Cena 1- Uma indústria componedora se viu em saia justa com um cliente porque, ao produzir o lote do pedido, o operador ministrou o teor de determinado aditivo muito abaixo do percentual recomendado para a aplicação em vista e as peças injetadas com este composto foram reprovadas pela indústria final, devido às propriedades mecânicas a desejar, e devolvidas ao fornecedor. Efeito dominó, a suspeição da culpa sobrou para a componedora que, posta contra a parede, partiu em auditoria atrás da causa do erro no material entregue. Noves fora, descobriu-se que o operador da máquina não sabia calcular porcentagem e, pior, não era o único na equipe e seu nível de preparo não destoava do padrão encontrado pela empresa na praça. Para preencher essa lacuna de conhecimentos primários, a componedora bancou curso de aritmética reforçada para o chão de fábrica e sua diretoria agora prefere mudar de assunto quando ouve falar em Indústria 4.0.
Cena 2- Vice-presidente da filial brasileira de múlti de produtos essenciais propõe exclusividade a Plásticos em Revista na publicação de artigo que acabara de escrever. Em suma, o texto constava de uma conclamação pela junção de forças entre empresariado, poder público e consumidores em prol do desenvolvimento sustentável. Até moléculas de sucata plástica já depararam com zilhões de matérias nessa linha. Mas, diante da oportunidade de contar com o figurão na edição e para sugerir como diferenciar sua abordagem do tema, foi lhe proposto considerar a inserção de três pontos no seu artigo. Um deles: como transpor o engajamento na sustentabilidade em pleno vigor no I Mundo para países emergentes onde a prioridade básica é o combate à carência na educação, infraestrutura, segurança e regulamentação, por exemplo, vindo a preocupação ambiental bons degraus abaixo. Outro ponto: grandes empresas, como a do articulista, investem tempo e recursos em prol da sustentabilidade, mas o governo brasileiro quebrado e até por barganhas políticas não faz a sua parte. Como sair dessa? Por fim, uma coisa é pertencer à tropa da elite produtiva, signatária de acordos ambientais globais etc e tal, e outra coisa é a parcela dominante no Brasil de empresas nacionais menores e médias, menos capitalizadas e muito mais preocupadas em sobreviver heroicamente no mercado doméstico (ainda mais na crise atual) do que com o derretimento de icebergs. Como incutir nelas o senso de urgência em acertar o passo com a economia circular?
Fim da intenção de publicar o artigo.
Cena 3- Múlti de alimentos trombeteia na mídia a meta de tornar todas as suas embalagens recicláveis ou reutilizáveis até 2025. O mundo gira e a Lusitana roda cada vez mais rápido. Portanto, um anúncio desse naipe exige referências algo palpáveis do que se tem em vista. Plásticos em Revista remeteu à gerência de sustentabilidade da filial brasileira do grupo pedido de entrevista indagando se e como a empresa pretende abolir as embalagens flexíveis laminadas one way e caixas cartonadas que tanto utiliza, dada sua reciclagem sabidamente onerosa e complexa, e o que sugere de fato para sensibilizar o consumidor brasileiro para o descarte correto, já que o saldo de mais de 20 anos de catequese educacional é hiper insatisfatório.
A empresa achou as questões demasiado complexas e melhor deixar a entrevista para outra vez.
Amarrando-se as pontas, transparece das três cenas uma ansiedade típica dos tempos atuais, de tapete vermelho estendido para o marketing e para a obtenção de resultados imediatos com dispêndio de mínimo esforço. Tudo a favor, portanto, da queima de etapas para se acertar o passo com a manufatura inteligente e a harmonia entre o crescimento econômico e o controle do meio ambiente. O problema é tocar o concerto sem saber sequer ler a partitura e tirar som do instrumento. •