A petroquímica brasileira foi desenhada no século passado para substituir importações. Tudo correu nos conformes até os idos de 2003, quando floriu nos EUA a tecnologia do fracionamento hidráulico (fracking) que tornou o gás natural rota bem mais barata para produzir resinas que a da nafta, adotada no Brasil. Nesse ínterim, os EUA passaram de importador a exportador de PE; a China deslanchou como a fábrica do mundo, o Oriente Médio deu de gerar petroquímicos com gás do seu petróleo antes queimado e o Brasil, sem matéria-prima competitiva, não investiu mais na expansão da sua capacidade de poliolefinas, os polímeros mais consumidos no planeta e monopolizados no país pela Braskem.
O barco brasileiro começou a balançar quando, com o passar dos anos, a demanda interna se acercou do limite da capacidade instalada, caso da oferta doméstica de PEBD há anos superada pelo consumo e o gap tem sido preenchido com importações antes consideradas complementares. O alarme soou com o fim do superciclo mundial de investimentos petroquímicos (1992-2021), encabeçado por EUA e China e que deu no que está dando: um excedente mamute de PE e PP cujo fim ninguém ousa prever, ainda mais com Trump de volta à Casa Branca, e as novas plantas movidas a gás barato, formadoras de preços internacionais, com tecnologias avançadas, escalas de alcance mundial e custos inatingíveis pela concorrência de fábricas e veteranas e dependentes da nafta, como as do Brasil.
Os distribuidores de PP e PE nacionais entraram, desde então, em queda livre de vendas e margens e hoje presenciam, com a capacidade estagnada da Braskem, a concorrência importada respondendo pela expansão linear da demanda interna de poliolefinas. A situação deste ano é eloquente. Diante do anúncio da entrada em vigor em outubro da alíquota de importação brasileira de resinas elevada de 12,6% para 20%, aconteceu a partir do segundo semestre uma antecipação desenfreada dessas compras externas, o que bagunçou o fluxo de reposição de estoques da transformação, esfriando a comercialização de PP e PE nacionais justo no período de setembro a novembro, de auge na produção de indústrias finais de olho nas vendas de fim de ano.
O calvário da rede de distribuição tem sido agravado pelo desembarque de resinas importadas por áreas incentivadas, Zona Franca à frente. Aliás, o excedente global de PP e PE e seus decorrentes preços em conta motivaram, nos últimos anos, a instalação em massa, no polo de Manaus, de plantas filiais de transformadores capitalizados do Sul/Sudeste, para fruir a importação pelo porto livre e benefícios fiscais. Essas unidades remetem ao restante do país compostos e transformados de PP e PE a preços competitivos, encolhendo assim o mercado da distribuição das poliolefinas nacionais. A situação chegou ao ponto de, no consenso na praça, transformador só põe fábrica hoje em local incentivado. De outro ângulo, foi publicado em 12/11 na Folha de São Paulo que a Braskem, cujos distribuidores tanto esbravejam contra os subsídios de Manaus, foi a empresa mais beneficiada no país por incentivos fiscais (R$2.27 bilhões) entre janeiro e agosto, aponta levantamento da Receita.
Com as costas contra a parede, os distribuidores da Braskem deparam com um cenário que sinaliza perda de market share, seja qual for a alíquota de importação, ou por força da lei da oferta e da procura. Afinal, a Braskem carece cada vez mais de capacidade e custos competitivos para acompanhar o crescimento vegetativo da demanda interna de poliolefinas. Por tabela, incógnitas hoje pairam sobre o prazo de validade do perfil tradicional da distribuição da Braskem. Seus agentes autorizados destoam da praxe no mercado internacional, pois não podem atuar como multibandeira nem exportar. A névoa da incerteza sobre o futuro perpassa esta entrevista de Laercio Gonçalves, CEO do Grupo activas, distribuidor classe platinum da Braskem e presidente daAssociação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast).
De janeiro a setembro, as importações de resinas aumentaram 30% em volume versus o mesmo período em 2023. O mercado andou mesmo tão quente para justificar esse salto ou ele reflete bem mais a antecipação de compras internacionais para evitar a alíquota de importações de 20% em cena desde outubro?
A entrada de material importado não vem apenas para somar à demanda doméstica, mas sim para tomar uma fatia do market share. Dessa forma, esse crescimento é uma antecipação às mudanças de alíquota, mas também é uma mudança no perfil de consumo ao longo de 2024. Isso também se justifica quando olhamos dados do setor em que mostram que o crescimento ficará ao redor 1,5% a 2% na projeção para este ano. Ou seja, o consumo não justifica esse crescimento de dois dígitos nas importações de resinas nos nove meses iniciais.
Esse aumento incomum das importações teve o óbvio efeito de desarranjo nos programas de reposição de estoques na transformação. Qual o estimado impacto dessa situação para as vendas da sua empresa de PP e PE da Braskem no quarto trimestre de 2024?
