A oportunidade de lucrar com a substituição de importações traça a reta de Lírio Parisotto na cadeia do plástico. Foi o declarado chamariz para seus investimentos em poliestireno (PS), estireno, filmes biorientados de polipropileno (BOPP) e, a partir de agora, em poliestireno expandido (EPS). A nova tacada toma corpo com a fábrica de 25.000 t/a de pérolas do estirênico, inaugurada em 22 de junho pelo empresário no complexo gaúcho da Videolar-Innova, petroquímica e transformadora presidida por ele. “Não sei quando o Brasil sai da crise, mas, quando o fizer, estaremos na ponta dos cascos”, afirmou na ocasião o empresário, quando indagado com insistência pela imprensa sobre a racionalidade de investir R$ 100 milhões em EPS nesses tempos de recessão sem trégua.
No Brasil, petroquímica e poder público são braço e cotovelo. Embora permaneça suplente do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) e tenha sustentado aos jornalistas querer hoje distância da política, Parisotto seguiu à risca, em Triunfo, a liturgia do cerimonial de praxe em eventos desse naipe. Lá estavam o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Marcos Pereira, o governador peemedebista do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, além do prefeito local e um magote de deputados. A fila de políticos convidados também tinha a ver com o fato de o aporte em EPS ter sido agraciado em 30% com benefícios fiscais do Fundo Operação Empresa do Estado (Fundopem), incentivos concedidos mesmo com as finanças gaúchas notoriamente quebradas.
PS padece de crônica superoferta doméstica e, no plano mundial, falta-lhe vigor tecnológico para capturar aplicações capazes de compensar as que perdeu, como potes de margarina, ou viu morrer, como estojos de CDs. Por essas e outras, Parisotto já trombeteou dar primazia ao negócio do monômero e – aí está o ingresso em EPS – a desdobramentos em materiais estirênicos, esta uma via também palmilhada como atalho para agregar valor ao polímero. O empreendedor rechaça as ponderações contrárias à esta sua investida no expandido. Por exemplo, diante do argumento do pequeno porte do negócio, ele contrapõe que 25.000 t/a é uma escala inicial e confia em ampliá-la mais adiante. Haja fé, a julgar pelo penúltimo lugar (2,3%) atribuído a EPS na divisão do consumo nacional de resinas em 2015 feita pela Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Fora isso, a nova planta pesa para suavizar a pressão da capacidade excedente no país sobre a rentabilidade de PS. Na selfie atual, o complexo gaúcho da Videolar-Innova comporta potencial para gerar 500.000 t/a do intermediário etilbenzeno, 250.000 de estireno, 110.000 de PS de alto impacto (HIPS) e 75.000 t/a de PS cristal (GPPS), este a matéria-prima para a nova unidade de EPS.
Parisotto também não digere numa boa o questionamento da sua entrada em EPS em meio à construção civil de língua de fora com a economia deprê. Aliás, o radar da Associação Brasileira da Indústria dos Materiais de Construção (Abramat) rastreia queda de 10,8% no faturamento deflacionado das indústrias de materiais em junho último perante o mesmo mês de 2015. Trata-se da vigésima nona retração consecutiva nesta base de comparação. Na relação com maio de 2016, junho também acusou queda, de 3,7% e, no confronto entre o primeiro semestre de 2016 com o do ano passado, o recuo foi de 14,3%. As indústrias de materiais segmentados em base e acabamento também amargaram variações ruborizadas, de -13,7% e
– 6,5%, respectivamente, frente a junho de 2015. Diante de maio último, caíram 3,8% as vendas de base e de 3,6% as de materiais de acabamento. O índice da Abramat também revela emagrecimento no nível de empregos nas indústrias de materiais de construção. Em junho último, a redução aferida foi de 9,7% nos postos de trabalho versus o mesmo período no ano passado. Os seguidos resultados negativos e a conjuntura econômica fizeram a Abramat revisar a perspectiva para o setor em 2016. Agora crê em 8% de retração frente ao vermelho de 2015.
