A espada sobre a cabeça

Ruptura na indústria automotiva ricocheteia na cadeia plástica

À primeira vista, os indicadores das vendas de veículos leves no primeiro trimestre dão a impressão de que a indústria automobilística levita acima do xororô de um monte de setores de manufatura e serviços pisoteados pela economia em frangalhos. Apesar da ociosidade acima de 40% numa capacidade para 5 milhões de autos em geral e da falta de competitividade para exportar, como prova recente estudo situando a produção automotiva brasileira 18% mais cara que a do México, as montadoras venderam no país 581.000 unidades de carros de janeiro a março, acima das 528.000 do mesmo período em 2018.
Seria o início da volta aos inesquecíveis 3,5 milhões de autos emplacados em 2014? O segundo parágrafo dos números revela que continua longe a hora de botar champanhe no balde. Pois, conforme foi noticiado, entre as causas chave dos aumentos nos licenciamentos de veículos leves, pinta o canal das vendas diretas. Ou seja, o faturamento de pacotes de carros para frotas de empresas e locadoras, transação embalada por gordo desconto devido ao montante em jogo. Mesmo com as margens assim reduzidas, a montadora aplaude a venda por ocupar sua fábrica nesses tempos carrancudos. Aí vem o efeito bumerangue: bela parcela das locadoras descobriu o negócio paralelo de vender seus seminovos, ferrando a receita de concessionárias à sombra dos preços inferiores aos dos lojistas, conseguidos quando elas compraram aqueles lotes de carros zero km. Os lucros saltaram tanto que as locadoras deram de renovar seus carros a intervalos menores. Por essas e outras, a venda direta, pela régua do setor automotivo, respondeu por 43% do mercado interno de veículos leves novos no primeiro trimestre contra 37% de janeiro a março de 2017.

A ascensão das locadoras ao cordão dos puxadores das vendas de carros também reflete o cada vez mais visível interesse das novas gerações por serviços privados de transporte em vez de adquirir um carro. Apesar da teima cega da publicidade automotiva em adolescentes para estrelar campanhas enaltecendo o prazer de dirigir, a realidade urbana mostra que uma típica cena identificadora do consumidor millenial é a do jovem de iPhone na mão rastreando a vinda do Uber que chamou.

Essa indiferença da juventude, as compras das locadoras, a nova mobilidade urbana e o crescimento da população idosa, que troca de carro com baixa frequência, são espadas sobre a cabeça da indústria automobilística. Em efeito dominó, sobe a tensão para os lados dos plásticos de engenharia que, no Brasil, têm nas autopeças seu maior mercado. A enxaqueca promete piorar com os adventos do motor elétrico e do aparato digital repaginando os carros. Daí porque já se antevê o sumiço de aplicações sobre rodas que já orgulharam o plástico, desde peças do compartimento do motor a combustão ou o tanque de combustível até os espelhos interno e retrovisores, deslocados por sensores, ou volantes apeados por joysticks. Além do mais, toma vulto no I Mundo a adesão a alternativas metálicas como alumínio para rivalizar com plásticos na leveza de peças externas. Tudo isso hoje coincide com um enfraquecimento mundial da produção automobilística, ultra dependente de caixa para não perder o bonde da ruptura já em curso na manufatura, comércio e uso dos veículos.

Ao encarar essas previsões de tempo instável, nossa cadeia plástica automotiva costuma contrapor que nada é para já; tratam-se de movimentos a longo prazo. Acontece que a noção tradicional de dimensão do tempo também foi para o vinagre na atualidade alucinante da globalização digital. Pré-internet, quando as mudanças transcorriam mais lentas, a praxe nos EUA era conceder a um inventor o monopólio sobre sua ideia por 20 anos, fora o período entre o depósito e a obtenção efetiva da patente. Corte para hoje: a maioria das tecnologias corre risco de ficar obsoleta antes da sua patente ser deferida. •

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