Um cisco perturba, mas jamais tira o brilho do olhar. Transponha esse preceito para o agronegócio brasileiro e entenda por que, em plena estiagem da economia, a francesa Ipackchem começa a soprar embalagens de defensivos em fábrica zero bala em Paulínia, no interior paulista, aporte orçado em R$ 40 milhões. “Não poderíamos ser um fornecedor internacional do setor agroquímico sem estar presente no Brasil”, justifica Philippe Carasso, diretor geral da filial da Ipackchem. “Investimos com perspectiva de longo prazo e na certeza de que nossa tecnologia agregará valor ao setor. Além do mais, pesou na decisão nosso compromisso com clientes de envergadura mundial”.
Carasso sublinha acreditar no potencial do mercado. Aliás, ele seria notícia se não confiasse. Nas últimas quatro décadas, atestam as lentes ruralistas, o PIB da agricultura brasileira cresceu 3,7% e sua produtividade evoluiu 3% na média anual. De 35 anos para cá, a produção nacional de grãos engordou 198% enquanto a área cultivada não expandiu além de 28%. Para a cúpula do Conselho Científico para a Agricultura Sustentável (CCAS), sem o emprego de produtos fitossanitários a produção agrícola cairia perto de 50% e levaria à duplicação da área cultivada e aumento dos preços dos alimentos. Mas eis que deu-se um ponto fora da curva: a mão que balança o berço dos defensivos escorregou. No ano passado, as vendas de agroquímicos caíram 21,56% sobre 2014, totalizando US$ 9,6 bi, estrago atribuído pelo Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal ao afunilamento do crédito rural, contrabando e ao efeito tóxico do real desvalorizado para um setor ultra atrelado a formulações importadas. O saldo de 2015 traduz recuo ao andaime das vendas de defensivos em 2011. Na mesma clave, o sindicato trombeteia que, na temporada 2016/2017, os preços dos defensivos andam em média 6% mais caros que no ano-safra anterior.
Para piorar a seca na horta, André Nassar, ex- secretário do Ministério da Agricultura, apertou na mídia um botão de alarme: o aumento da relação entre a dívida e a renda ao longo do ciclo 2015/2016, na forma de R$ 289 bi de débitos para um Valor Bruto de Produção (VBP) de R$ 516 bi. Em suma, 55% da renda compromissada com endividamentos. Na porteira do Banco Central, imprevistos do clima em várias regiões afetaram a safra da temporada 2015/2016, finda em junho passado, e os estragos agravaram a inadimplência nas carteiras de crédito rural do sistema bancário – o índice histórico abaixo de 1% para pessoa física saltou para 2,04% em julho, primeiro mês da safra 2016/2017 em andamento.
Praticante do pensamento positivo sem calculadora, generalizado na praça após o impeachment, a Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários projeta crescimento na casa de 10% para a safra 2016/2017, contagiando em sua esteira as vendas de implementos como sementes e defensivos. Por sinal, mesmo com a demanda descendo a ladeira, o Brasil ainda é prezado como o maior mercado mundial de agrotóxicos e, aliás, quando aprovada pelos órgãos antitruste a incorporação da Monsanto, a Bayer deterá 22% desse segmento, calcula a consultoria Allier Brasil.
A Ipackchem se junta ao coro das preces pelo reflorescimento do mercado de agrotóxicos. Aliás, o fato de sua entrada no mercado brasileiro ter sido precedida há bom tempo por uma montanha de concorrentes e a peculiaridade de um deles, a Campo Limpo, ter fabricantes de agroquímicos no quadro societário, não são encarados por Philippe Carasso como óleo e cacos de vidro na pista. “Um projeto desse tamanho requer cuidado no planejamento; estudamos sua possibilidade por cinco anos”, ele contrapõe. “Em 2014, novos investidores determinaram o desenvolvimento internacional entre as prioridades para o grupo”. Desde o ano passado, o controle da companhia parisiense, então à testa de três unidades europeias e uma sul-africana, passou das mãos da norte-americana Chesapeake Corp. para as do fundo privado Cerea Partenaire e da Bpifrance, sociedade entre o banco Caisse des Dépôts e o governo francês.
