Na média de janeiro a abril deste ano, 16 tiroteios diários no Rio de Janeiro foram relatados por moradores nas mídias sociais e 51 ônibus foram incendiados por vândalos nos primeiros cinco meses. Por essas e muitas outras, o nível caótico da criminalidade no Grande Rio tem sido equiparado pelos próprios cariocas à guerra na Síria. Além do sofrimento infligido à população, a combinação da violência à solta com a falência do governo estadual instauram um pesadelo à luz do dia para a atividade das indústrias. A transposição dessa tragédia para a transformação de plástico do Rio é a tônica dessa entrevista concedida por Luiz Felipe Amorim, integrante da equipe de vendas no mercado fluminense da distribuidora de resinas Activas e um de seus prestadores de serviços, Samir Carvalho, sócio diretor da ARM Armazéns Gerais & Logística.
PR – A seu ver, quais os principais problemas concretos que a atividade das indústrias transformadoras do Estado do Rio de Janeiro passaram a correr com a atual criminalidade recorde, dificuldades que não eram sentidas (ou muito pouco sentidas)por essas empresas nos picos de violência e insegurança urbana em anos anteriores?
Carvalho – O Brasil é considerado uma plataforma logística de custo alto e baixa qualidade. Estudos nos situam muito acima da média mundial quando o assunto é custo logístico e o resultado é uma redução da margem operacional dos embarcadores e, em decorrência, o declínio do lucro das empresas locais. Para alterar a ineficiência da nossa malha logística e dotá-la de competitividade mundial, estima-se que o Brasil deveria investir R$ 812 bilhões.
O aumento da criminalidade e roubos de carga impacta diretamente no custo logístico dos embarcadores. Quando nos deparamos com a altíssima insegurança pública do Estado do Rio de Janeiro, percebe-se que os custos operacionais tendem a subir, gerando um efeito negativo na economia. Hoje em dia, o Brasil só perde para Iêmen, Líbia, Síria, Afeganistão e Sudão do Sul em riscos de roubo de carga. Vale lembrar que 80% dos roubos de carga no Brasil estão concentrados em dois Estados: Rio e São Paulo. Eis alguns problemas, frutos da criminalidade em alta, que afetam a lucratividade e sustentabilidade das empresas: crescimento do custo de seguro, do preço do frete, do gasto com treinamento dos motoristas (para saberem se comportar emsituação de risco, sem reagir) e, por fim, temos o aumento do gerenciamento das entregas, havendo em determinados casos a necessidadede escolta armada.
Amorim – A cidade do Rio é cercada por favelas, das quais não escapa a localidade rica (zona sul e parte da oeste) ou pobre (zona norte, parte da oeste e Baixada Fluminense). O roubo de determinados tipos de carga também aumentou muito, mas não escuto reclamações a respeito disso entre os nossos clientes. As favelas cariocas são diferentes das de outras regiões do Brasil, devido à imposição dos traficantes de não permitir roubos e furtos dentro dos seus domínios para não chamar atenção da polícia. Esse tipo de infração poderia implicar diretamente a atividade principal do crime organizado: o tráfico de drogas.
PR – Quais as principais alterações no cotidiano das empresas acarretadas pela criminalidade e falência do governo Pezão para proteger e garantir a segurança pessoal de seus funcionários?
Carvalho – Além do aumento do treinamento dos motoristas para lidar com uma situação de perigo sem reagir, as empresas precisam criar um plano de contingência para garantir a segurança pessoal dos empregados no trajeto para o trabalho. Nós, empresários, somos responsáveis pela qualidade de vida dos nossos colaboradores e o momento exige a criação de estratégias capazes de minimizar esses riscos. Aqui na minha empresa, a ARM Armazéns Gerais, quando surge a necessidade de trabalhar em horários extraordinários, colocamos um carro à disposição para levar os colaboradores em casa, visando afastar o perigo e driblar a falta de ônibus nesses períodos.
Amorim – Cito como exemplo das alterações cotidianas diversos cuidados antes inexistentes e que hoje são fundamentais. É o caso da mudança nos horários de entrada e saída dos funcionários e do recebimento de matéria-prima. Vale o mesmo para mais cuidados no transporte dos produtos transformados, alterações no trajeto de quem vai e volta de carro para a fábrica, fornecedores que se recusam a ir à planta do transformador em determinados horários e localidades, dificuldades para contratar mão de obra desde a básica até a mais específica, monitoramento e rastreamento da carga desde o seu transporte à chegada à empresa. Outro destaque é o investimento em segurança privada, devido ao temor de se trabalhar em área insegura.
PR – Como a criminalidade tem afetado os gastos e cuidados de segurança e logística para evitar a possibilidade de roubos de cargas da Activas no transporte ou na porta das fábricas dos clientes?
Carvalho – Sabemos que a BR 116, (via Dutra) no trecho São Paulo – Rio de Janeiro, é uma das rodovias mais perigosas, mesmo com sua operação tendo sido repassada à iniciativa privada e com pagamento de pedágio. Como já disse, a criminalidade afeta diretamente os custos logísticos e a rotina operacional das empresas.
Amorim – A Activas trabalha com parceiros logísticos localizados na região e com bom conhecimento da área, evitando transitar no período noturno. Os carregamentos ocorrem no período diurno e os motoristas e ajudantes mantém contato via rádio e seus caminhões são rastreados e monitorados, entre outras precauções.