Mesmo com esses rombos e avarias, a construção civil se afigura, aos olhos da cadeia de EPS, a um pré-sal, um terno de dezena no jogo do bicho, os seis números da Mega-Sena de réveillon. Essa visão de um maná, compartilhada por Parisotto, é fomentada tanto pelo potencial deitado em berço esplêndido para o expandido na construção brasileira como pelo lugar de EPS há décadas lá no fundão entre as alternativas na praça para isolamento térmico imobiliário, caso de lã de vidro e poliuretano. É um papel coadjuvante na contramão do estrelato dessas pérolas em palcos como embalagens. Até em países como Chile o uso de EPS como isolante dá coça no Brasil. “Estamos entrando em EPS para conferir de perto essa discrição na construção civil e confio na possibilidade de virar o jogo com maior produção nacional e tecnologia diferenciada”, rebate Parisotto. Devido à auréola de vanguarda sobre o processo licenciado (ver ao lado) e em razão da ausência de registro similar no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a Videolar-Innova orna suas pérolas de EPS com a marca Newcell.
Parisotto sublinha que sua ofensiva visa arrefecer as importações do expandido, aliás uma merreca de 41.000 toneladas em 2015. Ele se valeu do mesmíssimo pretexto para penetrar em PS e BOPP, dois redutos hoje entalados na areia movediça dos excedentes. A mira concentrada nas importações também é a justificativa brandida pelo empresário para refutar o enquadramento da Videolar-Innova na saia justa de uma dupla face: a do fornecedor de estireno, matéria-prima de EPS, que passa a concorrer com seus clientes produtores do expandido. A catarinense Termotécnica é referência de indústria que produz e transforma EPS. Seu presidente, Albano Schmidt, presente à inauguração da planta concorrente em Triunfo, não quis falar a Plásticos em Revista, tal como a transformadora Knauf, sobre o perfil ambíguo da Videolar-Innova. Inquirida sobre esta dualidade, uma fera do ramo disse em off que a consequência será o agravamento da disputa no âmbito dos produtores locais de EPS. “A concorrência com o expandido importado é mais difícil, por conta do ICMS de 4% na sua venda interestadual contra tarifa superior imposta ao produto local”. O mesmo lince julga que a Videolar-Innova não muda o cenário para quem costuma repartir suas compras entre EPS nacional e importado. Já para quem gera EPS a partir do estireno (todos os fornecedores locais exceto Videolar-Innova), ele conjetura que a hipótese de decidir cortar as compras do monômero servido por um concorrente fragiliza esse produtor do expandido. Afinal, acabará dependente da única opção de estireno nacional, a Unigel. O dólar no céu inibe a importação do monômero, aliado ao crédito restrito e à demanda no spa.
Pérola negra
A Videolar-Innova pensou fora do quadrado para produzir EPS. Descartou o processo a partir do estireno, generalizado na praça, pela tecnologia licenciada pela Sulzer, calcada na formulação do expandido a partir de poliestireno cristal (GPPS). Aliás, uma alternativa mão na roda para a empresa contribuir, mesmo que de leve no caso, para aliviar o excedente nacional de PS. Art Henderson, executivo da norte-americana Alisseth Inc., atuou como conselheiro na seleção da tecnologia e implantação da planta de EPS em Triunfo, tal como o fez na unidade de PS da empresa na Zona Franca. O staff da Videolar-Innova não tece comparações em custos entre sua tecnologia e a geração de EPS iniciada com o mônomero. Mas Henderson acena com diferenciais em uniformidade e performance dos micropellets pelo sistema da licenciadora suíça.
A rota eleita abre, segundo divulgado pela Vidoelar-Innova, com o acréscimo de gás pentano e materiais auxiliares não revelados a grânulos de GPPS. A seguir, eles são submetidos á temperatura e pressão no pré-expansor até alcançarem a densidade desejada. O pré-expandido é então transportado a silos destinados à sua estabilização. Vencida esta etapa, as pérolas de EPS estão prontas para serem moldadas, a vapor e vácuo, na forma de blocos ou peças específicas. Henderson retoma o fio salientando que, comparado à rota do estireno, o método patenteado pela Sulzer não consome água e proporciona maior homogeneidade de tamanho às pérolas, chave para sua excelência. “Essa tecnologia também insere a Videolar-Innova no grupo de poucos produtores de EPS preto no mundo e sem concorrentes na América do Sul”, ele distingue. “EPS preto serve como isolante em regiões frias e quentes e é aplicado em placas de espessura inferior às do expandido convencional”. Somado ao câmbio a favor, esse ás de ouro no mix vitamina as condições para a Videolar-Innova firmar-se como exportadora do expandido, considera o especialista.
