Batismo de fogo
Uma economia instável e um mercado aviltado por informalidade e preço, em razão do predomínio de fornecedores de plástico pós-consumo reciclado (PCR) commodity não configura um ambiente convidativo para novos entrantes. No entanto, adepto da visão positiva do copo cheio, o administrador de empresas Alan Mani enxerga pista livre para um investidor voar alto com PCR de alto padrão. À sombra da tecnologia licenciada da espanhola Cadel Deinking, diferenciada pelo sistema de remoção de tinta do refugo plástico e tratamento de água do processo, Mani montou em Itupeva (SP) a recicladora Deink Brasil, cuja entrada em campo no ano passado bateu de frente com o corona. Mas, apesar do tranco, o ambicioso plano de longo prazo para o negócio segue imaculado, ele reitera nesta entrevista.
Deink Brasil completa dois anos de ativa. Qual o balanço desse período inicial turvado pela pandemia logo após a estreia em 2019?
Começamos o negócio literalmente do zero. Negociamos um contrato internacional de tecnologia com a espanhola Cadel Deiking, definimos os acordos comerciais garantindo exclusividade à operação no Brasil, fiz com nossos engenheiros uma imersão no projeto na Espanha e voltamos com um pen drive, prontos para colocar o aprendizado em prática. O que parecia ser o mais difícil acabou sendo o mais fácil, comparado à burocracia apresentada para se montar um projeto industrial no Brasil – licenças, certidões, financiamentos de longo prazo etc. Sentimos na pele a reclamação dos demais empreendedores sobre o Custo Brasil. Aí veio o sofrimento com a pandemia, ocasionando falta de itens eletrônicos e complicações no comissionamento da planta, pois dependíamos do trânsito aéreo Brasil/Espanha. Estamos hoje na fase final da jornada de comissionamento, operando em soft start à medida em que vamos validando a planta com produtos já consolidados, resíduos provenientes da parceria formada com a Ambev e seus fornecedores.
Qual o tipo de resíduo plástico predominante na Deink?
A operação hoje roda com 70% da capacidade de 400 t/mês dedicada a flexíveis e 30% a rígidos pós-consumo. Munida de tecnologia patenteada de remoção de tinta, a fábrica está bastante ancorada em projetos de flexíveis porque a cadeia de reciclagem para refugo de filme liso e gravados ainda prima por barreiras técnicas e nós entramos de cabeça para gerar valor nesse reduto, seja nos materiais pós-industriais impressos seja no esforço para gerar PCRs de qualidade. Estamos sempre envolvidos em projetos nos quais a Deink atua integrada com brand owners e transformadores que os atendem. A ideia é tornar esta planta o laboratório para gerarmos cada vez mais aplicações, de modo a dar tração a futuras unidades.
Qual o impacto no desempenho da Deink da escassa disponibilidade de resíduos plásticos sob a primeira onda da cavid em 2020 e sob a segunda neste semestre?
A covid afetou em cheio o mercado de PCR, em especial quando falamos de resíduos vindos de cooperativas de catadores. Temos vários projetos em andamento dependentes desta fonte de refugo para se concretizarem e o pipeline está em compasso de espera desde a primeira onda e a situação piorou nesta segunda. Desse modo, o cronograma de expansão do negócio atrasou em decorrência da pandemia, mas nada mudou no plano de longo prazo, focado em mais unidades de reciclagem no país. Mas olhando pela perspectiva do PCR, o resíduo impresso, principalmente os flexíveis, sempre apresentou maior oferta por ser preterido pelos recicladores em razão das limitações de aplicação na ponta para esse material recuperado – e é nesse mar que a gente quer navegar. Já no caso dos resíduos pós-industriais, dada a falta de material virgem no mercado, o custo de oportunidade para os transformadores recuperarem as aparas impressas e as transformarem em grãos reaproveitáveis na produção ficou bem mais atraente.
Como a Deink encara a possibilidade de seu negócio vir a ser impactado pela reciclagem química de resíduos flexíveis?
A reciclagem química é mais um processo a ser agregado à causa da circularidade do plástico. Não concorrente com nosso business; são abordagens diferentes. Aliás, uma ótima ideia seria montarmos uma planta em parceria com uma unidade de reciclagem química. Ou seja, quando se pode gerar valor para o resíduo via reciclagem mecânica, ele vai para Deink e quando isso fica inviável vai para a reciclagem química.
Como é o acordo de coleta firmado pela Deink com a startup Green Mining?
A parceria com a Green Mining permite coletar o resíduo plástico no próprio local de consumo, aproveitando a sinergia logística já consolidada pela coleta de vidro e replicando para o recolhimento do refugo de shrink e stretch. Esse acordo inicial com a Green Mining faz parte de um projeto integrado com a Ambev.
Qual a possibilidade de a Epema, transformadora controlada pela família Mani, produzir filmes de apelo sustentável com PE ou PP reciclado pela Deink?
Sim, já temos nesse sentido projetos em curso com a Epema e um grande brand owner ainda sob sigilo. Aproveitaremos ao máximo a sinergia entre as companhias, mas friso que, em paralelo, estamos abertos para replicar essa proposta com todos os transformadores interessados e seus clientes.
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