Nos últimos 70 anos, o mercado dos plásticos foi determinado, em essência, pelo crescimento do PIB e substituições de materiais concorrentes. Esta página virou. As mudanças vêm empoleiradas nas expectativas de maior tempo de vida e taxas menores de fertilidade, na primazia dada à experiência da posse em lugar da propriedade e no estrelato alcançado pela sustentabilidade; tudo isso convergindo para a tendência de reduzir o consumo de plásticos e de compartilhamento de bens e serviços. Um dos motores dessa guinada, a Geração Y ou Millenials, dos nascidos entre 1980 e 2000, faz a festa de institutos de pesquisa e consultorias, através de estudos pagos a peso de ouro, por setores como a cadeia plástica, ávidos por decifrar suas ideias e hábitos de consumo. Para iluminar uma lanterna na proa dessa corrente e sem recorrer a intérpretes intermediários, Plásticos em Revista apresenta aqui uma integrante da melhor cepa da Geração Y. Aos 21 anos, Amanda Victória Büneker é assistente de marketing, atuante em especial em redação e mídias sociais, da agência de publicidade Big Dream 360º (www.bigdream360.com), sediada na gaúcha Tupandi, a cerca de 90 km de Porto Alegre. Nesta entrevista, ela opina sobre plástico, sustentabilidade e economia circular com todo o personalismo e franqueza que o setor do material anseia por assimilar para não ser desplugado da também chamada geração internet.
A catequese didática da população em favor da proteção ambiental acumula mais de 20 anos no Brasil. Por que a maioria das indústrias de produtos finais ainda reluta em desfrutar as vantagens do ecomarketing revelando o emprego do reciclado em seus componentes e embalagens?
Em geral, isso se dá por questões de público-alvo, posicionamento de mercado e, por conseguinte, estratégia de marketing. Muitas marcas hoje optam pelo marketing ecológico porque percebem no mercado um nicho de compradores que busca, especificamente, este tipo de consumo. Todavia, essa ainda é uma pequena parcela do público. Para muitos, a economia e qualidade ainda são os fatores de maior importância. Trata-se de pensamento resultante, principalmente, da situação sociocultural, política e econômica do mundo. Basta olharmos para questões públicas – a situação econômica ainda é reivindicada pela população muito antes de qualquer questão ambiental.
Dessa forma, para o mercado em geral e o marketing/publicidade das empresas, manter as estratégias voltadas ao público de massa (com enfoque em economia e performance), há décadas utilizadas e que ainda mostram resultado, apresentam-se como um caminho muito mais fácil e lucrativo para o negócio. Mudar a estratégia custa tempo e dinheiro e pode não render o esperado, fora atrelar à marca o compromisso com uma causa que, muitas vezes, ela não poderá cumprir eticamente a longo prazo ou em todos seus setores.
O precário nível de educação que caracteriza a média da população, apesar da adesão maciça às redes sociais, pode levar o consumidor padrão a interpretar a presença divulgada do material reciclado como indicador de um produto de qualidade inferior, ou então, que deveria custar mais barato por utilizar matéria-prima de segunda mão?
Realmente, por mais que a questão de sustentabilidade esteja presente nos currículos educacionais há algumas décadas, assim como nas mídias, muitas pessoas são o que se considera como analfabeto ecológico. Em outras palavras, grande parcela do público não compreende ou o conceito ou a prática ou ambos de uma vida sustentável. O que inclui a reutilização de matéria-prima e consumo incentivado pelo marketing ecológico.
Isso ocorre, pois, mesmo com a educação e informação constituindo bases importantes para qualquer compreensão de mundo, tornam-se também necessárias ações que desenvolvam o senso crítico da sociedade. São a chave para podermos entender questões de âmbito social e ecológico, a exemplo de compreender que as ações estão conectadas em redes e que uma prática possui certas consequências de curto e longo prazo. Contudo, infelizmente, se o acesso ao conhecimento já é precário, imagina a prática de interpretá-lo em toda a sua complexidade. É praticamente nula e prova disso são as próprias redes sociais. Estão disponíveis para grande parcela da sociedade, mas a maioria das pessoas não sabe utilizá-la de forma consciente e crítica; basta vermos a proliferação de fake news (notícias falsas). Em suma, temos diversos usuários de mídias digitais, entretanto, a maioria deles é analfabeta digital.
É neste ponto que se encontra o problema. Temos pleno acesso à informação e conhecimento. Contudo, não somos instigados e ensinados a desenvolver o senso crítico que nos levará a olhar as situações além do linear e simplório. Por isso, quando uma empresa divulga algo sobre a reutilização de um material, muitos não compreendem a necessidade dessa prática e seu real significado num espectro maior, e, assim, a estratégia de ecomarketing acaba não alcançando o impacto esperado. Para alguns falta o conhecimento, mas, principalmente para a grande maioria, o que é escasso é a interpretação crítica da situação.
O único plástico reciclado permitido no Brasil para contato direto com alimentos é o PET reciclado pela tecnologia bottle to bottle (BTB). Acontece, porém, ser corriqueiro no Brasil que indústrias alimentícias usuárias desse material não divulguem que o fazem porque, a depender do preço e disponibilidade, podem substituí-lo pela resina virgem. Como vê essa praxe do ponto de vista do ecomarketing? Trata-se de greenwashing?
Este caso específico não pode ser categorizado como greenwashing, pois o conceito aplica-se a quem utiliza o ecomarketing como promoção, mas não segue suas premissas éticas no dia a dia da empresa. Assim, as empresas, de certa forma, estão corretas ao não construir uma imagem irreal por meio da divulgação de uma prática sustentável que, em algum momento, pode não ser aplicada devido a questões econômicas.
