Incógnitas no ar

Pendências e indefinições em suspenso na petroquímica
Fátima Giovanna: exportações brasileiras de PE enfrentarão dificuldades.
Fátima Giovanna: exportações brasileiras de PE enfrentarão dificuldades.

No nada memorável 2016, o consumo aparente (produção + importação – exportação) de resinas commodities retrocedeu -2,8%perante o também nefasto 2015 na varredura com lupa da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). O último saldo fechou em 5.758.910 toneladas contra 5.824.103 dois anos atrás. O recuo só não se agravou devido ao mega salto de 31,7% no volume das exportações, percentual equivalente a 1.923.371 toneladas em 2016. Nos bastidores desses indicadores, pulsam variáveis internas e externa, desde a geopolítica e rotas de matérias-primas a regulamentações, custos e preços, que hoje embaçam as perspectivas para a petroquímica no Brasil. Nesta entrevista, Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatística da Abiquim e reverenciada antena do setor, descerra uma panorâmica das pedras no caminho.

PR – Antes da recessão iniciada em 2015, o histórico do Brasil era o de um importador regular de altos volumes de PVC para completar a insuficiente produção doméstica. PVC é de onerosa produção eletrointensiva e, apesar das importações, não foi alvo de expansões nos últimos ciclos da petroquímica. Fora uma planta em Alagoas, as demais são antigas e todas dependem da rota nafta, mais cara que a do gás natural. Qual futuro enxerga para a produção de PVC no país?
Fátima Giovanna – Energia cara não viabiliza investimentos em cloro, matéria-prima do PVC. Eteno, o outro ingrediente, pode ser produzido via nafta ou gás. A tendência mundial é construir crackers a partir do gás. Não será tão diferente no Brasil e as perspectivas para cá são positivas em termos de suprimento de matérias-primas. Apesar de o gás nacional ainda não ter custo competitivo, acredito que o panorama é animador em relação às reservas do pré-sal e às promissoras áreas de exploração de gás on-shore. Como nos EUA, também no Brasil a alternativa gás é a que se vislumbra com mais fundamentos para viabilizar e atrair investimentos. No entanto, o país passa por uma fase de profunda transição. Além das questões que envolveram o setor de óleo e gás, com suas devastadoras implicações, atravessamos um momento de mudança nos marcos regulatórios de óleo e de gás.

PR – Como tudo isso se reflete na esfera do PVC?
Fátima Giovanna – Embora importemos soda cáustica (produto fabricado junto com o cloro) e PVC, sem uma energia competitiva não se percebem investimentos nesses segmentos considerados eletrointensivos. O Brasil tem como baratear o custo da energia, diminuindo em especial a parcela de encargos incidentes sobre a tarifa da indústria, mas é necessário muita vontade e disposição política para efetuar as mudanças necessárias. Outro ponto importante é o apelo da saúde. Se o Brasil investisse num programa de saneamento básico, com medidas estimulantes para os tratamentos de água e efluentes, poderíamos viabilizar o uso maior do cloro, além da possibilidade de atrair a montagem de uma planta de escala global, eliminando não só as importações de soda, como possibilitando novas unidades de PVC. Mas, para isso, energia competitiva é fundamental.

PR – Do quarto trimestre em diante, deve partir o primeiro bloco de novas capacidades de polietileno (PE) via gás nos EUA, instaurando pontual excedente internacional. Mesmo que as importações brasileiras da resina sigam restritas, como avalia as condições para que as exportações continuem, de 2018 em diante, a salvar PE nacional da crise interna?
Fátima Giovanna – Do ponto de vista do contexto global, noto uma forte competição com as capacidades que estão se instalando nos Estados Unidos e, possivelmente, um cenário de dificuldade no curto e médio prazo para as empresas brasileiras. Por essa razão, insistimos na adoção de medidas que tornem as matérias-primas nacionais mais competitivas. Vale lembrar que, no futuro próximo, a União será detentora de volume razoável de óleo e de gás. O melhor aproveitamento desses recursos é o seu uso para atrair investimentos capazes de agregar valor, empregos e riqueza para o Brasil. A única forma de sobreviver a essa competição desenfreada será pela via dos investimentos produtivos. Políticas industriais são muito bem-vindas e devem ser utilizadas para o país crescer. Todos os países desenvolvidos fizeram isso, dosando medidas, sua importância e prazo de duração. Não vejo futuro para o Brasil apenas com exportação de óleo. A pauta de importações ficará cada vez mais nobre, com imensa gama de produtos transformados. O Brasil precisa urgentemente de uma política que considere a criação de empregos, precisa pensar em novas refinarias, que produzam nafta. A visão desses recursos, óleo e gás, não pode restringir-se a seu uso como energéticos. É preciso que também se insira no planejamento energético nacional uma visão da utilização dos recursos como matéria-prima. Por que queimar nafta no pool de gasolina, se a nafta tem uso muito mais nobre na produção da petroquímica? O mesmo diz respeito ao gás natural e aos líquidos que podem ser extraídos desse insumo.

