Um ano depois das Olimpíadas do Rio, as promessas de despoluição da baía de Guanabara vão sendo varridas para baixo do tapete e com vigor redobrado pela falência do governo estadual. Esse misto de desleixo e indiferença para com o meio ambiente atesta o fiasco que é o combate ao descarte incorreto de refugo pós-consumo no Brasil. O saldo de décadas de pedagógica conscientização ambiental da sociedade, pregação ministrada através de campanhas institucionais, distribuição de material escolar e aulas de cidadania nas grades curriculares educacionais, decepciona na vida real. Aí estão os detritos ativos fixos da baía carioca, as imagens de sucata entupindo bueiros nas enchentes de verão ou o monte de imundície largado nas praias e ruas do país após os festejos de ano novo. Os exemplos encheriam esta revista.
Grandes empresas, suas representações e o poder público hoje desfilam com garbona mídia seu engajamento na causa do desenvolvimento sustentável. Alardeiam aos quatro ventos meritórias ações para aliar crescimento econômico ao controle ambiental, desde o apoio à logística reversa e reciclagem até a redução no uso de água na produção ou de matéria-prima fóssil nas embalagens. Mas nem um pio, um miado sequer é emitido contra quem continua a praticar o descarte incorreto. Até dá para entender porque empresariado e governo ficam cheios de dedos para lidar com esse comportamento. Afinal de contas, pegaria mal, para dizer o mínimo, espinafrar em público alguém que é seu cliente ou eleitor. Bem mais diplomático e altruísta, portanto, é reagir ao descarte incorreto pela via da paciente catequese da sustentabilidade, um voto de confiança na ferramenta da mensagem conscientizadora para mudar usos e costumes.
Só que não. Entra ano sai ano e o descarte incorreto continua a comer solto. Como diz um veterano transformador de filmes, sacola não tem perna. Se acabou na calçada (ou na baía de Guanabara) é porque alguém a jogou ali, seja por desinformação, incivilidade quando não por deliberada vontade. Sobram referências de que passou da hora de convocar o mestre educador Dr. Bolso. Fala por si a vitoriosa adesão do povo ao uso do cinto de segurança veicular. Após bom tempo de recomendações e avisos bem comportados, foi sacado o talão de multa e deu-se o milagre: a consciência sobre o perigo de se rodar de carro sem afivelar o cinto floriu da noite para o dia.
Prêmio Nobel de Economia e um dos pais da economia comportamental, o psicólogo Amos Tversky tacou o dedo na ferida. “Muitos problemas ocorrem quando as pessoas deixam de ser obedientes quando se espera isso delas”. A penalização do descarte incorreto pelo bolso não só juridicamente procede como já existe, esclarece o jurista e advogado Marcelo Buzaglo Dantas, bússola nacional em Direito Ambiental. A pena consta, ele indica, do decreto 6.514/08, regulamentador da Lei de Crimes Ambientais no tocante às infrações administrativas. A multa pode ser imposta com base no enunciado do artigo 61: “‘Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade: multa de R$ 5.000,00 a R$ 50.000.000,00”. Buzaglo acrescenta que o quinto inciso do artigo 62 prescreve as mesmas multas a quem “lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos (…) ”.
Fiscalizar pelo cumprimento da lei não tem maior mistério. “Tudo é uma questão de a lei começar a ser aplicada”, julga Buzaglo. “Nos Estados Unidos, onde a legislação possui penas elevadas para isso, a coisa funciona. Por exemplo, veículos são parados pela polícia por se jogar guardanapos de papel pela janela; daí o respeito da população”.
Antenado nos impactos da degradação ambiental, o escritor Thomas Friedman parece ter escrito este trecho velejando em mente pela baía de Guanabara: “Somos a primeira geração para qual ’mais tarde’ será o momento em que todos os amortecedores da Mãe Natureza, todos os pneus reservas, todos os truques de sua caixa de ferramentas e recursos de adaptação e de recuperação do que foi perdido terão se esgotado ou quebrado. Se não agirmos juntos e rapidamente para amenizar essas tendências, seremos a primeira geração de seres humanos para a qual ‘mais tarde’ significará tarde demais”.