O relacionamento da cadeia plástica brasileira com a indústria automobilística prima pela alta fluidez e densidade. Mas a padronização dos requisitos para os polímeros de autopeças e as políticas de preços num setor regido por diretrizes globais exigem uma reengenharia dos liames entre as resinas e a montagem de veículos. É o que evidencia esta entrevista do engenheiro Mauro de Souza Paraíso, filiado ao braço no Brasil da Society of Automotive Engineers (SAE).
1 Quais as principais dificuldades para as montadoras conciliarem as especificações globais para peças com os plásticos e processos disponíveis no Brasil?
Existe uma relação direta entre as dificuldades técnicas e a viabilidade econômica. A grande diversidade de tipos de materiais plásticos utilizados complica a obtenção de um volume de compra de matéria-prima relevante. Daí a necessidade da atuação do profissional altamente qualificado que, dentro da montadora e com acesso e reconhecimento das áreas de engenharia globalizadas, possa fazer este trabalho de redução do número de classes de materiais existentes nos veículos e entre os diferentes tipos de modelos de autos, de forma a tornar estes volumes relevantes. A propósito, o suporte dado pelos fornecedores de materiais plásticos é, no geral, muito bom e pode ser considerado equivalente ao prestado pelos fornecedores de metais e componentes metálicos. Considero que esta é uma qualidade do brasileiro, de estar disponível para ajudar quando solicitado, mesmo que demande, em um primeiro momento, uma ação sem retorno comercial imediato.
2 Uma forma de as montadoras economizarem com materiais plásticos seria comprar diretamente esses insumos dos fabricantes, através de suas políticas globais de suprimentos. Por que não o fazem em vez de, em regra, deixar essa aquisição a cargo dos fabricantes de autopeças?
Há dois aspectos a considerar. O primeiro diz respeito à responsabilidade técnica sobre o componente. É sempre do fabricante da peça. No caso de a montadora adquirir a matéria-prima e repassá-la, podemos entrar em campo nebuloso, no qual esta definição não fica totalmente clara. Outro aspecto remete à primeira pergunta, pois a diversidade de classes de materiais plásticos muitas vezes não permite à montadora desfrutar na sua compra as condições de negociação proporcionadas pelas políticas globais de suprimentos. É muito comum o fabricante de componentes automotivos ter um poder de barganha superior ao da montadora.
3 Como avalia as possibilidades de um fornecedor de materiais plásticos daqui, sem presença internacional, ter hoje em dia seus produtos homologados para peças originais na indústria automobilística no Brasil?
É possível, mas, sem dúvida, ele perde escala se não tiver presença internacional e precisa saber operar muito bem, com agilidade e tirar vantagem de uma proximidade maior do cliente. O maior desafio é a atualização tecnológica. O fato de uma indústria ser parte de uma multinacional lhe facilita o acesso ao estado da arte na tecnologia de seu interesse. O fornecedor nacional tem de encontrar formas – e isso é possível – de superar esta dificuldade. O número de fornecedores nacionais de plásticos diminuiu, mas, por ora, este encolhimento cessou. Ainda quanto à internacionalização, cabe uma referência aos custos dos materiais plásticos, pois os polímeros têm preços dolarizados e o câmbio no Brasil está sujeito a momentos de instabilidade. Assim, na relação com os fornecedores, é muito importante a transparência sobre os fatores que impactam no custo do produto/peça. Se ela existe, temos uma relação construtiva, na qual o impacto de uma mudança do câmbio é contabilizado na sua medida correta e, sem dúvida, menor do que se a decisão tivesse sido a de importar o componente automotivo acabado. O risco cambial, embora exista em qualquer operação que trabalhe com materiais cotados em dólar, é menor quando se opta pela disponibilidade local da autopeça. •