A nova dança das cadeiras

Petroquímicas, transformadores e distribuidores reformam o mercado dos plásticos reciclados

A carência e encarecimento de poliolefinas virgens e a animada procura por reciclados de melhor qualidade, encabeçada por indústrias finais pregoeiras da sustentabilidade, são as placas tectônicas que estão mudando o relevo do planeta plástico no Brasil. O efeito dominó desses fatores sobre os recicladores é agridoce. De um lado, os maiores e melhores deles desfilam agora com o crachá verde de promotores da economia circular. Do outro, porém, a indústria recicladora como um todo começa a encarar um novo normal: o desembarque de petroquímicas (Braskem e Indorama), transformadores e distribuidores de resinas virgens na produção e comercialização de plásticos para segundo uso. É este o prato fumegante e ao molho de incógnitas e controvérsias servido nesta entrevista por Paulo Francisco da Silva, acatado olho de lince da cadeia recicladora à frente da sua Consultoria Agora Vai Brasil.

A oferta de plásticos reciclados pós-consumo de boa qualidade já justifica a revenda de parte de sua produção por distribuidores designados pelos recicladores?
Tenho de separar aqui o mercado de plásticos reciclados. Os materiais chamados commodities enfrentam o estigma de serem procurados apenas para obtenção da redução de custos; a qualidade fica em segundo, quando não em terceiro plano.
Já o mercado dos reciclados vip, também denominados de engenharia, preza muito mais o fator qualidade, mas sempre de olho em alguma redução de custo. Com as margens atuais, não vejo espaço comercial para incluir um distribuidor de imediato neste mercado. Além do mais, é notório que o uso do reciclado exige muito mais atenção do transformador, em virtude das maiores variações técnicas presentes num mesmo lote. De outro ângulo, a melhora do padrão do reciclado é um caminho ao qual o Brasil não pode se furtar, pois cada vez mais as exigências mundiais de práticas de sustentabilidade batem às nossas portas.

O que os distribuidores podem proporcionar aos transformadores de reciclados que escapa do atendimento dos recicladores?
Os distribuidores de resinas virgens podem usar seu cadastro de clientes ativos ou não e oferecer o reciclado de forma complementar. O cuidado a ser tomado é com os objetivos dos seus clientes. Afinal, noto muitas empresas que recorrem ao plástico reciclado com o intuito de baixar custos, seja adicionando esse material aos polímeros virgens, ou então, quando possível, substituindo-os na totalidade. Fazem isso para obter um “respiro” financeiro num mercado muito competitivo e, por vezes, beirando a insanidade nos preços praticados. Nesse contexto, dar suporte técnico ao cliente transformador implica agregar valores ao produto reciclado ofertado, de modo que é necessário ficar antes muito claro para o distribuidor se as margens de comercialização da resina recuperada contemplam os custos adicionais dessa prestação de serviços.

Boa parte dos distribuidores é adepta de ensacar o plástico reciclado com marca própria, ocultando o nome do reciclador do material. Quais as consequências disso para o agente e o reciclador?
Quando o distribuidor embala e comercializa o produto, torna-se o responsável técnico pela mercadoria perante o cliente. A propósito, no passado uma distribuidora de resina virgem da Grande São Paulo fechou a compra da produção de uma pequena recicladora.
No primeiro momento, o negócio aparentava ter dado certo, mas, assim que surgiram estorvos com a obtenção de sucatas, variações de volume, qualidade e local de coletas, começaram os problemas técnicos na operação dos transformadores clientes. As reclamações, cancelamentos e devoluções chegaram ao ponto de o distribuidor e o reciclador fecharem as portas.

Quais as possibilidades de o distribuidor de reciclado ser responsabilizado por um material vendido cujo desempenho na linha de transformação não bate com o laudo certificador entregue pelo reciclador?
Transformador que compra reciclado de distribuidora vai reclamar da performance com ela e exigir solução o mais rápido possível, pois o quadro envolve hora/máquina, hora/homem, planilhas de produção. Por vezes, aliás, o produto transformado foi vendido por antecipação e precisa ser entregue logo à indústria finai que o encomendou. Esse comportamento frustrante do reciclado na planta transformadora ocorre com grande incidência. Afinal, as sucatas plásticas costumam provir das mais variadas origens e produzidas com uma diversidade de materiais virgens submetidos a diversas tecnologias de transformação.

