Transformados que fizeram história no Brasil, como o primeira pulverizador costal de agroquímicos atestam a taxa alta de glóbulos de inovação na corrente sanguínea da Unipac, divisão de plásticos, cerâmica e borracha do grupo Máquinas Agrícolas Jacto. Fundado por Shunji Nishimura na cidade de Pompeia (SP), ele hoje agrega empresas atuantes nos segmentos agrícola, de transporte, veículos elétricos, maquinário para limpeza, fundição e saneamento. Para diversificar ainda mais, a corporação entrou recentemente em componentes médico-hospitalares, nicho sem o menor parentesco com aqueles nos quais ela forma opinião em plástico desde 1966. A Unipac, por seu turno, hoje corresponde a cerca de 30% dos negócios do grupo, cuja receita em 2013 foi recorde: R$ 1.397 bilhão. À frente das operações, com o crachá de presidente executivo da Jacto-divisão Unipac, está Marcos Antonio Ribeiro, primeiro CEO da transformadora sem o sobrenome Nishimura. Na companhia desde 1991, ele é técnico mecânico e administrador de empresas, com MBA na Dom Cabral e pós-MBA na Fundação Instituto de Administração (FIA). Nesta entrevista, Ribeiro repensa a caminhada da Unipac e se apega à vocação dela para produtos complexos e de baixa tiragem para manter o negócio com torque aceitável com a economia brasileira no acostamento.
PR – A Jacto/Unipac fez fama como produtora de transformados para o setor industrial e agronegócios, áreas dependentes de escala e resinas commodities. Por quais motivos a empresa entrou recentemente em componentes cirúrgicos, um campo de materiais nobres?
Ribeiro – Nossa empresa sempre foi inovadora. Antes do plástico éramos uma oficina metalúrgica. Por volta de 1965, a Jacto comprou a primeira sopradora, iniciando a divisão de plásticos no grupo. Pouco depois, na década de 1970, a Unipac começou a produzir embalagens para transporte de produtos químicos, em substituição ao vidro. Se olharmos para o portfólio do grupo, temos negócios na área de saneamento, equipamentos de alta pressão para limpeza, aspiradores de pó e veículos elétricos, para citar alguns campos distintos entre si.
A área médica nasceu não diretamente para ortopedia, onde estamos hoje, mas fornecendo produtos para o setor hospitalar, como ventiladores mecânicos e aparelhos de anestesia, equipamentos dependentes de peças de resinas como polissulfona (PSU), aliás um material de processamento muito particular. Em 2006, um cliente nos convidou a suprir esses componentes, mas eles precisavam ser produzidos em sala limpa (clean room). Montamos essa instalação e, a partir daí, começamos a fornecer peças para a indústria farmacêutica, então injetados em alta escala e à base de resinas commodities.
A seguir, firmamos parceria com a Fundação Adib Jatene, no Hospital Dante Pazzanese (SP), em torno da fabricação de uma bomba de circulação extracorpórea, empregando material nobre em volume menor. Àquela altura, começamos a investigar o mercado médico no Brasil. Em grande parte, ele ainda é suprido por produtos importados. No campo da ortopedia, fomos atrás dos implantes, dominado pelo titânio e uma participação menor do aço inox. Fora do Brasil, já havia implantes bioabsorvíveis. Iniciamos o desenvolvimento de um produto próprio, com características inovadoras inclusive em comparação a similares fornecidos por multinacionais. Conduzimos todo o projeto, desde o laboratório até a validação da degradação, com protocolo científico de avaliação com animais e apresentação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O processo demorou aproximadamente quatro anos e obtivemos o registro em setembro de 2014. Agora, portanto, estamos aptos a vender o produto para uso em humanos.
PR – Como conquistar terreno nesse nicho dominado por importados?
Ribeiro – Trata-se mesmo de um nicho e a barreira de entrada é alta. O projeto da bomba de circulação extracorpórea, de policarbonato (PC), levou seis anos para ser concluído. O implante ortopédico levou quase cinco. Uma das barreiras de entrada é o tempo de desenvolvimento. No mercado de sopro, à guisa de comparação, as etapas de concepção da embalagem, confecção do molde e início da produção são completadas em menos de seis meses. Na área médica, em particular em segmentos onde atuamos, como o de implantes e produtos para administração intravenosa, as exigências da Anvisa são muito altas.
