22 de março é o Dia da Água e nada há a festejar. Ancorado em indicadores de 2013, estudo divulgado em janeiro último pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima em 41 milhões os brasileiros sem acesso á rede geral de abastecimento de água e 107 milhões sem coleta de esgoto. Balanço do Ministério da Saúde indica a rede de água encanada ao alcance de 93,2% da população urbana em 2014, mas o acesso a esgoto ficou no patamar de 57,6% e, em 2013, a coleta de dejetos sanitários parou em, 56,3% dos habitantes. Com a degringolada causada pelas pedaladas contábeis no caixa do governo, o cronograma da conclusão da universalização do serviços de saneamento básico, foi esticado para 2054 no levantamento brandido pela CNI. Nesta entrevista, Edison Carlos, presidente executivo do instituto Trata Brasil, escancara essa tragédia sobre um setor que, pelo visto, não perde tão cedo a imagem de eterna promessa de mercado para tubos plásticos de infraestrutura.
PR – A dívida pública é impagável e o corte geral nas despesas do governo é inescapável. Quais os reflexos da carência de verbas oficiais sobre as metas traçadas de expansão do saneamento?
Carlos – Qualquer limitação de recursos federais tem um impacto enorme no avanço das obras e projetos de saneamento, pois o governo federal é o grande financiador, seja através dos recursos a fundo perdido do Tesouro ou de financiamentos via Caixa e BNDES. O Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) prevê R$ 304 bilhões entre 2014 e 2033 (20 anos para a universalização), apenas para água e esgotos. Se juntarmos as necessidades para resíduos sólidos e drenagem das águas pluviais, a cifra chega a R$ 508 bi. Na água e esgoto deveríamos, portanto, investir os R$ 15 bi anuais mínimos, mas não vencemos a barreira dos R$ 11 bi em 2013 (não temos os números oficiais de 2014 e 2015). Os cortes de 2015 e 2016 decerto prejudicarão uma meta que já não fora atingida, mesmo nos anos de mais recursos disponíveis.
PR – É muito alto o índice de inadimplência generalizado entre as prefeituras. O país tem problemas no fornecimento regular de água e, por falta de pagamento, anda abaixo da crítica o serviço de coleta de lixo e limpeza urbana. Apenas metade das cidades está ligada a redes de esgoto sanitário. Diante disso e do baixíssimo nível educacional da população, tem pista livre a proliferação do aedes aegypti transmitindo dengue, zika e chikungunya.O agravamento dessas epidemias, em especial em locais onde o povo tem de estocar água por não recebê-la regularmente, conseguirá simplificar e agilizar a liberação dos investimentos em saneamento de uma forma que a catequese do Trata Brasil até hoje não conseguiu?
Carlos – Certamente ajudará muito, pois precisamos gerar uma pressão das pessoas por investimentos em água e esgotos, especialmente nos prefeitos, pois são os titulares dos serviços de saneamento perante a legislação. Cabe aos prefeitos, por sua vez, pressionar as empresas de água e esgotos. As doenças do mosquito estão gerando discussão generalizada sobre as carências do saneamento – algo novo e que ninguém previa. Elas sempre foram mais associadas à água limpa, mas, recentemente, muitos infectologistas têm afirmado que o aedes aegypti se adapta e coloca ovos em água suja, daí o risco contido na falta de saneamento. Ou seja, regularidade no fornecimento de água tratada, esgotos a céu aberto, lixões e piscinões etc. Junte-se a isso a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano, tratando de saneamento básico e levando os debates aos lugares mais distantes. Tudo isso ajuda para mais comunidades lutarem pelos serviços.
PR – A carência nos serviços de água e esgoto em regiões de alto índice de pobreza material e educacional, como o Nordeste, configura há décadas uma chave para políticos manterem eleitores no cabresto através de artimanhas como o envio de caminhões pipa a currais eleitorais sem água. Já a água encanada só dá voto quando a rede é inaugurada. O quanto esse velho jogo de interesses ainda empaca a expansão do saneamento básico?
Carlos – O foco principal de atuação do Trata Brasil são as 100 maiores cidades, pois 40% da população vivem nelas. Mas acompanhamos o que acontece nos municípios menores e nas comunidades mais vulneráveis. Em muitas dessas localidades, sobretudo no semiárido brasileiro, é comum que a única fonte de água da população sejam os caminhões pipa, ainda mais nesses últimos anos de fortíssima escassez. Nesses casos, o poder político da prefeitura é quase absoluto. Em muitos casos, infelizmente, a afinidade política fala mais alto do que o foco em soluções mais definitivas. Se temos deficiências nas áreas urbanas desses municípios atingidos, na área rural o problema costuma ser pior, pois não se vislumbra a construção de redes, mas sempre deu soluções individuais ou para pequenas aglomerações (poços artesianos e fossas). Precisamos evoluir muito, em especial nossas autoridades. Precisam ser mais estadistas e menos governantes; é preciso olhar a cidade para daqui a 30 anos e não apenas nos quatro anos do mandato. •