Da baquelite naquele negro telefone fixo ao filme de celulóide nas máquinas fotográficas, a fila de materiais e aplicações ceifados pelo andar da tecnologia é ativo fixo da saga do plástico. A história promete repetir-se sob o advento em curso da Quarta Revolução Industrial, identificada por simulações virtuais, inteligência artificial, realidade aumentada e impressão 3D. Sob a velocidade atordoante de dois rolos compressores – globalização e digitalização –, despontam agora como fortíssimos candidatos a engrossar a turma de aposentados plásticos as peças técnicas usinadas e, nas suas pegadas, o hardware de sua produção – desde os tarugos, chapas e tubos às máquinas-ferramentas. A contagem regressiva foi aberta pela popularização relâmpago da manufatura aditiva entre indústrias que antes compravam componentes usinados para sua operação fabril. “A tendência é diminuir cada vez mais a usinagem de peças especiais porque a impressão 3D por sinterização a laser é mais rápida, tem custos melhores, não gera desperdício de matéria-prima e o equipamento está cada vez mais acessível”, sustenta Marcio Marques, gerente de produto para buchas e mancais autolubrificantes da base no Brasil da igus, bússola alemã em peças técnicas de plástico e soluções industriais.
Materiais sem outro processo de moldagem exceto a tradicional usinagem estão pela bola 7, antevê o executivo. “O processo caminha para acabar”, assevera Marques. “Hoje em dia, são pouquíssimos os tarugos poliméricos de resistência superior à dos filamentos para impressão 3D. As usinagens tendem a permanecer apenas em aplicações bem severas e não atendidas pelos filamentos. Além do mais, o alto custo dos centros de usinagem contribui para a preferência pela impressão 3D”.
A igus espelha essa revolução com uma peça técnica de geometria complexa e cuja manufatura, pela via da usinagem, consome em regra semanas: a engrenagem dupla. O quadro inspirou a empresa a lançar um configurador on-line de engrenagens destinadas à impressão 3D e obtidas de filamentos de iglidur 16, especialidade plástica em pó criada pela igus. Sem trabalho manual, a operação se completa em segundos; basta o projetista selecionar o módulo apropriado de engrenagem, definir o número de dentes e a transmissão do torque, a exemplo de um quadrado perfurado ou um buraco achatado ou com chaveta. Marques resume em três passos o funcionamento dessa pá de cal na usinagem. “Entre com as dimensões no configurador e exporte o modelo STEP. Após baixá-lo no serviço on-line de impressão, selecione o material iglidur 16 e informe a quantidade. Use a engrenagem impressa imediatamente”. Na mesma trilha, a igus dimensiona a rentabilidade da impressão 3D no fornecimento de pequenas engrenagens. Com base num lote de 100 unidades, o modelo em iglodur 16 com diâmetro de 12 mm e profundidade de 16 mm tem custo individual de R$ 30,00 versus R$ 45,00 do similar usinado. Além do mais, salienta teste laboratorial da empresa, uma engrenagem de iglodur 16 não acusa desgaste após um milhão de ciclos a 5N/m de torque e 12 rpm, enquanto um contratipo usinado com poliacetal (POM) revela vida útil três vezes menor – deteriorações severas são notadas após 321.000 ciclos.
“A impressão 3D industrial proporciona peças de produção antes impossibilitada pelas tecnologias existentes, com novas opções para o planejamento, projeto e construção dos componentes”, constata Rodrigo Maldonado, supervisor de vendas da divisão de plásticos de engenharia da subsidiária brasileira da alemã Röchling, turbo global em materiais nobres e semi-acabados (chapas, perfis, tubos etc) para usinagem e agora com braço estendido na manufatura aditiva.
A Röchling já acumula perto de cinco anos de coexistência com processos de fabricação de camadas superpostas com os quais peças tridimensionais podem ser geradas numa única etapa. Maldonado esclarece que a empresa é adepta da tecnologia de sinterização a laser (SLS), pela qual estruturas 3D podem ser obtidas a partir de materiais em pó à base de poliamida 12 – mérito da sua alta resistência mecânica, química e à abrasão – e submetidos a este tipo de radiação eletromagnética. Desse modo, ele amarra, pequenos lotes e protótipos de peças técnicas são entregues com rapidez pela rota SLS, dispensando as demoradas fases de perfuração, fresamento, torneamento e serração integrantes da usinagem CNC. “Estamos oferecendo protótipos prontos para testes pré-série e a produção de pequenas quantidades de peças complexas em nosso centro especializado em impressão 3D”, acena Maldonado.
Único transformador nacional de peças usinadas a topar falar a Plásticos em Revista, Luiz Alencar Carniel, presidente da gaúcha Nova Plásticos não pressente declínio da demanda em seu segmento. “Estou no ramo desde 1980 e presencio desde então a ocupação gradual e em pequenas partes do plástico usinado no tradicional mercado do metal”, ele considera. “O nicho das peças de alta qualidade, usinadas com plásticos técnicos, de tolerâncias mínimas e acabamento bem elaborado tende a permanecer”. No arremate, Carniel afirma que utilizar a impressão 3D ou aderir à alternativa de revender insumos, em regra importados, para este processo não estão em cogitação.