Devoto de Warren Buffett a ponto de ter ações do conglomerado Berkshire Hathaway e de viajar para ver o midas norte-americano em convenções do grupo, Parisotto não é de voar baixo em negócios. Antes mesmo de adquirir a Innova da Petrobras, em 2014, ele já ia à luta pela luz verde do governo para garimpar outra pepita estirênica, copolímero de acrilonitrila butadieno estireno (ABS), na unidade da Videolar em Manaus. Encarou então efêmera disputa com a finada parceria da Braskem e Styrolution em torno de planta na Bahia desse plástico de engenharia até hoje sem similar local. A compra da Innova também varreu um antigo dogma de Parisotto: nunca investir em manufatura fora da Zona Franca. A incorporação do complexo no Sul mudou as peças no tabuleiro pois, além da sua capacidade e poder de fogo em tecnologia, a Innova já acumulava tarimba em ABS como agente da taiwanesa Formosa Plastics, movimento lido à época como preâmbulo da produção do copolímero em Triunfo.
O projeto de Manaus gorou e, em sua nova arremetida, o investidor verberou, no embalo da largada oficial da fábrica de EPS, a intenção de aplicar mais R$ 100 milhões numa capacidade no limite máximo de 100.000 t/a do copolímero estirênico. Como idealizava a Petrobras quando comandava a Innova, a proposta é produzir ABS mediante mexidas na unidade de HIPS no complexo gaúcho. “Projetamos a implantação desse projeto para 2017”, prevê Parisotto, mais uma vez de olho nos dividendos a reboque de outra frente de substituição de importações – da ordem de 60.287 toneladas de ABS em 2015 e 78.211 um ano antes, repassa a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). O esquenta já começou em Manaus, onde o empresário botou extrusora para beneficiar ABS isento do imposto de importação.
O mercado paga para ver se, com Lírio Parisotto, ABS enfim deixará de ser uma caveira de burro na petroquímica brasileira.
Videolar-Innova sai de PP cast
Além de uma forma de agregar valor a um polímero commodity, Lírio Parisotto traduz seu ingresso em EPS como prova de sua inclinação maior por investir em petroquímica do que na transformação de plásticos. Devido a esse viés estratégico e a uma receita de magreza incompatível com o negócio da Videolar-Innova, ele resolveu se desfazer da operação de filmes planos (cast) de polipropileno (PP) na fábrica em Manaus. Sem abrir o montante da transação, o empresário confirmou a venda da linha de extrusão do filme aos irmãos Marcos e Marcelo Prando, dirigentes da Replas, distribuidora de PS e BOPP da Videolar-Innova e controladores da MM Indústria da Amazônia, transformadora em ação desde novembro último na Zona Franca, munida de capacidade estimada de 350 t/mês de shrink monocamada. “Não pensávamos em entrar em PP cast, mas vimos na oferta desse equipamento uma oportunidade de ampliar a atuação da MM”, justificam os irmãos. Assim mudou de mãos a coextrusora canadense Macro, capaz de gerar 500 toneladas mensais de filmes de até sete camadas, descreve Marcos Prando, de olho espichado a mercados como massas alimentícias. Com essa baixa, a unidade em Manaus da Videolar-Innova bate ponto agora na transformação com a moldagem por compressão de tampas de bebidas em PP, extrusão de chapas de PS e duas linhas Andritz dedicadas a BOPP, enquanto a instalação da terceira não vinga por força da superoferta interna do filme há anos em cartaz.
Muito potencial para sair do escuro
Construção civil ainda é terra prometida para EPS no Brasil
Ninguém discorda do valor agregado pelo poliestireno expansível (EPS) a uma resina commodity, de margens subjugadas pela capacidade doméstica excedente. A pergunta para os universitários é: como conciliar as expectativas da Videolar-Innova, uma petroquímica dependente de altos volumes de vendas, em relação à sua recém-inaugurada planta de EPS, tendo em vista um mercado marcado pela pequenez em todas as facetas, hoje em retração e fatiado entre vários produtores locais menores e pérolas expandidas importadas?
Os nomes são dados aos bois por impecável varredura sobre a trajetória de 16 anos de EPS assinada pela equipe de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Nos idos de 1999, rastreia o relatório, o consumo aparente nacional (produção + importação – exportação) foi fixado em 45.014 toneladas e bateu em 92.440 no ano passado, quando caiu 14,7% sobre o volume de 2014 e ficou abaixo do patamar de 2011. Por seu turno, a produção brasileira em 2015, quando a capacidade nacional operou com 90% de ocupação, limitou-se a 52.136 toneladas, 14,3% atrás do saldo de 2014 e de volta ao patamar ocupado lá em 2009. As importações brasileiras de EPS totalizaram 41.155 toneladas em 2015 e foram lideradas com folga pela concorrência oriental: cerca de 33.590 toneladas da China e 4.239 de Taiwan. O volume desembarcado no ano passado foi o terceiro maior no retrospecto desde 1999.
