Vitaminados pelos juros tentadores e crédito à larga, financiamentos de imóveis proliferam a cada mês desde março de 2020, tal como as reformas residenciais, estas sob efeito da valorização do lar instaurada pelo isolamento social e por gastos antes captados por atividades não domésticas, como turismo e entretenimento. Mas esse astral de oba-oba na construção civil, acentuado pelo progresso da vacinação, biotônico para a economia neste último semestre, colide com o outro lado da moeda. Gargalos para o crescimento ganham corpo no arrocho dos preços de matérias-primas em desabastecimento, como PVC e aço, por artes da inflação, dólar, disponibilidade local e internacional etc e tal. E os repasses desses reajustes pela indústria e varejo para a ponta compradora perigam ficar mais desafiadores no restante deste ano, convergindo para um desfecho da novela menos intenso mas na linha geral do script de 2020: balanço rutilante no faturamento mas nem tanto no volume de vendas de materiais de construção.
Entre as entidades setoriais que clamam ao governo pela redução de tarifas de importação como alternativa para sanar a insuficiência e reajustes frequentes de seus insumos, desponta o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP). Sua pesquisa mensal do Custo Unitário Básico (CUB), medição dos gastos da construção paulista, constatou em junho aumento de 3%, alta acumulada de 11,03% desde janeiro último e de 35,25% nos 12 meses anteriores. Numa referência ao peso dos plásticos, Eduardo May Zaidan, vice-presidente de economia da representação, aponta que, durante 2020, a varredura do CUB apontou subida de 23,88% nos preços de tubos rígidos de PVC com 150 mm de diâmetro para condução de esgoto. “Foi um dos maiores aumentos entre materiais de construção no comparativo com os índices medidores da inflação”, ele constata. “E os preços continuaram a salgar este ano, como demonstra o reajuste acumulado de 75,1% nos 12 meses até maio no caso de tubos, canos e mangueiras de plástico, segundo o levantamento ‘Produtos mais caros da construção’, compilado pela FGV”. Mas tubo de PVC não é um estranho nesse ninho. Pela lupa do CUB, o saco de 50 quilos de cimento Portland, por exemplo, teve preço onerado em 31,07% em 2020 e, na ótica da FGV, tubos de aço com costura e fios, cabos e condutores elétricos isolados, encareceram, respectivamente, 92,9% e 65,66% nos 12 últimos meses até maio deste ano.
Pouca margem de manobra
Zaidan não vê muita munição para construtoras filiadas ao SindusCon-SP fazerem frente à probabilidade de mais reajustes nos tubos e conexões de vinil nesta metade final de 2021. “As construtoras são reféns dos aumentos praticados pelas indústrias, pois, na maioria dos casos, não há alternativas aos materiais empregados”, esclarece. A margem escassa das construtoras para substituir seus materiais, justifica Zaidan, resulta da submissão delas a normas técnicas, memoriais, inspeções e planos de qualidade. “Cronogramas rígidos também impedem a postergação de compras de materiais de construção e restrições de caixa inviabilizam grandes antecipações na aquisição deles”. Para engrossar o caldo, o dirigente reitera a relevância da qualidade final das obras. Se o padrão do trabalho não for monitorado pela construtora, ele pondera, pinta o risco de acarretar mais custos com manutenção após a entrega do empreendimento. “Nessas circunstâncias e no caso específico dos tubos de PVC, dificilmente as construtoras terão como deixar de sancionar as elevações de preços”.
O baque do encarecimento dos insumos nos resultados das construtoras no bojo do SindusCon-SP foi dramático em 2020, define Zaidan. “Sem ter como deixar de validar os aumentos, elas os absorveram e foram infrutíferas as negociações com fornecedores”, ele expõe. “Além do mais, houve dilatação nos prazos de entrega dos materiais de construção, atrasando cronogramas de obras e provocando aumento inesperado de custos e queda na produtividade dos canteiros”. O clima de barata voa das remarcações dos insumos desequilibrou muitos contratos de fornecimento de obras e, sem previsão sobre o fim dos reajustes, tomou vulto entre as construtoras a dificuldade para orçar projetos, o adiamento de lançamentos imobiliários e o aumento dos preços dos produtos finais, argumenta Zaidan. “O maior problema foi sofrido por construtoras contratadas para obras do Grupo 1 do Programa Casa Verde e Amarela, com preços fechados para o governo”, distingue o porta-voz do SindusCon-SP. “Se ele não achar uma solução, muitos desses empreendimentos ficarão inexequíveis e serão paralisados”.
Zaidan acha possível uma estabilização nos preços de materiais de construção no semestre vigente. “De qualquer maneira, esse problema afetou de forma negativa o nosso setor, hoje com uma percepção pessimista sobre a situação atual e as perspectivas para seus negócios nos próximos meses”.
Comércio resguardado
Arauto de um contingente de 600 lojistas, a Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco) percebe mudanças operacionais trazidas ao comércio pelo encarecimento dos produtos dependentes de insumos de disponibilidade restrita. “Com a desorganização da cadeia produtiva global causada pelo vírus, tivemos que nos adequar a reajustes e escalonamentos do suprimento de produtos à base de matérias-primas como PVC, poliproprileno (PP)”, considera o superintendente da entidade Waldir Abreu. “Pelos mesmos motivos, aliás, outras cadeias tiveram seus fornecimentos atingidos com efeitos perturbadores. Afinal, o plástico participa de produtos e embalagens do nosso setor”. Com isso, ele segue, as constantes variações de preços generalizaram-se no varejo dos materiais de construção. “Esse impacto nem sempre foi grande em relação à procura de produtos pelo consumidor final, por não ter vínculo com o montante da sua última compra e pela possibilidade de o interessado avaliar os preços em diversos pontos de venda”. A Anamaco não supervisiona preços da indústria e comércio de materiais de construção. Ainda assim, Abreu comenta que os reajustes de alguns artigos superaram a marca de 100% num curto período. À parte a querela dos aumentos, ele reitera, o xis da questão no comércio não é preço, mas a disponibilidade de produto na prateleira “Reformas ou reparos prementes não deixam margem para o comprador questionar o custo do material de construção encontrado”.