Como o reciclador pode evitar que seus clientes diretos sejam assediados pelo seu distribuidor?
É algo impossível de ser evitado e vez por outra aferido. Estão todos no mercado e, salvo honrosas exceções, os clientes de reciclados commmodities não se prendem a este ou aquele fornecedor; querem saber primeiro dos preços, depois olham qualidade, atendimento e suporte pós-venda.

Poderia dar referências e ações de logística reversa entre o reciclador, seu distribuidor e o transformador do material recuperado?
A Braskem deve ser citada como exemplo, em razão do seu empenho de viabilizar a reciclagem de alguns materiais pós-consumo de alto padrão. É o caso da iniciativa de recuperar resíduos de big bags produzidos com seu polipropileno (PP) virgem numa recicladora parceira e os pellets de homopolímero obtidos foram canalizados pela Braskem para aplicações como tampas. Minha consultoria, Agora Vai Brasil, contribuiu para concretizar uma ação significativa de logística reversa. Seguinte: a convertedora paranaense Inplasul gera aparas de filmes que são recicladas na Grande São Paulo, mesma região onde operam a micronizadora desse material recuperado e a transformadora que o rotomolda em forma de paletes para bobinas que substituem os de madeira na matriz da Inplasul. Embora o preço inicial dos paletes rotomoldados seja maior, o balanço de um ano de uso atesta que eles não necessitam de substituição, enquanto a vida útil dos de madeira fica na média de 60 dias. Outro detalhe: os paletes plásticos são recicláveis. Em suma, uma vez esgotada a durabilidade deles, seus resíduos alinham-se à economia circular permitindo a volta do ciclo de reciclagem e geração de novos paletes rotomoldados.

Braskem já vende suas poliolefinas pós-consumo recicladas que são encomendadas a recicladores parceiros e a empresa parte no fim do ano sua planta de reciclagem. Seus maiores distribuidores de resina virgem estão entrando com força na venda de reciclados. Quais as alternativas para os recicladores centrados apenas nesta atividade ficarem menos fragilizados perante essa concorrência endurecida?
Esta é uma questão interessante e suscita as mais variadas conjeturas A Braskem pretende partir até o final do ano uma planta recicladora de 14.000 t/a de poliolefinas pós-consumo em Indaiatuba (SP). Se o mercado for receptivo ao material ofertado, a empresa poderá expandir o potencial da unidade sem deixar de utilizar a rede atual de recicladores parceiros.
Estamos diante de um grande player que, em breve, vai mudar o paradigma dos reciclados commodities no mercado. No devido tempo, a Braskem trará para o seu lado os maiores recicladores da praça e espera-se que, finalmente, um novo marco na relação valor x preço x qualidade agregada seja implantado.
Pelas estimativas correntes, temos em torno de 1.800 recicladoras de plástico no Brasil. Quantas delas produzem acima de 150 t/mês? Não mais de 400. Ou seja, temos um universo de 1.400 produzindo pouco e agindo apenas em áreas estritamente regionais. Isso envolve compra da sucata, manuseio e venda do reciclado. Os grandes recicladores, inclusa a Braskem, têm uma preferência pelo transformador médio e grande. Pela lógica, o efetivo de transformadores fora desse topo, é suprido e fidelizado pela massa de recicladores menores e que, tal como seus clientes transformadores, prima por baixa escala, controle familiar e recaídas na informalidade. De qualquer forma, há espaço para todos. Com o mercado agora bem mais disputado, a hipótese de um reciclador menor buscar fôlego financeiro em alternativas fora do seu negócio, como a revenda de insumos do exterior, não é plausível. Isso depende de capital, estrutura de importação própria ou de terceiros e esbarra em complexas logísticas operacionais, legislação tributária confusa, ineficiência portuária e tantos outros empecilhos.
Outra alternativa − aditivar poliolefina reciclada exceto com carbonato de cálcio ou outra carga menos nobre e ainda sem respaldo de laboratório básico − é chamar problemas.
Enfim, diante desse cenário e aproveitado a cobrança geral de adequação da cadeia plástica à economia circular, a ideia de o reciclador oferecer serviços mais completos e inerentes à sua atividade será bem-vista pelo mercado e mais compensadora para ele.

