver eventual excedente de embalagens pós-consumo descartadas pelos consumidores. Hoje em dia, essas empresas trabalham com ociosidade média de 23%. Por isso, a partir das análises feitas durante a apuração da recém-divulgada edição do Censo da Reciclagem do PET no Brasil, constatamos que dificilmente o país conseguirá crescer além do atual índice de reciclagem, de 53% sem uma mudança estrutural importante: a implantação de sistemas públicos de coleta seletiva. Eles são estabelecidos – e seguidamente adiados – pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. É preciso que os municípios cumpram com a sua obrigação e criem esse sistema de coleta, para que as embalagens retornem à indústria. Ela já investiu centenas de milhões de dólares em plantas recicladoras e na geração de demanda para PET reciclado.

O setor brasileiro de reciclagem de PET é marcado pela insuficiência de suprimento regular de resíduos pós-consumo. Como a recente leva de expansões de players na reciclagem bottle to bottle (BTB ou PET reciclado grau alimentício) tem, na prática, contornado este problema respaldando seus investimentos com a escora de um abastecimento constante e garantido de sucata de PET? Quais as principais soluções adotadas?

A resposta anterior ajuda a esclarecer esta questão. O fato é que a coleta insuficiente só pode ser resolvida com soluções robustas, envolvendo coleta pública seletiva e centros de triagem para não deixar o material ser enterrado. A criação de novas cooperativas também ajuda, mas proporcionará um crescimento lento e a capacidade industrial já está ociosa, necessitando de soluções de grande volume.

Dado o suprimento insuficiente e incerto dos resíduos no Brasil, a verticalização/ associação de transformadores capitalizados de PET em centrais de triagem de sucata plástica sinalizaria uma tendência no país para eles rodarem com melhor nível de ocupação da capacidade?

Esta é uma das soluções possíveis. No entanto, ela hoje esbarra em estratégias empresariais diferentes, a depender do segmento de atuação da empresa e da destinação do material reciclado. Esclarecendo: a integração vertical para frente ou para trás, estratégia básica dos livros de negócio, pode ocorrer quando uma empresa investe em busca da matéria-prima ou do produto acabado. No caso do PET, alguns fabricantes de pré-formas decidiram investir em reciclagem, aderindo ao movimento da circularidade. O oposto também ocorre e recicladores também já investiram na fabricação de um produto acabado. No setor têxtil, esse movimento, nos dois sentidos, é mais comum. Em todo caso, o vínculo do elo da reciclagem ou do elo da transformação com a coleta é muito mais difícil. São atividades realmente distintas que exigem habilidades diferentes desses businesses. Casos mais esporádicos de investimentos de grandes grupos (resina, transformação ou brand owner) podem ocorrer. Em geral, porém, normalmente, isso acontece via fundos de investimentos atuantes no setor de sustentabilidade e/ou ESG.

Com base em 2024, como enxerga a diferença média entre o preço interno de PET virgem e o preço interno de PET BTB? E mais: o ambiente atual de inflação fora da meta, encarecimento dos alimentos e baixa no poder aquisitivo facilita ou dificulta o emprego, por brand owners, de PET BTB em mistura com PET virgem em suas garrafas e frascos?

Como trata-se de uma resina commodity, a variação do preço do PET virgem ou pós-consumo reciclado (PCR) continuará regida por uma relação de oferta e demanda que, no cenário atual, aponta para a manutenção do preço mais alto da resina reciclada. Por isso, no caso do uso do PET PCR pelos brand owners, o principal ponto de atenção permanece a oferta deficitária diante da ausência de coleta seletiva e que impacta a linha de produção dos recicladores. No entanto, ainda que houvesse aumento final do preço da embalagem, por conta do uso do PET PCR, o seu custo final no valor do alimento é praticamente irrisório. Importante considerar que, para o consumidor, a embalagem PET é, sem dúvida, a opção mais barata, com ou sem o grade PCR. Na prática, o brand owner, com metas vinculadas a uma regulamentação (caso dos usuários da embalagem), pode ser mais agressivo na compra e ficar com o PET PCR que abasteceria outros setores, como têxtil e químico.