Apesar do aumento do número de material importado vemos o impacto maior em resultado do que em volumes. Estamos vendo um movimento mundial de margens espremidas e isso se estende ao longo de toda a cadeia de poliolefinas. Outro impacto considerável é o esforço colocado para manutenção e aumento de vendas. Quem acompanha esse setor percebe o quanto fazíamos muito com pouco esforço e hoje em dia se faz pouco com muito. É uma consequência do ciclo de baixa econômico, da alta concorrência e da sobre oferta mundial.
Previsões otimistas projetam para 2030 a chegada a uma diluição mais aceitável do atual mega excedente mundial de poliolefinas. No Brasil, por sua vez, o crescimento vegetativo até 2030 do mercado interno sinaliza a chegada à capacidade esgotada ou perto do esgotamento para a oferta geral de PP e PE nacionais. Diante dessa perspectiva, como enxerga as alternativas para os distribuidores da Braskem protegerem market share/margens diante da possibilidade de importações crescentes de PP e PE, seja qual for a alíquota, pois elas atenderão o crescimento do consumo que a resina nacional não terá como atender?
O cenário de alta concorrência é uma realidade, porém hoje a rede oficial de distribuidores da Braskem e de outras bandeiras oficiais traz diferenciais competitivos que a briga desleal com o excedente mundial de matéria-prima não traz, como diversas filial alocadas no território nacional, assistência técnica, frota própria, suporte do produtor local e redução do impacto direto da volatilidade cambial. Além do mais, para o mercado de poliolefinas nacional conviver com uma fatia de share importado, sempre foi uma realidade. Dessa forma, com a balança oferta x demanda se estabilizando aos longos dos anos, o share voltará a ficar equilibrado.
Com o passar dos próximos anos, a capacidade e oferta cada vez mais limitadas da Braskem para PP e PE podem levar à mudança no perfil de seus distribuidores, passando de mono a multibandeira, modelo aliás costumeiro no setor internacional? Como a empresa poderá manter agentes oficiais exclusivos com PP e PE cada vez menos disponíveis para atendê-los a contento?
Hoje não há necessidade de um distribuidor optar por multibandeira dentro da família de poliolefinas. Isso não ocorre agora nem há previsão para que aconteça. O que ocorre é em relação a outros produtos, para o portfólio ficar mais extenso e podermos atender de forma completa os clientes. Isso, inclusive é um ponto importante que conecta a esta pergunta. Trata-se de um diferencial fundamental da distribuição das resinas domésticas em relação aos produtos importados – fornecer não apenas a estrutura comentada, mas opção de outros materiais que não PP e PE de forma muito completa.
A Braskem incluiu a cliente transformadora Altaplast na sua rede de distribuidores de PE Verde. Com base nesse precedente, como avalia a possibilidade de, no futuro, a empresa afagar outro cliente designando-o para competir com seus distribuidores oficiais comercializando outros grades de PE ou de PP? Afinal, a distribuição hoje representa apenas 10-15% das vendas domésticas de PP e PE da Braskem e, dadas as limitações crescentes de sua capacidade instalada, este índice tende a cair, inclusive sob pressão das importações. Concorda?
A linha de PE Verde da Braskem, assim como a plástico pós-consumo reciclado (PCR), não afeta a parceria que temos para a família de PP e PE. Temos o contrato muito bem coordenado entre as partes e ele garante que não teremos esse mesmo movimento.
Há muitos anos continua ínfima a participação de plásticos de engenharia no negócio dos distribuidores de resinas commodities filiados à Adirplast. Por que vale a pena para uma empresa como a sua manter esses materiais de comprovada baixa receita no portfólio? Apenas para mostrar ao cliente um catálogo vistoso?
A linha de plásticos de engenharia hoje representa cada vez mais um espaço importante tanto em nosso volume, como resultado. E, tal qual o nome diz, o volume de commodities sempre será maior, principalmente se tivermos movimentando materiais como PE, PP, PET e PS. Além disso, trata-se de uma estratégia de diferenciação e fidelização do cliente. Estes materiais nobres conferem credibilidade e ampliam a percepção de valor do portfólio, permitindo, no caso da activas, se posicionar como um fornecedor de soluções completas. Esse postura fortalece a relação com o cliente, pois ele tende a centralizar compras em um único distribuidor que oferece variedade, qualidade e conhecimento técnico, contribuindo para a retenção e potencialização de vendas da activas a ele em longo prazo.
Diante da possibilidade de ingresso crescente de importações de PP e PE para atender o aumento do consumo interno acima da produção doméstica dessas resinas, acha que distribuidores global players devem intensificar o interesse em adquirir grandes distribuidores da Braskem, por já possuírem sólida estrutura logística e profissional, alcance nacional, tradição e boas práticas fiscais etc?