Sob pressão da procura crescente por reciclado de qualidade, acha que transformadores de embalagens capitalizados tendem a investir cada vez mais na reciclagem de aparas para depois usar ou vender esse material?
Por volta de um ano atrás, eu cantei essa pedra em reportagem de Plásticos em Revista e fui a única fonte ouvida que assumiu essa tendência do mercado. Dados setoriais de agosto último atestam que pelo menos 35% dos equipamentos para reciclagem de plásticos foram adquiridos por transformadores de embalagens ou usuários de volumes expressivos de materiais reciclados. Os motivos por eles alegados foram sempre ligados à qualidade dos produtos reciclados recebidos, inconstância dos volumes oferecidos, ou então, relacionados à falta de pleno atendimento das suas programações de suprimento.
Variações expressivas nos preços e a frequente indisponibilidade de grades virgens, como observado desde o ano passado, vêm influindo para muitos transformadores verticalizarem seu suprimento de reciclados. Neste novo normal, muitas modalidades de negócios tiveram de se reinventar e isso chegou ao setor de reciclagem. Para quem está no ramo bem estruturado no plano técnico, administrativo e tributária, há uma oportunidade flutuando à sua frente.

“Mercado”

Risco de trombada com a vida real

“Ainda é pequena a oferta de reciclados pós-consumo de origem segura e boa qualidade e sua comercialização no país por distribuidores de resinas virgens depende do estipulado no contrato deles com suas bandeiras petroquímicas”, pondera Eder Ottolini Balbani, dirigente da Ottolini Representações com alta quilometragem no varejo dos termoplásticos. “Além disso, ainda não predomina no setor a mentalidade focada na produção de reciclados de melhor padrão. Em alguns casos, por sinal, grades recuperados custam mais que os de primeiro uso. Por fim, a maioria dos recicladores não oferece material de padrão homogêneo e trabalha com uma diversidade de fontes dos resíduos”. Para o transformador atrás de resina para segundo uso, apenas os quesitos do custo e garantia do reciclado podem diferir na transação tratada com o reciclador e o distribuidor, julga Eder, varrendo das diferenças entre os dois canais de venda a qualidade do material oferecido e suporte técnico. “Alguns distribuidores não gostam de ofertar reciclados, pois era comum no passado testar uma amostra para fechar a compra e receber um lote de características diferentes, caso da grande variação constatada no índice de fluidez”. Balbani também fulmina a estratégia comercial do ensaque do reciclado de terceiros com a marca do distribuidor. “A partir do momento em que coloca sua marca, a responsabilidade pelo material passa para o vendedor”. Quando o assunto passa para a precificação do reciclado condizente com o aumento de sua qualidade hoje insistido pelos arautos da economia circular, Balbani percebe risco de trombada desse reajuste com a vida real. “Será que o mercado brasileiro estaria disposto a pagar a mais por um produto devido apenas ao apelo ecológico? Sejamos sinceros: o consumidor aceita a ideia da sustentabilidade até ela bater no bolso”.

Um equilíbrio delicado

Recicladores se abrem ao trabalho com distribuidores, mas cada um no seu quadrado