PET BTB é o nicho da reciclagem de PET que acusa maior intensidade de crescimento no Brasil ou perde para a reciclagem convencional do poliéster, para usos de cunho não alimentício? Em 2024, PET BTB constituiu 37% do total de PET reciclado no país e qual a perspectiva para 2025?

No Censo da Reciclagem do PET de 2024, a circularidade da embalagem se confirma. O principal destino da resina reciclada – 37% do total – foi a fabricação de uma nova embalagem (pré-formas e garrafas), utilizadas principalmente pela indústria de água, refrigerantes, energéticos e outras bebidas não alcoólicas, dentro do sistema bottle to bottle grau alimentício. No último levantamento, relativo a 2023, esse segmento já atingiu a liderança, com índice de 29% e a tendência para os próximos anos é de crescimento dessa aplicação da resina recuperada, em razão das políticas de sustentabilidade assumidas pelos brand owners e a pressão da sociedade e do Poder Legislativo nesse sentido. O crescimento decorre da demanda de grandes usuários da embalagem PET, que confiam nas qualidades e características do material, ainda que a resina reciclada seja comercializada por valor acima do produto virgem. Em relação às outras aplicações, o setor têxtil, que já foi o principal usuário do PET reciclado, vem em segundo lugar, com consumo de 24%. É seguido pela indústria química e o reduto de bobinas e lâminas, com respectivos consumos de 13%; fitas de arquear, com 10% e outras aplicações que somam 3% do total.

Apesar da pressão do culto à sustentabilidade e combate à poluição plástica, os projetos de lei determinando o uso de teores de plásticos reciclados (como PET) em produtos transformados tramitam com extrema morosidade no Brasil. Por que?

É importante dizer que, no caso da embalagem PET, a utilização de percentuais de material reciclado em uma nova embalagem já é uma realidade que independe de legislação. A indústria faz isso há vários anos, o que é comprovado pelo fato de 37% do volume reciclado ser utilizado na fabricação de uma nova embalagem, mesmo sem a obrigação legal. Em relação às propostas legislativas em tramitação, elas seguem o ritmo do debate necessário. Temos procurado alertar os parlamentares sobre eventuais iniciativas que, a despeito da boa intenção, podem gerar desequilíbrios em cadeias produtivas que já fazem o uso do material reciclado, a exemplo do PET. Cabe contextualizar que, na grande maioria das vezes, os projetos de lei ou decretos acabam querendo cobrir todas as demandas ambientais, sociais e econômicas, tornando as propostas inexequíveis. No plano geral, misturam temas sobre biodegradabilidade, recicláveis, pagamento por serviços ambientais (PSA), sistemas de coleta alternativos – enfim, viram obras sem pé nem cabeça.

O Projeto de Lei 1323/24, em análise na Câmara dos Deputados, prorroga por cinco anos o prazo para que os municípios com até 50.000 habitantes encerrem os lixões e adotem a destinação adequada dos resíduos sólidos. A Lei dos Resíduos Sólidos previa inicialmente prazo até 2014 para o fim dos lixões a céu aberto em todos os municípios. Em 2019, o Congresso Nacional concedeu mais cinco anos, até o final de 2020. Já os municípios com até 50 mil habitantes e que elaboraram plano de gestão de resíduos sólidos e definiram tarifas para esse serviço tiveram prazo maior, até 2 de agosto de 2024. A seu ver, o PL 1323/24 caminha para o mesmo destino lamentável das protelações contínuas?

Este é o aspecto que mais impacta negativamente a reciclagem do PET no Brasil. O país conta com uma indústria que investiu centenas de milhões de dólares em tecnologia e capacidade de reciclagem e trabalhou para desenvolver mercados que geram forte demanda pelo material recuperado. Além disso, PET é um dos materiais que melhor remunera os catadores, representando importante fonte de renda para a base da pirâmide social.

A seguida prorrogação dos prazos para os municípios implantarem sistemas de gestão de resíduos sólidos joga contra todo esse desenvolvimento. Mais do que isso, representa um entrave ambiental e social inexplicável, prejudicando setores econômicos que trabalham com ociosidade, diante da inoperância de prefeituras que já tiveram seguidas oportunidades para reverter esse quadro.

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