Argentina aumenta atração de seu gás de xisto para investidores

Governo Milei torna mais seguro e compensador o cenário para projetos atrelados ao gás de Vaca Muerta
Vaca Muerta; preços do shale gas argentino cada vez mais próximos dos EUA.
Vaca Muerta; preços do shale gas argentino cada vez mais próximos dos EUA.
A pancadaria tarifária de Trump é uma pá de cal na globalização, aliás uma chave do poderio comercial e geopolítico dos EUA. Sob o pandemônio de incertezas geradas pelo protecionismo norte-americano, ainda não há condições para se prever os efeitos da reviravolta sobre a indústria petroquímica mundial. Mas ao menos uma de suas diretrizes para investimentos não foi abalada: o imperativo de dispor de matérias-primas a custo competitivo. Nesse contexto, o vento começa a soprar a favor da Argentina, pois aloja em Vaca Muerta, norte da Patagônia, a segunda maior jazida de gás de xisto do planeta. A agência Administração de Informação Energética dos EUA (EIA) estima haver cerca de 16 bilhões de barris de petróleo de xisto recuperável e condensado em Vaca Muerta. A exploração dessas reservas remonta a 2012, situa a consultoria norueguesa Rystad Energy, mas seu avanço foi marcado pela timidez em razão da insegurança e instabilidade política e econômica que marcaram os governos argentinos passados. Esta página foi virada em novembro de 2023, com a eleição para presidente do economista ultra liberal Javier Milei, empenhado em implantar um ambiente confiável e estável para investimentos, a exemplo da mineração em Vaca Muerta, visando atrair capital e dotar a Argentina de soberania energética ampliando com intensidade sua produção de petróleo, gás natural e derivados. Por tabela, o novo panorama leva analistas a cogitarem a possibilidade de um complexo petroquímico de poliolefinas atrelado na Argentina ao gás extraído de seus depósitos de xisto, um empreendimento que, se concretizado, baixaria de forma brusca, as importações complementares de polietileno (PE) e polipropileno (PE) de que a América do Sul (Brasil incluso) depende cada vez mais, em especial das resinas norte-americanas. Na entrevista a seguir, o clima institucional e legal tornado propício por Milei para projetos em Vaca Muerta, a competitividade do seu gás natural e a viabilidade econômica de um conjeturado complexo petroquímico integrado a esta matéria-prima são dissecados pelos analistas Jorge Buhler Vidal, diretor da empresa Polyolefins Consulting e presidente da PetroChemical Consulting Alliance, e Oscar López, dirigente da Unisouth Consulting e vice-presidente da PetroChemical Consulting Alliance.
Jorge Buhler Vidal e Oscar López: Regime de Incentivo para Grandes Investimentos acena com benefícios fiscais, aduaneiros e cambiais.
Jorge Buhler Vidal e Oscar López: Regime de Incentivo para Grandes Investimentos acena com benefícios fiscais, aduaneiros e cambiais.

Quais as principais mudanças e melhorias, em favor da segurança jurídica e viabilidade econômica, que o governo Milei introduziu na regulamentação para atrair potenciais investidores na exploração de shale gas em Vaca Muerta?

Desde dezembro de 2023, o presidente Javier Milei embarcou numa terapia de choque para remodelar a economia argentina. Aprovou a Lei Bases, que visa melhorar a eficiência e competitividade, e o Regime de Incentivo para Grandes Investimentos (RIGI), para atrair aportes de recursos nacionais e internacionais outorgando às empresas integrantes desse programa uma série de benefícios fiscais, aduaneiros e cambiais. O RIGI provê um regime fiscal especial para novos projetos de investimentos – inclusos os petroquímicos – no mínimo de US$ 200 milhões e concede benefícios adicionais aos que superem US$ 1 bilhão. Também reduziu o imposto de renda a 25% dos dividendos a 7% (0% para os rendimentos reinvestidos durante três anos). Além disso, o RIGI oferece acelerada amortização do capital, desenha o tratamento tributário para a maioria dos impostos e, a longo prazo, proporciona estabilidade da plena disponibilidade das entradas em divisas provenientes das exportações e estabelece mecanismos de resolução de conflitos. O prazo para adesão ao RIGI será de dois anos, contados a partir da entrada em vigor dessa legislação. O Executivo poderá prorrogar o prazo até por dois anos contados a partir do vencimento do período anterior. Em suma, o RIGI se destina a gerar e manter um cenário de previsibilidade, estabilidade e competitividade necessário para atrair grandes investimentos.

Quais os investidores e seus projetos que já estão envolvidos na mineração e produção de shale gas em Vaca Muerta?

O primeiro projeto aprovado pelo RIGI é o Vaca Muerta Oil Sur (VMOS), orçado em US$ 2.9 bilhões. Consta de um oleoduto de 525 km para exportar petróleo, investimento liderado pela YPF. Também foi autorizado o projeto de um terminal em Punta Colorada, Rio Negro, com capacidade inicial de 550.000 barris/dia e previsto para operar no quarto trimestre de 2026. Trata-se de aliança estratégica entre YPF, Vista, Pan American Energy, Pluspetrol, Chevron e Shell. A propósito, o VMOS formou contratos de planejamento e construção de projetos de engenharia (EPC e EPCM) relativos à armazenagem total de 630.000 m³ (quatro milhões de barris) de petróleo cru em Punta Colorada.

E como anda o interesse de empreendedores pelas exportações de gás natural liquefeito (GNL)?