“Os distribuidores colocam resina virgem em empresas que as petroquímicas teriam dificuldade de atender com eficiência e não vejo porque eles não teriam condições de fazer o mesmo com materiais reciclados”, pondera Bruno Igel, CEO da Wise, recicladora cultuada pelo padrão de excelência e desbravamento de aplicações. “Há mais de 10.000 transformadores no país e, devido ao conhecimento e relacionamento mantido com eles, a distribuição tem como levar o reciclado a companhias provavelmente inalcançáveis pelos recicladores”.
O histórico do varejo do plástico transborda de episódios em que distribuidores deparam com suas bandeiras de resinas invadindo seus clientes. Para evitar essa saia justa no recém-iniciado convívio de recicladores com agentes por eles autorizados, Igel sugere a adoção dos mesmos parâmetros de separação de carteiras hoje acordado para resinas virgens entre varejistas e petroquímicas. “O fato é que a maioria dos recicladores carece de estrutura para cobrir a amplitude geográfica do mercado e para suprir o universo dos transformadores pequenos, abrindo espaço assim para a distribuição atuar”. Até o passado recente, ele assinala, plástico reciclado era associado a uma maneira de economizar na matéria-prima e sua qualidade era fator secundário. “Isso tornou o mercado de reciclagem muito local; o transformador buscava o reciclador da sua cidade ou região e ponto final”. Corte para hoje: à medida que caia a ficha da responsabilidade sócio-ambiental, enxerga Igel, transformadoras menores se abrirão a alternativas de reciclados de melhor padrão e origem segura. “Nem sempre recicladores maiores terão como suprir a contento esses transformadores de perfil mais compatível com a capacidade técnica e o alcance abrangente dos distribuidores”, ele reitera.

Depuração a caminho
Prática recorrente no varejo de materiais virgens, o ensaque de reciclado com a marca do distribuidor é repudiado pelo CEO da Wise. “O polímero reciclado continua longe de ser uma commodity pura e resinas do mesmo tipo produzidas por diversos recicladores, mesmo quando acompanhadas de fichas técnicas completas, podem diferir em seu comportamento na linha de transformação e na performance do artefato moldado”. Além da qualidade hoje exigida com mais veemência para o material reciclado, ele salienta, hoje vigora entre transformadoras dedicadas a produtos para marcas finais top of mind uma inclinação por fornecedores (recicladores incluso) que se esmerem em práticas de qualidade, governança e sustentabilidade. Por sinal, encaixa Igel, são esses os pontos cobertos pela sua série Ecowise de grades recuperados de polipropileno (PP) e polietileno de alta densidade (PEAD).
Diante das levas de recém-chegados ao seu mercado, recicladores tateiam as possibilidades de resistir melhor à concorrência endurecida. Entre elas, vem à baila a ideia de diversificar o negócio, mesma estratégia aliás hoje abraçada mundialmente por distribuidores, transformadores e petroquímicas e, entre os caminhos apalpados consta o desembarque desses segmentos na resina reciclada. “Cinco anos atrás, a reciclagem ficava na periferia da indústria plástica e agora, impulsionada pela economia circular, virou protagonista”, constata Igel. “Essa relevância faz com que os diferentes players do setor se movimentem no reduto do plástico recuperado e o saldo das iniciativas tentadas será a depuração desse mercado ao longo do tempo”. Para o dirigente, tudo ruma para uma paisagem de recicladoras cada vez maiores e atualizadas, com resinas melhores e custos decrescentes. A Wise voa nessa rota e, indagado sobre meios para diversificar sua operação, Igel comenta estar sempre de olho em oportunidades de suprimento regular de refugo pós-consumo. “Foi por isso que adquirimos em 2017 participação numa gestora de resíduos em Paulínia (SP), próxima da nossa sede em Itatiba, para assegurar acesso a uma cota de matéria-prima de qualidade”.