PR – A violência e insegurança também têm pesado para desvalorizar de modo expressivo o imóvel de fábricas em pontos de alta criminalidade, como a Avenida Brasil?
Carvalho – Sem dúvida, o mercado imobiliário sofre com a criminalidade. Seuimpacto é direto na desvalorização e ociosidade de imóveis. Além disso, pelo risco do aumento de invasões, os proprietários dos imóveis precisam gastar mais com segurança quando eles não estão alugados. No passado, tínhamos uma concentração de indústrias na região de Del Castilho e Maria da Graça, mas, com a proximidade de muitas comunidades dominadas pelo tráfico, várias empresas foram obrigadas a fechar, caso da fábrica da General Electric situada ao lado da comunidade do Jacaré. Uma rápida visita na região é suficiente para observar a quantidade de áreas industriais invadidas e ociosas devido ao aumento da criminalidade.
Amorim – A desvalorização imobiliária é o ponto mais expressivo da violência e falta de habitação notadas em alguns bairros do Rio e Grande Rio. Caso a indústria esteja dentro de uma área de risco muito grande, como a região do Jacarezinho, o empresário não conseguirá vender o seu imóvel e se ele decidir mudar a fábrica para outra região com certeza o ativo abandonado será invadido.
PR – Quais os principais tipos de ameaças e exigências que o crime organizado costuma hoje fazer às indústrias transformadoras nas proximidades das favelas em que essas quadrilhas operam?
Carvalho – Além da insegurança psicológica, nociva para a qualidade de vida, as empresas precisam lidar cada vez mais com pedidos de “ajuda” do crime organizado. Alguns empresários relatam que precisam pagar uma espécie de pedágio para evitar a retaliação do crime organizado local. Fora esse pedágio, alguns industriais relatam que são ameaçados, caso não cumpram a ordem do poder paralelo de fechar seu estabelecimento.
Amorim – O que eu sei é que as empresas muito próximas de uma comunidade procuram contratar mais as pessoas de dentro das favelas e fazer doações de algumas cestas básicas para as associações de moradores. Criam assim um vínculo fictício de segurança, gerando renda para a comunidade em questão. Com relação a minhas visitas a clientes em zonas de risco, não sinto alteração alguma em relação a exigência para entrar nesse ou naquele local. O que pode acontecer é ter algum tipo de furto esporádico ou dano ao veículo, como pneu furado ou roubado.
PR – Diante da escalada do crime no Rio, tem conhecimento de transformadoras que mudaram recentemente, estão mudando ou pretendem transferir suas fábricas para bairros cariocas ou municípios fluminenses mais pacíficos, ou então, para outros Estados?
Carvalho – Não tenho dados concretos sobre a migração, porém acredito que as regiões de Costa Barros, Pavuna e Complexo do Alemão estão sendo esvaziadas pelo aumento da criminalidade e violência. Por sua vez, os municípios de Duque de Caxias, Queimados e Seropédica estão apresentando um aumento na procura para estabelecimento de parques fabris. A Coca-Cola está fazendo um investimento de aproximadamente R$ 1 bilhão na sua nova fábrica de Duque de Caxias.
Amorim – Quanto a nossos clientes do Rio de Janeiro, não temos conhecimento de nenhum que a violência atingiu diretamente ao ponto de se mudar para outro bairro ou região. Mas as regiões hoje mais cobiçadas para se ter uma fábrica são aquelas que acenam com incentivo fiscal,como Saquarema e Três Rios. Já a região de Jacarezinho é um dos lugares para onde os empresários não pensam em mudar suas unidades ou abrir novas plantas.
PR – A quebra das contas públicas impôs ao governo do Rio a proibição de conceder incentivos fiscais a indústrias no Estado. Mas supondo que o governo estadual consiga no futuro reequilibrar as contas e volte a dar esses benefícios fiscais, acha que eles atrairão investimentos em fábricas para a cidade do Rio de Janeiro mesmo que a violência e insegurança continuem do jeito que estão?
Carvalho – Segurança é necessidade básica para o ser humano. Assim, apesar dos incentivos fiscais serem de grande valia,a violência tende a fazer parte da tomada de decisão do empresário sobre onde se estabelecer e posso afirmar que isso tem um peso considerável. Aconteceu conosco, antes de investir no site da ARM localizado em Duque de Caxias. Pensamos em nos estabelecer na Pavuna, mas, devido ao grande índice de incidentes na região, optamos por uma área até mais cara, porém mais segura. Acredito que o principal incentivo para as empresas seja um ambiente próspero e não enxergo prosperidade sem segurança. Por fim, não posso deixar de parabenizar a iniciativa do projeto Carga Segura, ação do Sindicato das Empresas do Transporte Rodoviário de Cargas e Logística do Rio de Janeiro com o apoio institucional da Confederação Nacional do Transporte, Associação Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas e Logística, Federação do Transporte Rodoviário de Cargas do Rio de Janeiro e da Comissão dos Jovens Empresários do Transporte Rodoviário de Cargas. O projeto visa reduzir a incidência dos roubos de cargas nas empresas a ele associadas.
Amorim – Tenho certeza de que os incentivos continuarão a atrair investimentos, mas o ideal é que além de reequilibrar as contas venham também recursos para a melhoria da segurança. Afinal, pelo fato de a grande maioria dos incentivos ter sido dada a regiões menos privilegiadas do interior fluminense, seus índices de violência são muito baixos. •