A companhia Golar LNG tem acordo de 20 anos, da ordem de US$ 7 bilhões, com YPF e Pampa Energia para implantar navios adequados à liquefação flutuante de gás natural (FLNG), para remessas calculadas em 2.45 milhões de t/a. Por sua vez, a Tecpetrol já desenvolve planta modular de liquefação em terra com capacidade inicial de 4 milhões de t/a e a YPF planeja ativar em 2027 uma instalação existente de FLNG para alcançar entre 1 e 2 milhões de t/a de capacidade adicional. Outro projeto, a cargo da companhia TGS e estimado em US$ 700 milhões, é o da ampliação do gasoduto Perito Moreno, de 21 milhões para 35 milhões de m³/dia, indo de Vaca Muerta até o norte e nordeste da Argentina, inclusa a região de Mesopotâmia (formada pelas províncias de Misiones, Entre Rios e Corrientes, entre os rios Uruguai e Paraná).

Já começaram as sondagens sobre oportunidades para a petroquímica em Vaca Muerta?

Entre os projetos hoje avaliados, consta o da Profertil, relativo à duplicação, para 2.6 milhões de t/a, da produção de ureia, empreendimento movido por aporte da ordem de US$ 1.5 bilhão em Bahía Blanca. Para este mesmo local, por sua vez, a Pampa Energia anunciou a aplicação entre US$ 1.2 bilhão a US$ 2 billhões numa fábrica de fertilizantes nitrogenados. Já a TGS cogita investir US$ 2.5 bilhões numa operação para separar líquidos de gás natural em Neuquén e a empresa Fortescue examina a possibilidade de colocar US$ 8.4 bilhões na produção de hidrogênio verde em Rio Negro e em projetos como unidades de ureia e de propano e butano para gás liquefeito de petróleo, utilizado como gás combustível. Até o momento, não se sabe de planos de investimentos de poliolefinas, inclusive dos únicos produtores locais de PE e PP, respectivamente a Dow e a PetroCuyo.

Como descreveria o possível impacto sobre a petroquímica sul-americana e seu mercado na região provocado por um complexo petroquímico de PE e PP na Argentina, alimentado pelo shale gas de Vaca Muerta e com escalas no padrão de competitividade mundial? E quais poderiam ser as principais mudanças causadas por este mesmo complexo no perfil da indústria argentina de transformação de plásticos (PP e PE)?

Um projeto de classe mundial teria um cracker de etano produzindo 2 milhões de t/a de eteno para alimentar três linhas de polietileno (PE). Um projeto similar com base na tecnologia de desidrogenação de propano (PDH) teria uma capacidade ao redor de 1 milhão de t/a de propeno para suprir duas linhas de polipropileno (PP). Essas capacidades abasteceriam o mercado argentino e demais países do Mercosul e outros sul-americanos, em particular os do Cone Sul. Este complexo viabilizado pelo gás de Vaca Muerta poderia forçar a parada de algumas plantas pequenas e de caros custos operacionais na Argentina e Brasil, assim como poderia reduzir importações para a região de poliolefinas da América do Norte. No entanto, o perfil de importadores de PE e PP de outras áreas estaria, provavelmente, mais focado em cobrir o suprimento de grades sem produção local. Um fator que não deve ser menosprezado e de evolução difícil de prever, por enquanto, mesmo tendo em vista a América do Sul como mercado objetivo, seria o efeito das guerras comerciais deflagradas pelo governo Trump.

Qual é o preço médio atual do shale gas obtido do xisto em Vaca Muerta? Compare com o preço médio atual do gás natural na América do Norte.

Analistas dizem que o preço médio do gás produzido na Argentina é de US$ 3.50 por milhão de BTUs (British Thermal Units). No verão, o preço pode baixar a US$ 2. Embora os custos de extração em Vaca Muerta percam para os norte-americanos, os dois indicadores seguem se aproximando continuamente. A produtividade dos poços argentinos compete com as melhores áreas de xisto dos EUA, como Marcellus, Uttica e Haynesville. No plano geral, pode-se considerar que o custo do gás natural argentino e norte-americano será similar.

Um elemento muito importante a ser destacado é a decisão da YPF, principal petroleira argentina, de orientar majoritariamente sua produção para o petróleo e gás originários do xisto, desinvestindo em operações convencionais de exploração. Trata-se de um processo em andamento e contribuirá ainda mais para o incremento da produção do gás natural de Vaca Muerta e redução de seus custos.

A indústria norte-americana de petróleo & petroquímica já opera com excedentes crescentes de seus acessíveis gás natural, etano e PE. Como ficaria a viabilidade econômica de um complexo argentino integrado ao gás de Vaca Muerta ao agravar a superoferta de PE na América do Sul, região já abastecida com o excedente de PE da América do Norte?

Seria uma situação complicada, especialmente se as travas impositivas devido a guerras comerciais subsistirem nos próximos governos dos EUA. É difícil prever hoje a duração e desenlace desses conflitos. Apesar disso, no correr do tempo desde a aprovação até a partida de um projeto petroquímico, o cenário mundial deverá se acomodar, com redução dos excedentes norte-americanos de PE e, assim, as oportunidades de investimentos permanecerão válidas. Num contexto de abertura econômica da Argentina, a forte competência externa será um fator constante. Havia um cenário similar quando se investiu pesado em petroquímica no país, entre o final da década de 1990 e início de 2000, sob forte competência externa, câmbio desfavorável etc. Os resultados foram altamente exitosos, com base na produtividade, melhorias tecnológicas e vantagens logísticas regionais.
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