Ganha-ganha
Para Adriano Tanaka, diretor comercial da Clean Plastic, recicladora de poliolefinas de estonteante ascensão (em dois anos sua capacidade saltou de 1.500 para 5.000 t/mês), a resina recuperada de alto padrão já passou de desejo a destino do seu setor. “Grandes marcas buscam cada vez mais esse material, aumentando a concorrência entre seus fornecedores e, por tabela, esquentando o mercado”, ele percebe. E o desembarque de novos entrantes é bem-vindo. “Grandes players como a Braskem ajudarão no desenvolvimento da indústria recicladora”.
Com duas plantas no Paraná e uma em Pernambuco, a Clean entra com tudo no clima desse novo normal. “Temos interesse na comercialização de materiais da empresa por distribuidores de resina virgem”, revela Tanaka. “Já temos, por sinal, alguns parceiros varejistas que revendem nossos grades e, quando escolhermos um distribuidor, a relação comercial será pautada por regras contratuais bem claras a respeito de tópicos como a definição dos clientes repassados ao agente e dos prazos para ele atendê-los”. O diretor também não se opõe à ideia do ensaque de reciclado com marca própria do distribuidor. “Podemos até embalar os produtos com a marca dele nas nossas fábricas e já fazemos isso para determinados parceiros”, conta Tanaka. “Para o distribuidor, é mais uma maneira de fortalecer sua marca”.
Embora a Clean tranquilize a clientela com uma infra de certificação laboratorial e de assistência técnica de primeira linha, Tanaka entende que o pulo do gato para o distribuidor bombar no balcão dos reciclados é a venda fracionada e o contato em canal direto com clientes ativos. Ele ressalta, porém, que o comércio do material embute nuances inexistentes na revenda de plástico zero bala. “As características técnicas de resinas recicladas diferem das do polímero virgem e daí porque sua utilização pode ser mais complexa na linha do transformador e requerer parâmetros diferentes de processamento; tanto é assim que, para determinadas aplicações, recomenda-se combinar teores dos materiais recuperado e virgem”, ele exemplifica, expondo a necessidade de o distribuidor se informar devidamente antes de entrar em campo.
No Brasil, todas as petroquímicas exigem que seus distribuidores sejam monobandeira. Do outro lado do balcão, Tanaka não vê sentido em agir da mesma forma. “Acreditamos que contar com mais de um distribuidor pode ser mais vantajoso e contribuir para aumentarmos a produção de reciclados”, ele defende. “Trabalhar com um único agente pode não ser suficiente para corresponder à demanda por materiais da Clean”.
Tanaka também entrevê um ganha-ganha em ações de logística reversa da Clean com seus possíveis agentes autorizados. “Podemos desenvolver iniciativas na linha do que fazemos com vários transformadores: eles nos enviam suas aparas e resíduos pós-consumo e o material reciclado resultante é adquirido da Clean por distribuidores deles para ser revendido na praça como matéria-prima para novos produtos”.

Marca imprópria
Décio Boschetti, presidente da Sulpet, pedra de toque da reciclagem de poliolefinas e PET (convencional e grau alimentício) em sua região, encara com pé atrás os olhares sobre seu setor desferidos por distribuidores de resinas virgens. “No momento, não vejo rentabilidade suficiente para o reciclado ser comercializado por distribuidores devido aos custos elevados da matéria-prima”, ele justifica. Mas há lugar para atenuantes nessa percepção. “Na medida em que produtores de material virgem começam a ver na reciclagem uma alternativa e não um concorrente, toda a cadeia tende a ganhar”, pressupõe o dirigente. “Também é óbvio que parcerias entre distribuidores e recicladores serão importantes para ambos e há várias modalidades à escolha”.
A preferência entre comprar reciclado do produtor ou seu agente varia conforme a necessidade, pondera Boschetti. “Ao comprar do reciclador o transformador desfruta o acesso direto ao fornecedor, reduz custos e garante a qualidade do material adquirido”, ele delimita. “Já ao fechar negócio com o distribuidor, ele assegura que o volume mensal que precisa seja atingido”. A propósito, o fundador da Sulpet não vê com bons olhos a prática de distribuidor ensacar com sua marca o reciclado de terceiros relegados ao anonimato. “Por melhor que seja sua qualidade, o material sofre variações devido à origem da matéria-prima”, ele atesta. “A embalagem com marca do distribuidor acondiciona produtos de diversos recicladores sem poder proporcionar, portanto, um padrão de qualidade. Já para o reciclador que topou essa prática, o risco é o desaparecimento do ponto de venda da qualidade que diferencia seu material, dando assim a ele a conotação de commodity”.