Não que a ação em si não seja questionável eticamente, ainda mais em uma era da produção ecologicamente correta, na geração na qual consumidores são incentivados a conhecer a origem dos produtos e práticas das marcas que consomem. Mas, por parte da empresa, atrelar à marca a causa de ecologicamente correto pode ser uma ação perigosa caso o negócio não consiga totalmente se encaixar nas premissas exigidas por esse viés de produção.
Consumidora millenial e especialista em comunicação, você apoia o banimento dos produtos descartáveis ou confia no trabalho feito por empresas e governo de conscientização do brasileiro em prol do descarte correto? Por que esta sensibilização permanece tão dura de emplacar?
O cerne da questão não se trata de banimento, mas de consumo consciente e substituição. Muitos materiais popularizados no dia a dia comercial, devido à sua praticidade, são, na verdade, desnecessários, não possuem vida útil longa e podem facilmente ser substituídos por opções de cunho sustentável. Nesse caso, o novo pensamento do consumidor, que aos poucos se reflete no mercado e políticas públicas, é uma soma da conscientização realizada ao longo dos anos.
Percebe-se que, mesmo com a possibilidade de reutilização e reaproveitamento de materiais como o plástico, em certos casos o uso original já é uma prática insustentável. Não que o plástico deva ser banido, mas sim, que seu uso deve tornar-se consciente e não somente o pós-consumo. Vale lembrar que o pensamento com foco em reutilização, instituído no século XX como ecologicamente correto, hoje não mais abrange todos os pontos necessários para uma sociedade verdadeiramente sustentável.
Portanto, sim, eu apoio o uso consciente de materiais descartáveis. Nos casos desnecessários e de impacto agressivo, como canudinhos, sacolas plásticas, absorventes e fraldas, acredito que sua substituição por opções reutilizáveis e biodegradáveis seja uma resposta mais saudável ao meio ambiente.
Poderia dar exemplos de estratégias de ecomarketing que a indústria brasileira do plástico poderia adotar para melhorar a imagem institucional do material?
A proposta do marketing ambiental parte do marketing de causa, no qual a premissa é atrelar uma causa social à marca com o intuito de transmitir senso crítico, humanidade e responsabilidade social à empresa, características cada vez mais exigidas no mercado. Na prática, ecomarketing é tornar do conhecimento do consumidor as ações ecologicamente corretas realizadas pela marca, dando base à ideia de sustentabilidade e, consequentemente, atrelando as características de marketing de causa citadas acima. Diferentes estratégias podem ser utilizadas juntamente ao ecomarketing para muní-lo de credibilidade, ponto que pode ser classificado como o principal problema da indústria do plástico. É necessário quebrar o paradigma de que a indústria do plástico é insustentável, ou seja, uma vilã do meio ambiente.
Visto isso, o mais importante seria investir em ações cuja mensagem central seja a profundidade e transparência de informações, como inbound marketing (marketing de conteúdo). É hora de abandonar a antiga publicidade agressiva, focada na venda, e desenvolver estratégias de informação que acrescentem valor à marca. Outras grandes opções são o storytelling e storydoing – a prática de contar estórias/narrativas que seduzem o público por meio da emoção. Unir outras causas (como saúde e classes sociais) ao tema ambiental também aprofunda e humaniza as estratégias de forma mais consistente.
A indústria de higiene & beleza pessoal é dos pouquíssimos setores no Brasil em que grandes marcas divulgam às claras o uso de material reciclado nas embalagens. Como avalia a influência real de tal apelo de sustentabilidade para motivar a compra desses produtos pelo consumidor brasileiro?
Um conceito encontra-se dentro do outro. Como explicado anteriormente, o marketing de causa oferece uma gama de causas sociais (gênero, LGBT, racial, étnica, saúde, classe econômicas, etc) com a qual a marca pode se envolver com ações e atrelar a sua imagem. Uma delas é a questão ecológica, que pode ser aplicada de diversas formas, muitas delas práticas do marketing ecológico. No geral, a influência final no consumidor e no consumo ainda é de pequena parcela, principalmente se comparada a ações de marketing referentes a outras causas sociais. Mas já é possível identificar um nicho específico que leva a questão ecológica em conta na hora da compra. São provas disso as empresas totalmente voltadas a este ramo (lavagens ecológicas, produtos veganos ou reutilizáveis etc), o crescimento de conceitos como slow fashion (moda lenta) e o consumo compartilhado.
Falo também por vivência própria, já que nos últimos anos venho transformando meu modo de consumo, buscando conhecer as marcas e suas éticas antes da compra, além de incluir produtos reutilizáveis e veganos em minha rotina, como o coletor menstrual e produtos de marcas de produção consciente e artesanal. Da minha experiência, percebo que não é algo simples mudar a forma de consumo em massa e de alta produção (profundamente incorporada na sociedade). Leva tempo, senso crítico de coisas que muitas vezes não paramos para pensar ou ignoramos, e dinheiro. Esses pontos configuram barreiras para muitos consumidores. Para grande parcela, o consumo de marcas eco-friendly é fora do orçamento (em geral são mais caras), mobiliza um tempo antes inexistente na rotina (em geral oferecem produtos de menor praticidade ou a transformação de consciência, o que, em si, leva tempo) e um senso crítico que é complexo para a sociedade e o formato de mercado que temos hoje. Mas, aos poucos, o mercado está mudando, alinhado com as novas gerações de consumidores. Elas vêm se tornando mais conscientes e exigentes quanto ao papel social das marcas. A propósito, ressalto que, nas questões sociais, os consumidores se transformam em ritmo rápido, enquanto o mercado e a comunicação são em, regra mais lentos e resistentes aos ajustes. Portanto, não é o mercado, mas o consumidor quem, em primeiro lugar, incentiva a mudança de comportamento em quase todos os casos.•