Não é só a ociosidade projetada em 50% na capacidade das montadoras de carros quem pisa no calo do setor nacional de plásticos de engenharia. Além das agruras de uma economia fechada, o reduto de especialidades plásticas presencia o ingresso do seu carro-chefe, a indústria automotiva, numa reviravolta existencial. Ela é engatada pela ascensão da internet das coisas e da economia circular. Nesta entrevista, Carlos Benedetti, diretor comercial da varejista e componedora Nova Trigo, descortina um panorama que se torna mais preocupante pelo fato de que, como assinala, a ficha parece que ainda não caiu para muita gente no mercado de materiais de engenharia.
PR – Como explica a passividade com que fornecedores e componedores de poliamida 6 (PA 6) e poliacetal (POM) aceitam que a tarifa de importação desses plásticos de engenharia não produzidos no Brasil seja gravada como se eles tivessem similares locais?
Benedetti – Na verdade, a passividade é inerente ou conexa com a percepção da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) de que não há separação entre poliamidas 6 e 6.6. Uma portaria da Câmara de Comércio Exterior (Camex), publicada em maio último, concede redução temporária da alíquota do imposto de importação. Altera para 2% por um período de 12 meses e restrita a cota de 7.000 toneladas a alíquota ad valorem do imposto de importação para um material específico: polímeros de PA 6 sem carga e com viscosidade em ácido sulfúrico superior ou igual a 128 cm³/g e inferior ou igual a 154 cm³/g. Parece até piada, pois a viscosidade indicada beneficia um certo tipo de mercado que, sozinho, absorveria a cota delimitada da matéria-prima. Vale ressaltar que esse volume tem de ser dividido entre, no mínimo, 10 empresas solicitantes da licença de importação a título precário no período estabelecido. Em relação a POM, a decisão da Camex ficou para 2018, pois seu comitê tem na fila outros pleitos de produtos para apreciar. Na verdade as contestações existem, porém essa fileira não acaba nunca, pois nela entram todos os pedidos de exceção possíveis. A título de ilustração, até plasma humano sintético estava na fila para redução de alíquota deste último decreto. Como se não bastasse, ainda sofremos com o descaso das autoridades nas análises dos protocolos de pedidos para diminuir tarifas de importação.
PR – Sobram pesquisas mostrando o desinteresse dos jovens hoje pelo trabalho em indústria e cursos como Química. A maioria prefere o setor de serviços. Quais os efeitos que nota da carência dessa mão de obra nas áreas de desenvolvimentos e de vendas técnicas de plásticos de engenharia no Brasil?
Benedetti – Lamentavelmente, seguimos para um abismo quanto ao interesse pelas áreas mais técnicas. Joint ventures e aquisições gigantes no mundo caminham para áreas cada vez mais consolidadas e de ingresso difícil em postos de trabalho. Porém, apesar de limitados quadros de pessoal, as grandes empresas mantêm excelentes programas para trainees, de ótimos resultados e grandes profissionais têm despontado assim. Apesar disso tudo, existe sim uma parcela de jovens desorientados em seus interesses e haverá em breve falta de mão de obra, principalmente em regiões descentralizadas, onde as empresas têm buscado se instalar. Veja o caso da fábrica da Jeep em Pernambuco. Ela precisou complementar seu efetivo com mão de obra especializada trazida do Sudeste. Hoje em dia, vejo que a carência de jovens talentos não se aplica somente em vendas técnicas e na área de desenvolvimento. Percebo uma demanda por profissionais medianos, de nível muito abaixo da crítica. Começo a acreditar na máxima de que os verdadeiramente bons já estão empregados.
PR – Comportamentos identificados com a tendência de mobilidade urbana já influem mundialmente no declínio das vendas de carros. É o caso do compartilhamento de veículos e do desinteresse da nova geração pelo carro próprio. O setor automotivo é o maior mercado de plásticos de engenharia no Brasil. Nossos componedores e importadores de plásticos de engenharia estão conscientes desse cenário futuro cada vez mais próximo ou só se preocupam com o faturamento do dia seguinte?
Benedetti – Existem as duas situações. Temos empresas com área extremamente competentes de planejamento estratégico já antevendo o panorama lá por 2025, 2030. Estas, com certeza, estão colocando na balança todas as ameaças, novos entrantes e possíveis deslocamentos de volume, tanto em plásticos de engenharia para autopeças, como para outros setores que, três anos atrás, não esperavam o advento dos aplicativos celulares que hoje revoluciona toda a base do comportamento humano e do pensamento em prol da sustentabilidade. Como costumo dizer, a concorrência aparece de setores que até então nem existiam. Por exemplo, transportadores eficientes hoje constituem uma ameaça a distribuição convencional de plásticos. Mas ainda existe uma enorme gama de empresas tentando sobreviver à crise e literalmente preocupadas com o dia de hoje – eu diria nem com o dia de amanhã! Já vemos empresas diversificando sua linha de atividade para diminuir o grau de dependência de determinado mercado. Creio ser esta busca por mercados alternativos uma das maiores tendências mundiais. Uma reação já visível é a do fornecedor buscando soluções com o cliente e explorando ao máximo a busca conjunta de ganhos para não morrerem abraçados. •