Logística diferenciadora
Sangue azul em PET pós-consumo reciclado grau alimentício, Irineu Bueno Barbosa Junior, sócio e diretor da Global PET, não vê abalos em seu mercado com a chegada de distribuidores de resina virgem. “Nosso foco é produzir melhor e mais barato, para manter a empresa saudável para a disputa com múltis produtoras de PET virgem com braço na reciclagem”, estabelece o dirigente, em alusão à unidade mineira de PET reciclado grau alimentício controlada pela subsidiária brasileira da petroquímica Indorama. “Quanto à entrada de distribuidores na revenda do reciclado, eles contam com força logística superior à dos recicladores, por repartir o frete entre vários materiais e assim suprirem pontos de consumo distantes e em volumes impraticáveis para recicladores os igualarem em eficiência e custos nesse atendimento”, expõe Barbosa, salientando não saber de recicladoras de PET que estejam investindo em logística páreo para a da distribuição. “No plano geral, a reciclagem da resina caminha para a produção em larga escala de poucos grades padronizados.”
O fato de a oferta nacional de PET reciclado não ser avantajada não dificulta o trabalho do distribuidor, julga Barbosa. “O ponto-chave para o agente é discernir as vantagens que uma revenda eficaz pode agregar ao produto”. Conforme argumenta, o setor da reciclagem de PET possui indústrias de grande porte com políticas de negociação talhadas para consumidores de peso. “Nem sempre elas favorecem potenciais clientes sem essa estatura e é aqui que o distribuidor pode ser imprescindível para a popularização do material”.
O ensaque de PET reciclado com a marca do distribuidor tem prós e contras na balança de Barbosa. É um lance válido, ele coloca, para o distribuidor fortalecer sua imagem de apoiador da economia circular e o conceito positivo do plástico reciclado, sem falar da conveniência para o distribuidor de não depender de uma única fonte do material recuperado, pois pode comprá-lo de vários produtores mantendo sua marca na sacaria. “Mas para isso acontecer, o distribuidor precisa ter muita confiança na estabilidade prolongada da qualidade do produto adquirido”, condiciona o dirigente. Mas no tocante a PET reciclado grau alimentício, ele distingue, o nome do reciclador deve ser revelado pelo distribuidor quando a aplicação exigir o registro da resina na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Um caminhão de oportunidades

Distribuidores na revenda de reciclado estimulam produção do material

O evangelho da economia circular e a ausência, até segunda ordem, de investimentos em mais fábricas locais de resina virgem fertilizam o jardim para os plásticos pós-consumo reciclados (PCRs) desabrocharem em volume e qualidade no Brasil e, na garupa dessa florada, já toma vulto a sua revenda por distribuidores autorizados. “A demanda dos transformadores será atendida com esses materiais, complementando a oferta dos polímeros para primeiro uso”, aposta Laercio Gonçalves, CEO da distribuidora blockbuster Activas e presidente da Adirplast (Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins). “A ampliação do portfólio de PCRs, em quantidade e diversidade de grades, justifica a abertura de espaço para distribuidores em sua comercialização, amparados em sua força logística, capilaridade e garantia da origem dos produtos”.
Na trilha da linha divisória traçada no âmbito da resina virgem entre petroquímicas e distribuidores, Gonçalves descarta a possibilidade de sobreposição entre agentes e recicladores na venda de PCRs. “O quadro envolve perfis diferentes de clientes”, distingue o dirigente. “Volumes grandes e regulares cabem ao suprimento contratado com o reciclador e as indústrias menores, que dominam em número os transformadores, são a vocação da distribuição”. A propósito, ele acha que a cultura monobandeira, vigente no Brasil para a revenda autorizada de resina virgem, deve ser estendida à distribuição autorizada de PCRs. “O comércio multibandeira tem mais a ver com revenda e importador independentes”.
Prática em ação no mercado, o ensaque de PCRs de terceiros com marca do distribuidor merece análise mais ponderada de Gonçalves. “Há o PCR commodity e destinado a aplicações mais simples e os tipos de melhor padrão, como os distribuídos pela Activas com a marca das petroquímicas responsáveis por sua reciclagem e certificação”. Ele acrescenta que reembalar PCRs pode integrar a estratégia de um distribuidor, mas essa opção pode torná-lo co-responsável, ao lado do reciclador, na eventualidade da entrega de produtos fora do padrão assegurado.
Além de distribuir poliolefinas e PET pós-consumo reciclados, a Activas já envereda pelas oportunidades de negócios em logística reversa. Gonçalves exemplifica com o envio de sua frota para levar material virgem e trazer sacaria das unidades de transformadores clientes para a recicladora parceira Wise gerar o polímero recuperado a ser vendido para novas aplicações. “Essa operação também racionaliza nossos custos de transporte”, completa o distribuidor.

