No calor do bombardeio das delações da JBS sobre Brasília e de suas avarias reflexas na economia, o dirigente brasileiro de um bíceps global em plásticos de engenharia não se abate. Ele se aferra à visão do negócio craneado para muito além desse momento quando questionado sobre a penúria de seu maior mercado, a indústria automobilística. Sua produção hoje equipara-se aos patamares de 2008 e ela opera com mais de 50% de ociosidade na capacidade para montar 5 milhões de veículos ao ano. “Apesar dos descalabros da política e do empobrecimento da população, o Brasil permanece um mercado de gigantismo merecedor da atenção e o povo gosta de consumir. O Brasil superou outras crises tão graves quanto esta. Essa crise vai passar e a eventual mudança do presidente nada muda no horizonte a longo prazo do mercado nem derruba essas características do país. A produção de carros não vai tardar a retomar aquele nível do passado, perto de quatro milhões de unidades”.
À frente de integrada operação de plásticos de engenharia no país, o dirigente entoa, até por dever de ofício, um discurso pra cima. Só faltava essa – dizer algo capaz de acentuar o desânimo de clientes já jururus. Assim, o executivo ressalta a convicção de que o Brasil surpreenderá ao saltar da maca da UTI já no ano que vem. Ele descarta, inabalável, a possibilidade de rever seu pensamento dianter do fato de a produção automobilística ter batido recorde sob o ambiente de euforia irreal da Nova Matriz Econômica, em vigor de 2002 a 2014, responsável também pela bolha imobiliária e seu estouro. Ele chega a aceitar, mas sem voltar atrás, o argumento de que brasileiro é chegado a consumir porque jamais passou por conjuntura de privação, como guerras, capaz de lhe incutir o hábito de poupar para dias melhores. Além do mais, nosso histórico de voos da galinha e mudanças nas regras no meio do jogo entranharam na sociedade a noção de comprar quando os recursos estão na mão, pois amanhã ninguém sabe.
No início dos anos 1970, causou furor no ensino superior dos EUA a palestra “Interpretação histórica: o julgamento sob incerteza”, proferida pelo psicólogo israelense Amos Tversky. Ele botou os historiadores contra as cordas ao criticar uma tendência deles: pegar fatos que tivessem observado (negligenciando muitos outros, inclusive os impossíveis de se notar) e narrá-los de modo a se encaixarem numa descrição lógica e persuasiva.
“Com demasiada frequência”, ponderou Tversky na conferência, “vemo-nos incapazes de prever o que vai acontecer; contudo, após o fato, explicamos o que aconteceu com grande dose de confiança. Essa ‘capacidade’ de explicar o que não temos como prever, mesmo na ausência de qualquer informação adicional, representa uma importante, ainda que sutil, falha em nosso raciocínio. Ela nos leva a crer na existência de um mundo menos incerto do que realmente é e que somos menos inteligentes do que realmente podemos ser. Pois, se podemos explicar amanhã o que não temos como prever hoje, sem qualquer informação extra, a não ser o conhecimento do efetivo resultado, então esse resultado deve ter sido determinado de antemão e devemos ser capazes de prevê-lo. O fato de que não pudemos fazê-lo é tomado como uma indicação de nossa inteligência limitada e não da incerteza inerente ao mundo. Com demasiada frequência, tendemos a nos censurar por ter deixado de prever isso que mais tarde parece inevitável. Até onde sabemos, a escrita podia ter estado na parede o tempo todo. A questão é: a tinta era visível?”
Aquele dirigente dos plásticos de engenharia antevê um final feliz ao final da escrita na parede do Brasil, enquanto outros só captam hiatos e reticências e o acaso prossegue fazendo das suas. A leitura continua. •