Todo ano eles fazem tudo sempre igual. Analistas do mercado financeiro soltam à entrada de janeiro suas previsões para o PIB brasileiro e, a partir daí, tratam de revisá-las mês a mês até o final do período. É uma das muitas marcas registradas da volatilidade economia do país e que pega em cheio os transformadores de plástico não só pela penúrias da recessão, mas pelo alargamento da incerteza quanto ao futuro de suas empresas, dada a descapitalização generalizada entre elas, para não perder de vista a atualização tecnológica. Graduada em Tecnologia em Polímeros e com mestrado em Engenharia de Processos e Tecnologia, Karine Grison, supervisora industrial da gaúcha Ciberplast, atuante no reduto de injeção, sustenta na entrevista a seguir que as equipes da linha de produção estão a par dos desdobramentos na prática de movimentos de vanguarda como a Indústria 4.0 e não teriam maiores dificuldades para assimilar as inovações. O xis do problema, ela deixa claro, é a imposição da corrida por produtividade e excelência, requerendo investimentos de empresas que hoje operam com alta ociosidade e só têm olhos para cortes na carne dos custos.
PR – Como avalia o estágio atual da automação do processo no setor brasileiro de injeção de peças plásticas?
Karine Grison – Como tudo tem um custo, o quesito automação é diretamente proporcional à complexidade do processo em si, desde a injeção do produto à destinação ao cliente final. Considero o Brasil muito capacitado nesse aspecto tecnológico. O que falta são incentivos que consigam disponibilizar esta tecnologia aos diversos segmentos do mercado, pois muitas vezes soa mais viável para uma empresa manter funcionários em linha/células de produção do que investir em tecnologia que se pagará a longo prazo, ou então, automatizar pequenas etapas da manufatura cujo custo/benefício dê retorno a curto prazo. Infelizmente, nossa economia é muito instável para um investimento desse porte na maioria das transformadoras de injeção.
PR – Em quais etapas do processo percebe o setor transformador de injeção mais e menos atualizado em termos de automação?
Karine Grison – Percebo a maior facilidade de aplicação na área restrita de alimentação das injetoras e na etapa de estocagem. Na feira Plástico Brasil, em março último, um tópico debatido foi a Indústria 4.0 – o sincronismo de informações entre máquinas e dados em prol de produção mais ‘enxuta’, melhor rastreada e controlada em sua qualidade. Tudo isso ainda é sonho para a grande maioria das nossas empresas, pois requer investimento no momento indisponível; a prioridade dominante entre elas é tentar se manter no mercado por meio de inovações de baixo custo ou cortando gastos.
PR – Por que o emprego de robôs em indústrias de injeção permanece tão tímido há décadas no Brasil?
Karine Grison – O custo da robotização seria viável se houvesse uma produtividade alta nas empresas para justificar esse investimento, ou então, uma busca por precisão aliada a um custo final que viabilizasse a compra de robôs. O Brasil ainda é muito partidário da produção manual, muitas vezes ocasionando um percentual elevado de não conformidades nas peças. O setor conhece os amplos benefícios da robotização, mas a maioria dos transformadores de injeção não consegue adequar este recurso à nossa realidade econômica.
PR – Em quais pontos a tecnologia das injetoras nacionais mostra-se mais competitiva perante o padrão internacional?
Karine Grison – Noto uma reprodutividade melhor de padrão em parâmetros nas injetoras nacionais em comparação com as asiáticas, por exemplo. Quanto às características da área do molde – colunas, placas, guias – não vejo muita diferença em dimensionais, mas abro uma exceção aos materiais utilizados na fabricação, o que gera um ponto positivo às linhas nacionais.
PR – E em quais pontos elas estão mais defasadas?
Karine Grison – Devido aos moldes com que costumo trabalhar, as injetoras mais adequadas são em geral as híbridas, uma tecnologia relativamente nova para as marcas nacionais. Simultaneidade de movimentos – mais precisos e rápidos, proporcionando ciclos baixíssimos e mantendo a qualidade do produto; acionamentos radiais – atendendo moldes complexos e de múltiplas cavidades- e a assistência remota são algumas características que ainda fazem a diferença entre injetoras híbridas importadas e de excelente procedência e as máquinas nacionais.
PR – É tendência mundial o fortalecimento das células automatizadas e integradas de injeção, entrosando via tecnologia de informação (TI) a injetora, robô e periféricos. Quais os tipos de conhecimento técnico requeridos por essas células de injeção ainda não dominados por quem trabalha no chão de fábrica no Brasil?
Karine Grison – Tudo que envolve tecnologia/softwares gera receio na maioria das pessoas; não importa se dominam ou não o processo de injeção. Periféricos caminham para serem cada vez mais interligados à injetora e, portanto, requerem um treinamento nada absurdo e sem nada que um supervisor ou responsável não resolva até os subalternos dominarem a tecnologia. Questionamentos serão feitos e o velho e bom bloco de notas, a filmagem e fotos durante a explicação são ferramentas básicas para isso e de acesso a qualquer um hoje em dia.
PR – Quais as noções que este efetivo precisa e ainda não possui para lidar satisfatoriamente com a nova geração de células de injeção ?
Karine Grison – Às vezes as pessoas não se dão conta que a interligação de equipamentos ocorre por uma linguagem que não admite erros. A informação é aquela e pronto. Se foi gerada é porque algo a ocasionou. Esse conhecimento básico e que deve ser dado com demonstrações de exemplos e cruzamento de informações através de cursos/treinamentos, molda as principais noções desta tecnologia. Faz a pessoa perceber o quanto a inserção de um dado errôneo gera uma cadeia de informações que acusa esse erro. A melhor forma de assimilar essas noções é o treinamento seguido de visualização de exemplos cruzados. Por exemplo, a não conformidade detectada em determinado horário. Para aferir as causas, cruza-se as informações deste horário e visualiza-se quesitos como a matéria-prima utilizada, temperatura de geladeira/óleo, número de peças fora das especificações, ciclo de máquina, parâmetros de injeção pela página da qualidade e a análise dos indicadores de produção.
PR – Com base nos seus contatos com matrizarias, qual a explicação para o Brasil nunca ter conseguido se firmar e evoluir como fornecedor de moldes de injeção pesados e/ou mais complexos?
Karine Grison – Acredito que o Brasil esteja capacitado para o fornecimento de moldes pesados e complexos. No entanto, a maioria das matrizarias que conheço foca o segmento automotivo, usuário de moldes de cavidade única. Para segmentos de injeção dependentes de moldes complexos e de múltiplas cavidades, têm-se uma oferta doméstica a cargo de um quadro restrito de ferramentarias, obrigando muitas vezes os interessados a importar.
PR – No plano geral, o setor brasileiro de injeção hoje investe satisfatoriamente ou não em iniciativas para atualizar com regularidade os conhecimentos técnicos de seus operadores?
Karine Grison – Constato uma certa restrição neste tipo de atualização. A praxe tem sido submeter os operadores a treinamentos in loco, dados por profissionais mais experientes e informados do próprio quadro da empresa. •