“A usinagem continuará existindo e crescendo com o amplo uso de diversas resinas”, julga diplomático Marcos Curti, diretor responsável pelo negócio de plásticos de engenharia da Solvay no continente americano. “Entretanto, a usinagem tem limites de design que a impedem de atingir as características das peças em 3D, cuja impressão simplifica a manufatura de peças estruturalmente complexas. No curto prazo, porém, a usinagem prosseguirá como um acelerador de desenvolvimentos, com lugar na produção em pequena escala de peças técnicas”. Na Europa, a Solvay já escanteou a alternativa da usinagem imprimindo peças de reposição para suas plantas locais e há anos manda ver na vitrine dos materiais para filamentos 3D com sua linha de PA 6 em pó Sinterline Technyl, desenhada para o processo SLS.
Jane Campos, CEO da subsidiária brasileira da Radici Plastics, tinto nobre italiano em poliamidas, não refoga sua percepção em fogo brando. “O custo do filamento ainda é elevado perante o produto extrusado para usinagem, mas sua redução é uma questão de tempo”, ela antevê. “Em geral, peças usinadas em polímeros são grandes ou de baixas tiragens, não justificando a confecção de moldes. Na impressão, entretando, não ocorre a significativa perda de produto verificada na usinagem”. Por tabela, ela já capta na praça um clima de preparativos para o adeus à usinagem. “Com o avanço célere da impressão 3D, imagino que, em breve, teremos condições de imprimir peças em nossas empresas e residências. O preço das máquinas já é relativamente baixo e poderemos comprar projetos e simplesmente imprimí-los”. Jane enxergou essa reviravolta em pleno esplendor na montagem em maio da feira do plástico norte-americano NPE. “Anos atrás, a prototipagem concentrava o uso da impressão 3D e havia poucas opções de polímeros de engenharia para o processo e agora a variedade de grades aumenta com rapidez, assim como a oferta de peças funcionais impressas”.
É um terreno minado para polietileno de alta densidade e ultra alto peso molecular (PEADUAPM), pois moldável por ora apenas pela usinagem, posta em sinuca de bico pela impressão 3D. Entre seus maiores produtores mundiais, a Celanese negou entrevista, mas Christopher Glee, diretor global de UTEC, marca do polímero poliolefínico da Braskem, deu sua avaliação do quadro. “Conceitualmente, a impressão 3D de peças de PEADUAM aparenta grande potencial, uma vez que poderia contribuir para diminuir custos ao longo da cadeia de valor”, ele expõe. “No entanto, trata-se de um polímero que derrete mas não flui, característica que traduz desafio relevante para os processos de impressão 3D”.
A depender do projeto, a impressão 3D pode ser de 20% a 60% mais rápida que o processo de usinagem, dimensiona Tiago Ferraz de Barros, gerente de marketing para a América Latina da 3D Systems, ponta de lança dos EUA em impressoras. “A usinagem não se presta a produção de peças muito complexas e apenas a impressão 3D corresponde à qualidade em vista”, assinala o executivo. “A liberdade de poder mudar ou corrigir um projeto e ter as peças em mãos em questão de horas faz toda a diferença em prol da impressão 3D e é a tendência real em peças técnicas”.
Ao contrário da usinagem, ela é um processo aditivo, ou seja, o objeto é construído a partir do uso sem desperdício da sua matéria-prima e, por extensão, de custo”. Justo pela aptidão para atender a uma ampla gama de tipos de projetos e geometrias e por trabalhar com materiais à base de poliamida, resistentes e de boa resolução, Barros recomenda para peças técnicas a impressora ProX SLS 6100.
“Por meio da impressão 3D, estamos saindo de uma manufatura à base de tecnologias ultrapassadas para um modelo mais eficiente, rápido e de custo final menor”, percebe Barros. Entre as rotas para a impressão, ele distingue a tecnologia SLS. “Permite grande variedade de capacidades e dispõem de materiais resistentes à torção, temperatura e alongamento com resolução muito boa”. Além do portfólio de impressoras, ele encaixa, a 3D Systems assedia o mercado brasileiro para manufatura aditiva pelo flanco dos serviços. “Dispomos de um site (www.imprima3dcom.br) onde oferecemos a produção de qualquer projeto”, ele explica. “Com o arquivo 3D em mãos, basta enviá-lo ao portal, escolher a tecnologia e material desejados e nós imprimimos e entregamos a peça ao cliente”.
Em paralelo à redução de custos e tempo de produção, a impressão 3D de peças técnicas morde cada vez mais os calcanhares da usinagem, entre outros processos dependentes de ferramental caro, via conveniências como confidencialidade, logística, flexibilidade e liberdade no processo, descortina Anderson Soares, gerente territorial para o Brasil da norte-americana Stratasys, show de bola em impressoras 3D para uso profissional.
Um confronto a rigor entre a competividade da usinagem e a da impressão 3D, pondera Soares, deve considerar as peculiaridades do processo, aplicação e exigências do cliente, condições que, óbvio,variam bastante de caso a caso. “Nas circunstâncias em que conseguimos comprovar a eficiência da manufatura aditiva em empresas usuárias dessa tecnologia, aferimos reduções de 10% a 90% em custos e 40% a 70% no cronograma da produção”, situa o especialista, recomendando para deslocar a usinagem de peças técnicas as suas impressoras FDM, de alta precisão e repetitibilidade, e os modelos Polyjet para produtos que requeiram exatidão na manufatura e acabamento em graus extremos. •