Sem abrir números, Carasso sustenta dispor na quinta planta do grupo de uma capacidade de sopro de polietileno de alta densidade (PEAD) suficiente para atender os principais clientes no Brasil, entre os quais destaca a maioria dos tops globais em agroquímicos. “A fábrica partiu em junho operando a plena carga”, assevera, brandindo a esperança de dobrar a não especificada capacidade operacional já em 2017. Defensivos, manda a lógica, são a menina dos olhos da Ipackchem no país, mas Carasso vai além. “Temos em vista todos os setores dependentes de embalagens especiais para produtos perigosos, em especial os dependentes de uma barreira”.
Tal como seus concorrentes, a Ipackchem produz em Paulínia recipientes mono e coextrusados com resina de barreira. Mas o portfólio de tecnologias, ressalta Carasso, incorpora também o diferencial das embalagens fluoretadas. Segundo informações da empresa, trata-se da aplicação de níveis controlados de flúor durante o sopro por extrusão contínua de PEAD para criar uma camada de barreira de politetrafluoretileno. O recipiente assim fluoretado numa operação integrada ao processo, completa o diretor geral da Ipackchem Brasil, é homologado como se fosse uma embalagem de PEAD convencional e, como esta, pode ser encaminhado à reciclagem mecânica. “Proporciona menos custos de reciclagem do que o similar coextrusado com barreira de poliamida”, afiança Carasso.
Único produtor no país de PEAD, a Braskem projeta o consumo da resina no sopro para agroquímicos na faixa de 20.000 a 40.000 t/a. “A diferença decorre de grandes oscilações da demanda devido à disponibilidade de crédito rural, preços das commodities, câmbio e questões climáticas”, atribui Júlio Henrique Lottermann, engenheiro de aplicação para PE em artefatos rígidos do grupo petroquímico. Conforme arremata, a Ipackchem pisa o gramado num segmento já servido por cerca de 15 transformadores, entre locais e múltis, com plantas pelo mapa do agronegócio afora. Lottermann retoma o fio descortinando crescimento acima da média para este reduto de sopro, de braço dado com a evolução do PIB agro. No mercado doméstico de PE no Brasil, ele estima, a participação do sopro de embalagens para defensivos e implementos agrícolas correlatos já variou de 8% a 15% nos últimos cinco anos, ao sabor das mencionadas oscilações da demanda.
Os corcoveios do consumo não tolheram o esforço da Braskem em burilar, no âmago de suas resinas de ampla janela de fluidez e densidades, quatro pilares das embalagens de agroquímicos: a questão do inchamento, rigidez e as resistências química e ao impacto, alinha Lottermann. “No momento”, ele solta, “trabalhamos em projetos para ampliar a resistência química da resina sem precisar reduzir sua densidade para obter esse desempenho”.
A quinta fábrica da Ipackchem roda em Paulínia com sopradoras elétricas e o equipamento escolhido foi o modelo Ecoblow montado pela brasileira Multipack Plast. “As plantas da Ipackchem na França, Hungria e Reino Unido sopram com linhas elétricas e, sem dúvida, a seleção da Ecoblow foi balizada pelo exemplo dado por referências dos transformadores desse setor, como a Campo Limpo”, atribui Fernando Moraes, diretor comercial da Multipack.
Philippe Carasso não abre a quantidade de sopradoras em Paulínia e Moraes respeita o mutismo do cliente. Ele comenta apenas que as máquinas compradas primam pela perormfance em silêncio e produzem recipientes de cinco a 20 litros e, tomando como parâmetro uma bombona de 1.150 gramas, a capacidade da Ecoblow em ação em Paulínia, dotada de três estações de resfriamento, é de 140 a 180 unidades/h.
Tal como ocorre em injetoras desse tipo, a economia de energia é a cartada que decide a compra de uma sopradora elétrica. “Em linhas Ecoblow do porte adquirido pela Ipackchem, a redução chega a 45% a menos do que o consumo de eletricidade de uma sopradora hidráulica”, confronta Moraes, sublinhando ainda a ausência de óleo no processo, zerando o risco de vazamento e a necessidade de montar operação para seu descarte correto. Ele completa a mesa dos acepipes com rebarbação, refilamento do gargalo e o controle de peso automatizados e, por fim, o custo de manutenção da Ecoblow. “A experiência na América Latina demonstra ser em cerca de 30% inferior ao mesmo gasto com a linha hidráulica”, situa Moraes. •