PR – Em um cenário petroquímico no qual a rota do gás natural é a referência em custos, de mega expansões em eteno/PE via gás nos EUA, de crescimento comedido da China e da Europa estagnada, o destino da América do Sul é engessar sua vocação produtora e firmar-se essencialmente como mercado consumidor de resinas termoplásticas?
Fátima Giovanna – Não é o que desejamos e lutamos para isso não acontecer. O Brasil construiu o maior parque petroquímico da América Latina sem ter matérias-primas abundantes. Portanto, agora que estamos na iminência de virar um player importante em óleo e gás, não podemos nos tornar exportadores de recursos naturais e importadores de valor agregado, de mão de obra qualificada e de riqueza gerada em outros países. O Brasil possui vantagens naturais, mas pode construir vantagens competitivas, por meio de políticas industriais, enquanto as regras de mercado não conseguirem agir de forma natural.

PR – A produção brasileira de plásticos de engenharia hoje limita-se a um polímero, poliamida 6.6. Por que a vocação da petroquímica brasileira não extrapola os termoplásticos commodities?
Fátima Giovanna – Não apenas para os plásticos de engenharia, mas para a química de modo geral, a Abiquim defende cadeias produtivas cada vez mais longas e que agreguem valor aos recursos. No entanto, para isso é fundamental aumentar os investimentos em P&D. Hoje, as indústrias químicas brasileiras investem apenas 0,7% do faturamento líquido nessas atividades contra a média mundial da ordem de 1,5%. Fabricar produtos de maior valor agregado e especialidades é o caminho para não ficarmos reféns da volatilidade internacional de preços das commodities, até porque o Brasil é tomador de preços na petroquímica e não formador.

PR – Entre as reformas acenadas pelo governo Temer, consta a reforma tributária. No âmbito das resinas termoplásticas quais são, na visão da Abiquim, as deformações e aberrações tributárias que exigem ajustes prementes?
Fátima Giovanna – Muitas vezes o produto importado tem vantagens tributárias em relação ao fabricado no Brasil. Outro senão é a dificuldade que as empresas têm em conseguir ser ressarcidas de eventuais créditos tributários, pois os Estado passam por problemas financeiros. Vale lembrar que esse último ponto também acaba prejudicando uma reforma mais ampla, pois os estados não aceitam acordos no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A Abiquim defende que a reforma tributária a ser discutida considere premissas básicas do mercado internacional, quais sejam simplicidade, neutralidade, transparência e equidade.

PR – A Petrobras decidiu deixar a petroquímica. Pela percepção da Abiquim, quais as medidas cabíveis para que esse afastamento da estatal supridora de gás e nafta não tolha futuros planos de expansão do setor brasileiro de resinas termoplásticas?
Fátima Giovanna – A Petrobras anunciou a saída de uma série de atividades se concentrando na energia, sua área por vocação. A Abiquim defende que, uma vez que a Petrobras efetive a sua saída, o governo deverá trabalhar, como já o faz, no caso do Programa Gás para Crescer, do Ministério das Minas e Energia, buscando atrair investidores. É importante que se estabeleça um marco regulatório para o setor de óleo e gás, que seja transparente e cujas regras claras assegurem segurança jurídica a potenciais investidores. O caminho deve ser o de aumento do número de ofertantes e do volume ofertado de recursos. Também é preciso prever um período de transição entre a saída da estatal e o futuro com novos agentes e ter em vista a possibilidade de que as atuais infraestruturas, que continuarão com a Petrobras, possam ser compartilhadas de forma a não encarecer os recursos a serem produzidos.

PR – Com qual projeção de consumo aparente de termoplásticos a Abiquim trabalha em relação a este ano versus 2016 e 2015?
Fátima Giovanna – Pelos números que a Abiquim tem apurado, mantemos a projeção de que a demanda cresça acima do que deverá aumentar o PIB. Ou seja, algo como 1,5 vezes a expectativa de PIB. Acho que as exportações continuarão exercendo um papel importante e tem que ser assim, mas não vislumbro um crescimento expressivo das vendas externas, até porque o setor exporta volumes marginais, quando não há demanda interna, para manter os ativos trabalhando em níveis seguros. Como a economia nacional dá sinais de melhora, é provável que a parcela antes destinada ao mercado externo acabe vendida aqui. •

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