PR – Isso justifica a criação de uma razão social à parte da Unipac?
Ribeiro – Decidimos criar a Sintegra Surgical Sciences primeiramente por questões regulatórias. Em segundo lugar, o pessoal que trabalha lá tem outra cabeça. São ortopedistas, cardiologistas, enfermeiras e alguns engenheiros de materiais. Ou seja, competências que não tínhamos. Não se trata apenas de processar uma resina, mas é preciso atentar para questões como contaminação. O produto sai da fábrica, passa pela esterilização e é implantado no paciente. O conceito muda. É outro mundo.
PR – O grosso do atendimento hospitalar no Brasil provém da rede pública, de verbas à míngua. Não é um inibidor para um investimento desse tipo?
Ribeiro – Pode ser, sim. Mas precisamos olhar o conceito da companhia. Temos um propósito quando decidimos montar um negócio ou empresa. Ganhar dinheiro é parte do meio, não do fim. O objetivo da área médica é trazer soluções que não existem para a saúde no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem lá seus problemas. Mas, ainda assim, fizemos o projeto da bomba de circulação extracorpórea com um hospital público. A ideia foi ofertar um produto acessível inclusive aos usuários do SUS. Obviamente, com isso vem a tecnologia. Temos de atender a todos os protocolos. Claro que precisamos remunerar o investimento e o negócio precisa ser rentável para haver reinvestimento e continuar crescendo.
PR – Qual é a participação de artefatos plásticos produzidos pela Unipac para uso cativo do grupo Jacto?
Ribeiro – Hoje está entre 18% e 20% em todos os processos que administramos, incluindo sopro de plásticos, cerâmica e borracha.
PR – Na área automobilística, por que a Unipac concentrou seu foco em caminhões e agroveículos e não extrapola para carros de passeio?
Ribeiro – Uma das competências do grupo é trabalhar com baixo volume. Isso significa que a manufatura precisa ser muito flexível. Fazer o set-up numa sopradora de grande porte é muito custoso e nossa história começou no mercado agrícola, um segmento com essas características. Você não vende um milhão de tratores ou um milhão de colheitadeiras. Produzimos itens de alta complexidade e baixos volumes, algo bem específico de caminhões e agroveículos.
PR – A Unipac se apresenta como primeira produtora de caixas d’água no Brasil. Trata-se de um sólido campo de materiais de construção e fortalecido por cisternas de PEAD distribuídas pelo governo no semiárido. Por que a Unipac saiu desse negócio?
Ribeiro – Esse é um mercado de varejo. Por volta de 2004 e 2005, revisitamos nosso propósito como divisão dentro do grupo e concluímos pelo foco em business to business. Ou seja, sabemos vender para a indústria, para outras empresas. Assim, nos desfizemo de toda a parte de caixas d’água, garrafas térmicas e produtos destinados ao varejo. Essa é também uma das razões pelas quais constituímos uma empresa à parte para a área médica.
PR –Qual porcentagem da receita da Unipac é destinada a P&D e qual estrutura dispõe para isso?
Ribeiro – Temos uma área de pesquisa, com doutores na área de materiais e processos, e um departamento de desenvolvimento de produto. Aportamos entre 3% e 3,5% do faturamento da Unipac em P&D. Contamos também com muitos acordos com universidades dentro e fora do Brasil, a exemplo da Alemanha, Japão e EUA.
PR – Apesar da vocação para o plástico, a Unipac dedica-se também à produção de peças de cerâmica. Qual a justificativa?
Ribeiro – As peças de cerâmica já existiam dentro do grupo. São peças técnicas. Em determinado momento de reorganização da companhia, foi entendido que uma área concentraria tudo o que era polímero. Por isso, somos a divisão de plástico e a marca é Unipac. Ainda assim, a atividade das peças cerâmicas veio para nós administrarmos, assim como as áreas de borracha e compósitos (termofixos).
PR – Não há conflito de materiais por aplicações?
Ribeiro – Sim e o objetivo é esse mesmo. Assim, ofertamos ao cliente a melhor solução.
PR – O grupo Jacto é de controle familiar. Na Unipac, você é o primeiro CEO fora da linhagem dos fundadores. Pesou nessa ruptura do modelo de gestão a falta de preparo ou desinteresse pelo cargo por parte da nova geração da família Nishimura?