As vendas internas de EPS nacional, vai fundo o relatório da Abiquim, limitaram-se a 52.444 toneladas em 2015 contra 59.483 um ano antes e se aboletaram no patamar desfrutado em 2009. Por fim, o levantamento estampa o fiasco do Brasil como exportador do expandido.Se em 1999 os embarques somavam 602 toneladas, passados 16 anos continuam simbólicos – 852 toneladas em 2015. Os destinos sequer extrapolam o Cone Sul. Por fim, evidencia o estudo, o consumo brasileiro per capita sempre foi um cisco: de 0,26 gramas em 2000 a 0,45 em 2015, quando aliás murchou 15,4% sob o jugo da crise, após sete anos de, vá lá, evolução.
9% do consumo de estireno
Do observatório de fornecedor de estireno para formulação de EPS, Wendel Oliveira de Souza, diretor comercial para estirênicos da Unigel, reparte por igual o consumo brasileiro das pérolas entre embalagens e aplicações na construção civil, isolamento térmico à frente. Ele não arrisca cálculo da quantidade de moldadores de peças do material, mas cita, fora Videolar-Innova, três produtores locais de EPS: Construlev, Termotécnica e, o único que não atua também como transformador, a Styropek. Souza afirma não conhecer a fundo os meandros econômicos da produção de EPS para avaliar o peso da manufatura do expandido pela rota do monômero contra a via do PS, abraçada no país apenas pela Videolar-Innova. “Ouvimos que EPS a partir do polímero tende a apresentar homogeneidade de tamanho da pérola superior à aferida pela rota do estireno, mas esta deve ter custo ligeiramente inferior”. A propósito, estima, EPS abocanhou 9% do consumo doméstico de estireno em 2015.
Os drones dos estrategistas da Unigel sempre sobrevoaram as chances de ir além do monômero e PS na cadeia de estirênicos, caso de suas finadas aparições em acrilonitrila butadieno estireno (ABS). Mas nunca passou pela mente do grupo refestelar-se em EPS. “Entendemos que a capacidade produtiva do expansível está adequada ao consumo doméstico, principalmente após a entrada da fábrica da Videolar-Innova”, pondera o diretor. “Portanto, ampliar a oferta de EPS desbalancearia seu mercado local e colocaria em risco um segmento importante para nosso negócio de estireno”.
Tributação desnivelada
Até pouco tempo, nota Souza, a capacidade brasileira de EPS não atendia além de 70% da demanda interna, quadro alterado agora pela adição de 25.000 t/a de pérolas da Videolar-Innova. O diretor da Unigel acrescenta que, em 2015, o trio de produtores locais não rodou a pleno devido à disputa com o expandido do exterior, apesar de o câmbio intimidar as compras externas. “A principal justificativa é a tributação do importado com ICMS de 4% na venda interestadual enquanto a venda do nacional é gravada com alíquota de 7%, 12% ou 18%, a depender da origem e destino”, ele argumenta.
Embora a construção civil mobilize 50% do consumo doméstico de EPS, a presença do expandido no campo do isolamento térmico continua acanhada, apesar de predicados como leveza, reciclabilidade e resistência mecânica e química. “No momento, o expandido é usado à larga no preenchimento de lajes e manufatura de painéis pré-fabricados”, percebe Souza. “Mas essas aplicações respondem por pequena parte do potencial de uso de EPS na construção civil brasileira”. Entre os campos a descoberto no setor para as pérolas, ele exemplifica com soluções de design, drenagem facilitada de terrenos e abertura de estradas.
Alinhado com o princípio de que a autocrítica é o primeiro passo para uma mudança, Souza reconhece o consumo brasileiro de EPS abaixo da média mundial. Para virar essa página, ele confia no taco da comissão setorial de EPS da Abiquim, cujo trabalho segue sem alarde em duas vertentes. “Uma delas é contribuir para a regulamentação técnica do uso de EPS e buscar equidade tributária com alternativas concorrentes na construção civil”, expõe. “A outra frente de trabalho visa difundir as aplicações do material e colaborar na elaboração de normas sobre seu uso e reciclagem”. •