“Não vou falar nada descabido, nada descabido. Mas agora, eu falei pro Henrique, é importantíssimo ter um presidente do Cade ponta firme”. Em 38 minutos de conversa gravada sob controle da Polícia Federal (PF) com o presidente Michel Temer, Joesley Batista, sócio da JBS, escancarou o poderio no tráfico de influência no órgão antitruste brasileiro.Também disse ter pressionado o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a trocar gente na Receita Federal e no BNDES, além de assegurar ter no bolso um procurador e dois juízes para obstruir a justiça e se desvencilhar do nó cego de investigações ligadas a operações da PF.
À parte metralharem a era Temer em pleno voo, justo num momento de queda dos juros e da inflação, aviamento de reformas essenciais ao reequilíbrio das contas públicas e de volta do país ao radar do investidor estrangeiro, as falas de Joesley dizem volumes sobre o relacionamento por trás das cortinas entre empresariado e governo no Brasil. Para começar, é evidente que, desde que Brasília é Brasília, não sai de cena a figura do empresário peninsular. Era como o economista e ex-ministro Mário Simonsen apelidava quem passava muito mais tempo perambulando na Península dos Ministérios do que suando no batente.
Outra lição deixada pela jactância do dono da JBS é a comprovação de que, tal como ocorre com as salsichas, melhor não saber como são feitas as leis. Pululam nos processos das operações da PF relatos que destroçam a crença de que reivindicações submetidas ao poder público têm seu mérito analisado com ética, pelo estrito ponto de vista técnico e factual. O diálogo de Joesley com Temer e as confissões de um bando de signatários de acordos de delação premiada provam que, na prática, mais fundamental que o argumento em si, é comprar um defensor da causa incumbido de julgá-la ou votá-la. É por esse prisma que as revelações colhidas nos inquéritos levam quem tem mais de um neurônio no setor plástico a interpretar a homologação de uma penca de jabutis legais e regulatórios, desde a crônica renovação de direitos antidumping a perdões e isenções fiscais para determinados setores.
Em 1993, quando Collor foi impichado, Simonsen soltou um artigo intitulado “O Estado estimula a corrupção”. Na abertura, ele dizia haver duas maneiras de interpretar o mangue de escândalos na política brasileira. Uma delas enaltecia a nossa democracia pela capacidade em identificar corruptos e condená-los . A outra leitura: uma democracia geradora de tanta corrupção e recessão era um projeto fracassado. A seguir, o autor atribuía a roubalheira ao ditado “a ocasião faz o ladrão” e explicava: “A corrupção no Brasil não é apenas resultado da impunidade e da dissolução dos valores morais, mas das tentações criadas pela própria organização do Estado”. Uma tentação, ele diz, provém da legislação eleitoral. Em regra, os custos das campanhas estão acima das posses do candidato e não há como o mandato eletivo cobrí-los. Entram em cena os ditos amigos e, como não existe almoço grátis, depois da vitória nas urnas eles mandam ao eleito a fatura cobrando favores do governo ou a intermediação de negócios com a máquina pública. A essa altura, desponta outra tentação, embutida no inchaço do Estado. “O Estado obeso não apenas se ressente da falta de recursos como os distribui ineficientemente”, conclui Simonsen. “O pior é quando o vírus atinge os serviços básicos que só o Estado pode prover, policiamento, justiça e defesa nacional, prenunciando a quase inevitável ruptura institucional”.
Vinte e quatro anos depois, Michel Temer recebia Joesley Batista no Palácio do Jaburu. •