O realinhamento de preços pela indústria de materiais de construção começou no quarto trimestre de 2020, situa Abreu, e pouco tem influído no ritmo de vendas do varejo. “As incertezas em 2021 parecem mais alentadas que as vivenciadas no ano passado, quando vigorava um desconhecimento maior sobre a duração da pandemia, período também marcado pelo apoio do governo a diversos setores para enfrentar a crise sanitária”, avalia o superintendente da Anamaco. Para este ano, o quadro é outro, ele nota, pois o auxílio emergencial mais magro e o controle mais rígido de sua distribuição à empobrecida população de baixa renda canalizarão o subsídio mais para alimentação e outras prioridades que para reparos residenciais. “Mas isso não deve afetar muito o comércio de materiais de construção, pois recursos antes do corona mobilizados por atividades como viagens continuarão a fluir para a melhora das moradias, mantendo o varejo em rota de crescimento, embora a níveis inferiores ao seu potencial”, considera o dirigente. No cenário pessimista, ele coloca, a Anamaco antevê crescimento na receita de 1% a 1,5% para seu setor este ano e, na ótica otimista, de 4% a 5% sobre 2020, quando o faturamento de R$ 150,55 bilhões traduziu engorda de 11% sobre o saldo de 2019.
Se melhorar, estraga
“Apesar do encarecimento dos insumos, a demanda por nossos produtos levou a uma ocupação média de 80% da capacidade instalada de nossas filiadas em junho, com a economia em recuperação” comemora Rodrigo Navarro, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). Não é à toa, portanto, que, conforme divulgou o dirigente na mídia, seu setor desfruta hoje da melhor fase em 10 anos, na garupa da compra de imóveis em condições facilitadas e das reformas e consertos residenciais no auge desde março do ano passado, início do confinamento domiciliar imposto pela primeira onda do vírus.
Em 2020, assinala Navarro, a Abramat aferiu queda de 0,3% no faturamento deflacionado versus 2019. “O resultado é relativo, pois a receita do setor foi duramente impactada no início da pandemia e, mesmo assim, o percentual ficou bem acima do inicialmente esperado naquela conjuntura – uma queda de 7%”. O jogo começou a virar já em janeiro último, quando a pesquisa mensal da entidade, desenvolvida pela FGV, anotou crescimento de 12,8% no faturamento perante o mesmo mês em 2020. “Para este ano, a FGV estipulou expectativa de avanço de 4% no faturamento sobre 2020, uma previsão passível de alteração”. Na primeira quinzena de julho, a grande imprensa noticiou a possibilidade de a FGV duplicar sua projeção, o que deixaria a receita das indústrias de materiais de construção acima de R$ 200 bilhões.
Um azul que não desbota
O balanço no sétimo céu vislumbrado pela Abramat tem o endosso de um filiado astro-rei: a Wavin, mola mestra dos tubos plásticos no país e restante da América Latina com a marca Amanco Wavin. “Projetamos crescimento acima de 30% este ano”, pontua Daniel Neves, diretor geral da empresa no Brasil. “Temos boas perspectivas para este semestre, com base no seu histórico de aquecimento do mercado da construção e em fatores como o pagamento do 13º salário”. Por sinal, aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) concluíram em 7 de julho o recebimento antecipado e em duas parcelas do 13º, tal como ocorreu em 2020, resultando num montante estimado em R$ 52,7 bilhões a ser injetado na economia.
Neves reconhece que a redução do auxílio emergencial constituiu um dos fatores que, no primeiro trimestre, desaceleraram o varejo de materiais de construção. “Entretanto, a privatização das obras de infraestrutura, a continuidade das reformas residenciais também em razão do home office e o recorde histórico de 113% de financiamentos imobiliários no período de janeiro a março último são alguns contrapontos que devem impactar positivamente o nosso setor nos próximos meses”. O dirigente não vaticina que o aumento da vacinação possa acabar com as incertezas do mercado, mas confia que o cenário comercial melhore e ganhe previsibilidade com grande parte da população imunizada.
Em maio passado, atesta a FGV, os materiais de construção registraram o maior patamar de inflação acumulada em 12 meses nos últimos 28 anos. Na transposição desse quadro para o âmbito de PVC, polímero sinônimo de tubos e conexões, Neves atribui a subida nos seus custos de produção à restrita disponibilidade internacional do vinil, efeito da alta demanda e medidas de força maior tomadas em fevereiro pela petroquímica norte-americana (açoitada por nevasca no Texas). “Conseguimos repassar a clientes apenas parte desses reajustes na matéria-prima e absorvermos o restante do ônus”.
Dólar na lua e leve alta da Selic reduzindo o poder aquitivo e a perspectiva da questão do custo e insuficiência de PVC não ser equacionada tão cedo não embaçam a visão da Wavin para este ano. “A indústria de materiais de construção tem mantido os investimentos e isso vai ditar o ritmo do movimento nos próximos meses”, confia Neves. “Nesse contexto, a condição da Wavin é favorecida por que muitos dos nossos contratos são de longo prazo, assegurando atendimento satisfatório a construtoras e distribuidores para o varejo”. •