É uma tendência possível, pois estamos vendo esse movimento em outras regiões do mundo, principalmente no tocante a distribuidores consolidados, como a activas, que se tornam atraentes para players globais que desejam expandir no mercado brasileiro. A infraestrutura local robusta, presença nacional e práticas de conformidade bem estabelecidas são ativos que facilitam a entrada de global players e oferecem sinergias significativas.
A partir de eventos recentes (enchentes no Sul, seca em Manaus, queimadas etc), quais as principais precauções adotadas pela sua empresa para enfrentar calamidades causadas por mudanças climáticas capazes de complicar o recebimento de materiais e atendimento de pedidos, além da segurança dos centros de distribuição e seus funcionários?
Estamos ficando cada vez mais, infelizmente, experts nisso e a activas está cada vez mais atenta às consequências das mudanças climáticas, adotando planos de contingência e alinhamento com fornecedores. Medidas como o fortalecimento da infraestrutura dos centros de distribuição e segurança para funcionários são essenciais. Mas, principalmente, a estratégia de estoque de segurança em locais geograficamente diversificados nos permite uma resposta mais rápida a desastres climáticos.
Como avalia o impacto em 2023 e este ano no mercado interno da distribuição de PP e PE da Braskem causado pela comercialização de PE e PP importados e beneficiado na Zona Franca e por produtos acabados, como filmes, que passaram do Sudeste a serem transformados em Manaus?
A produção de compostos e produtos acabados no Polo de Manaus adicionou uma nova camada de competitividade no mercado interno. Os incentivos fiscais na Zona Franca tornam os produtos importados e beneficiados mais acessíveis, impactando os distribuidores de PP e PE da Braskem. Esse deslocamento da produção reduz a demanda de resina bruta e aumenta a oferta de produtos compostos no mercado, o que gera pressão nas margens e exige adaptação por parte dos distribuidores para competir com essa oferta.
Resinas mais caras (efeito do câmbio e alíquota de 20% de importação ensejando preços internos mais altos) e a expansão de filiais de transformadores de PP e PE mamando nos incentivos da Zona Franca já leva ou tende a levar ao fechamento de transformadores menores concorrentes no resto do país e hoje atendidos pelos distribuidores da Braskem?
Esse movimento de mercado é comum. As empresas vão se ajustando ao longo do tempo. Umas ganham mais força, outras perdem poder de compra, enfrentam outros desafios e acabam sendo impactadas. Porém, sabemos que o cenário atual é complexo, não apenas no Brasil como no mundo, e a falta de controle do uso dos incentivos na Zona Franca tende a intensificar a concorrência e a pressionar transformadores menores. Estes, com menores margens de lucro, menos acesso a crédito e/ou acesso limitado a incentivos fiscais, podem ter dificuldade em competir nesse mercado tão concorrido.
Com um cenário de produção interna insuficiente para o mercado local em meados da década e com as restrições ao crédito, vê como provável a centralização de grandes pedidos nos distribuidores maiores afastando os menores do mercado?
Sim, é possível. O Brasil é um país continental, com muitos transformadores com diversas peculiaridades. Para boa parte desse mercado, as linhas de crédito são fundamentais, fazendo com que haja centralização dos grandes pedidos em distribuidores maiores e mais estruturados. Distribuidores grandes têm mais capacidade de negociação, acesso a crédito e infraestrutura para absorver as particularidades de entrega no setor. Essa dinâmica tende a dificultar a competitividade dos distribuidores menores, que podem enfrentar dificuldades para assegurar capital de giro, manter estoques elevados e atender às particularidades dos clientes, levando a uma concentração de mercado.
Desembarques de PP e PE rondam 1.5 M/t em 9 meses
De janeiro a setembro último, atestam radares oficiais, as importações brasileiras de copolímero random de PP totalizaram 158.317 toneladas e as de homopolímero, 371.529, totalizando 529.846 toneladas internadas de PP. No mesmo período, a Braskem, única produtora de poliolefinas no país, gerou 1.052.984 toneladas, das quais 920.238 vendidas internamente. No compartimento de PE, as importações do tipo de alta densidade (PEAD) somaram 506.640 toneladas nos primeiros nove meses de 2024. No mesmo período entraram 405.537 da resina de baixa densidade (PEBD) e 571.209 toneladas do grade de baixa densidade linear (PBDL), resultando em 1.483.386 toneladas desembarcadas. Por sua vez, a Braskem produziu 1.700.126 toneladas e vendeu no mercado local 1.242.794 entre janeiro e setembro. Os caminhos cruzados pelos volumes revelam que as importações de PP equivaleram a cerca de 57% das vendas internas da resina nacional no período, enquanto no âmbito de PE, as importações superaram na faixa de 200.000 toneladas o movimento doméstico do polímero da Braskem. •