Ribeiro – Foi uma questão cronológica, por conta da distância de idade entre a segunda geração e a terceira. Havia um acordo, entre os acionistas, de uma data limite para saída de Jiro Nishimura, meu antecessor, das operações. Depois disso, ele iria para o conselho e assim foi feito. Mas a geração seguinte ainda era muito jovem; nada a ver com desinteresse. Temos hoje, por exemplo, uma pessoa da terceira geração que é gestor de um dos negócios.
PR – Os jovens hoje preferem buscar trabalho em serviços em lugar da indústria que, por sua vez, se ressente da crescente escassez de pessoal qualificado. A Unipac confirma isso?
Ribeiro – Pela minha percepção, o jovem não vai atrás do setor de serviço em detrimento da indústria. No entanto, ele procura algo que tenha propósito. Busca mais identificação da companhia com os objetivos particulares em relação ao ambiente e ao que quer da vida. Na minha geração, entrávamos em uma empresa para trabalhar e sobreviver. Acho que o jovem procura algo relacionado àquilo que ele pensa. Participo de entrevistas com estagiários e eles me perguntam o motivo de a empresa existir. Pela amostragem que chega à nossa fábrica, o candidato quer trabalhar e se entregar por inteiro a uma atividade, porém não quer fazer trabalhos manuais.
PR – Como a empresa lida com o despreparo da mão de obra, em especial para o chão de fábrica?
Ribeiro – Esse despreparo é uma verdade, inclusive em nossa região (oeste paulista). O problema começa no ensino fundamental. Não é uma questão só do curso técnico, mas de uma deficiência existente desde o início da formação escolar. Fizemos um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em Pompeia, que prepara mão de obra para a indústria plástica. Os jovens entram na escola com 16 anos, se formam com 18 e estão prontos para trabalhar na indústria. Ainda assim, sempre formamos pessoal dentro da empresa, com tutores ajudando os iniciantes.
PR – Em comparação à epoca em que entrou na Unipac, a qualificação de um jovem candidato a uma vaga melhorou ou piorou?
Ribeiro – A qualidade do ensino está pior, não é uma questão de qualificação. Hoje em dia, há mais pessoas com nível superior do que no passado. Mas, comparando um mesmo técnico ou engenheiro de 20 anos atrás, naquela época o pessoal era mais bem preparado.
PR – Como é o grau de intervenção manual dentro dos processos da Unipac?
Ribeiro – Está diminuindo e assim vai continuar. A automação é caminho sem volta. Noto pelo número de pessoas que empregávamos no passado por tonelada processada.
PR – A Jacto tem fábrica na Tailândia. Compare os custos, carga tributária, infraestrutura e ambiente de negócios daqui com os de lá.
Ribeiro – Na Tailândia, a empresa produz pulverizadores costais. Os custos são mais competitivos, a matéria-prima é mais barata e o salário base é um pouco mais baixo. Mas a grande diferença está na carga tributária, bem menor do que aqui. Lá não há altas tarifas para importação de maquinário como no Brasil e o investimento não é tão tributado. A burocracia existe, mas é mais ágil e o governo não intervém no negócio.
PR – Diante da revolução do gás de xisto barateando resinas e energia, da recuperação da indústria norte-americana e do vigor econômico do México, qual a chance de montar uma fábrica no bloco Nafta?
Ribeiro – Como negócio, isso me parece muito oportuno, principalmente no México. Sempre olhamos as oportunidades. Já estudamos no passado e fomos para a Tailândia por questões de mercado.
PR – Com a globalização cada vez mais forte do mercado e das compras de componentes, além da pressão das cadeias mundiais de manufatura, como a Unipac encara a hipótese de se aliar a um player de peso internacional?
Ribeiro – Não temos restrições. Sempre vamos olhar a questão da agregação de valor. Temos, por sinal, um contrato com uma empresa internacional no sentido de agregar valor para a cadeia. Prefiro não declinar o nome. Nós ofertamos ao mercado um produto em conjunto. Em vez de entregar um tanque, fornecemos todo o sistema de combustível já montado.
PR – Como foi 2014 para a Unipac?
Ribeiro – Um ano desafiador. O mercado de caminhões caiu drasticamente, o agrícola passa por um momento crítico com a queda do preço das commodities e isso afeta a rentabilidade. Não foi um ano desastroso, mas não estamos soltando rojões. •