No início dos anos 1960, Tom Jobim gravou um programa de TV, disponível no YouTube, no qual lhe foi perguntado se gostava do impacto da bossa nova nos Estados Unidos. Sim e não, respondeu. No plano artístico, deixou claro, a acolhida não poderia ser melhor. Porém, ele se declarou incomodado com a deformação de um estilo musical em ferramenta de marketing, em gatilho de uma onda de comercialismo, tal como assinalou ter presenciado antes no Brasil, quando a bossa nova passou de mico a ser endeusada como maná pelas gravadoras. No programa, Jobim comentou estupefato o oportunismo norte-americano em carimbar o termo bossa nova a torto e a direito, em lavadoras, geladeiras, penteados, sapatos; “já ouvi falar até em advogados bossa nova!”, ele acentuou.
Jobim nunca foi de enxotar marqueteiros da sua frente. Nos anos 1980, por exemplo, liberou “Águas de Março” para uma campanha publicitária da Coca-Cola e, nos anos 90, foi a vez de “Eu sei que eu vou te amar” para outra da Brahma. O compositor também estrelou comercial de TV sobre prédio lançado por uma construtora carioca e um de seus melhores discos foi bancado e distribuído como brinde natalino pela Odebrecht.
Um dos piores clichês do jornalismo é aquela ladainha: “se fosse vivo, fulano diria isso ou faria aquilo”. É a típica manobra utilizada pelo articulista inseguro para dar a seu ponto de vista o peso de um aval inquestionável – tanto pelo status em si do avalista como pelo fato de ele abençoadamente já não estar por aqui para dizer o que acha da declaração posta à sombra do seu nome .
Por essas e outras, convém não dar tratos à bola sobre como Tom Jobim reagiria à sacada da componedora norte-americana de masterbatches Americhem. Seu catálogo de tendências de cores para a temporada 2018/2019 reparte-se entre séries nomeadas com alusões musicais: Motown,Techno, Lullaby, Concerto, Festival e… Bossa Nova. “Essas seis famílias revelam as tendências de amanhã com base nos sons do passado e do presente”, solfeja o release do mostruário.
A série de masters Bossa Nova é assim descrita: “harmonias de verdes calmos e refinados e beges fluidos e suaves refletem sobre a beleza da natureza e conduzem a uma atmosfera de tranquilidade. Tal como uma encantadora melodia de bossa nova tocada num violão com cordas de náilon, esta coleção de lindos matizes nos lembra de apreciar o magnífico mundo ao nosso redor”. Claro que “Meditação”, de Jobim, pede para ser a música de fundo desse retiro espiritual em forma de concentrados de cores.
Sem agente ou escritório no Brasil, a Americhem negou entrevista. Mas o uso da bossa nova em sua estratégia comercial inspira considerações. Nesses tempos em que se respira a cultura do efêmero e do descartável, é admirável que, mais de meio século após seu surgimento, a maior contribuição brasileira à música universal continue viva e sedutora a ponto de, tal como no seu auge, ser empregada para comercializar produtos – não só como trilha sonora, mas como marca de livre trânsito global.
A iniciativa da Americhem também dá o que pensar à cadeia nacional do plástico. Até hoje, o setor e as empresas em separado não despertaram para as vantagens de criar uma identidade da excelência brasileira para o mercado mundial. Talvez isso aconteça porque, salvo exceções, o consumo interno continue a dominar com folga as atenções, mesmo que o negócio esteja cada vez mais globalizado. E a maneira mais simples e direta para a construção dessa marca do valor da indústria plástica do Brasil, ensina a Americhem, é utilizarmos o que o mundo inteiro reconhece que temos de melhor. Além da música, está aí a natureza. Fora o Pantanal, lógico, por causa da sua associação imediata com Brasília. •