“Braskem”

O catalisador da mudança

“A demanda por soluções sustentáveis tem aumentado, em especial após brand owners se comprometerem em prol do uso de matérias-primas renováveis e recicladas”, considera Fabiana Quiroga, diretora de economia circular da Braskem na América do Sul. Nesse contexto, ela amarra as pontas, diferentes modelos de negócios devem ocorrer para alavancar a produção de resinas para segundo uso. “A distribuição terá papel fundamental na comercialização desses materiais, amparada no conhecimento logístico e abrangência para desenvolver oportunidades e soluções de circularidade”, ela antevê.
A Braskem, aliás, é o catalisador dessa mudança. Produtora das resinas virgens mais consumidas, polietileno e polipropileno, ela não só possui a maior rede de distribuidores de termoplásticos, como é a principal estimuladora da produção de PCR de alto padrão no país. Essa dianteira é fruto de desenvolvimentos com brand owners, transformadores e recicladores de elite e de ineditismos na petroquímica brasileira, a exemplo da parceria com a empresa Tecipar numa usina de triagem de resíduos sólidos e orgânicos vindos da coleta pública e da sociedade com a empresa Valoren numa planta recicladora de 14.000 t/mês de poliolefinas pós-consumo, agendada para partir até dezembro em Indaiatuba, interior paulista. Fabiana retoma o fio sublinhando que a companhia possui mais de 50 grades de resinas recicladas, entre soluções e no pipeline. “Desde julho, por sinal, opera em nosso Centro de Tecnologia e Inovação, em Triunfo (RS), a estrutura Ilha de Reciclagem, idealizada para testar o desempenho de resinas recicladas e conceber soluções que aliem as necessidades do mercado e a redução do impacto ambiental”.
Na garupa dessas credenciais, é óbvio o poder de fogo da Braskem para esporear a almejada arrancada de PCR premium, mesmo diante de um cenário até o momento ditado por resinas recuperadas commodities e de baixo valor agregado e por uma mentalidade que vê no reciclado apenas um meio de baratear a transformação. No tocante à comercialização de PCR de boa qualidade, a Braskem já sensibiliza a praça, ilustra Fabiana, com uma gama crescente de poliolefinas para segundo uso no bojo do portfólio I’m green recycled™, materiais também revendidos por seu quinteto de agentes autorizados. Fabiana não comenta a praxe entre distribuidores de ensacar com sua marca PCR de terceiros, mas isso está fora de cogitação para os materiais de sua empresa. “A marca I’m green recycled™ foi criada para dar voz aos produtos de clientes, apoiando a comunicação do valor sustentável presente em seus materiais”, ela estabelece. “A venda de grades com esta nossa marca significa que a Braskem desenvolveu a formulação do PCR produzido, acompanhou o controle de qualidade e garante sua especificação para o uso em vista pelos clientes”.

Solução completa
Apesar dos aplausos e hurras dos devotos da sustentabilidade, a disponibilidade doméstica de PCR de boa qualidade ainda não é satisfatória. A expansão da oferta também depende da demanda do reciclado ser estimulada pela sua condição de matéria-prima circular e não apenas como um produto inferior e voltado apenas para reduzir custos do transformador, considera Fábio Koutchin, gerente de negócios para soluções circulares da Piramidal, pedra de toque da distribuição brasileira de termoplásticos. “Nesse contexto, é importante garantir que o PCR de alto padrão também seja acessível a transformadores menores e médios, uma lacuna que um distribuidor com a capilaridade da Piramidal preenche”. Amauri dos Santos, sócio executivo da Piramidal, informa que a empresa gira hoje na média de 8.500 t/mês, mantém em estoque permanente ao redor de 4.500 toneladas e atende anualmente 6.000 clientes ativos e 2.450 por mês. “Chegamos no cliente de PCR ou resina virgem que seu produtor teria dificuldade de atender”, sumariza Koutchin.
Em paralelo à comercialização de PCRs das petroquímicas Braskem e Unigel, a Piramidal ensaca com sua marca Eccoar grades reciclados de PET, polipropileno (PP) e polietileno (PE) de parceiros selecionados, conta Koutchin. “ A linha Eccoar visa oferecer ao mercado uma solução completa com a chancela da Piramidal na roupagem de um mostruário variado de PCR de alta qualidade para suprimento regular e condições competitivas”. A possibilidade de materiais Eccoar não corresponderem na linha de transformação aos dados de sua ficha técnica foi afastada pela distribuidora na seleção de parceiros que cumprem os requisitos especificados para os PCRs fornecidos. “Mesmo com os avanços tecnológicos, materiais reciclados ainda possuem algumas limitações de performance e uso, questões tratadas de forma antecipada e transparente com nossos clientes, aliás contemplados com o mesmo suporte pós-venda desfrutado por quem compra resina virgem”, acentua o gerente.

De cima para baixo
Um ponto fora da curva nesse mercado é o caso da distribuidora Fortymil e da recicladora Plastimil, ambas na ativa há quase 50 anos e controladas pela família Guerreiro Mason. Desse privilegiado observatório, o diretor Ricardo Mason percebe que o interesse mais aceso por PCR de alto padrão é um movimento iniciado por brand owners e, a tiracolo, seus grandes fornecedores de embalagens. “Aos poucos, à medida em que se alastre pelos mercados de produtos, essa mudança vai extrapolar para os transformadores menores”, ele antevê. “Devido à sua capilarização, será o distribuidor quem levará essa nova oportunidade ao mercado mais pulverizado”. Com essas peças no tabuleiro, ele assinala, o distribuidor surge para o reciclador como mais um canal organizado para ofertar PCR. “Há na praça recicladores de perfis diferentes, tal como os agentes autorizados e eu acho que tudo converge para que distribuidores sérios se somem a recicladores qualificados ajudando a homologar esses produtos no mercado como um todo”.
A Fortymil distribui PCRs top de linha da série Near Prime produzidos pela Plastimil. Mason descarta a possibilidade da distribuidora vender outras linhas de produtos da recicladora coligada, pois suas atuações são distintas. “O foco da Plastimil é tomado por PCRs desenvolvidos a pedido, provenientes de aparas ou refugo pós-consumo e com suporte de equipe técnico-comercial específica”, ele justifica. “Desse modo, além, de garantir a repetitibilidade e origem do insumo, a empresa providencia o acompanhamento in loco na manufatura do cliente numa operação credenciada pela ISO”.

Soma multiplicadora
Rodrigo Brayner Fernandes, sócio e diretor da Eteno, único distribuidor de poliolefinas da Braskem sediado no Nordeste, enxerga no desembarque de agentes autorizados na revenda de PCR de qualidade um investimento com retorno a médio e longo prazo. “O mercado desse material é complexo e ainda carece do volume necessário para o desenvolvimento de produtos de prateleira, praxe no âmbito da resina virgem”, ele argumenta. “No entanto, os distribuidores conseguem agregar valor a esta oportunidade com o know how para facilitar a negociação entre organizações maiores e menores”.
A junção de forças de distribuidor com reciclador no comércio de PCR, rumina Fernandes, constitui uma soma que multiplica o saldo. “A grande maioria dos recicladores é de menor porte e sem a estrutura necessária para internalizar toda a operação, de modo que seu cliente transformador arca com dificuldade para certificar e garantir a procedência da matéria-prima”, pondera o dirigente. “Já os distribuidores atuam bem mais perto dos transformadores e possuem bagagem para desenvolver projetos, compartilhar sua estrutura e criar valor para toda a cadeia do PCR”.
No contrafluxo de uma robusta corrente de opinião, Fernandes não vê maiores empecilhos no ensaque de PCR de recicladores anônimos com marca do distribuidor. “A marca própria agrega valor ao produto e enquanto não ocorre a capacitação efetiva do reciclador menor, o distribuidor exercerá o papel de assumir esse selo de qualidade”. •

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