A última trincheira continua de pé

Cartucho resiste ao rolo compressor do plástico em creme dental

creme-dentalDa mesma forma que o governo nada tem a dar que não seja tirado de alguém, material nenhum avança em embalagem sem surrupiar mercado de outro. Em creme dental, o plástico já mandou bem na tampa e no corpo do tubo laminado, este um espaço antes exclusivo do alumínio. Mas que até hoje ele não fez o serviço completo, em intrigante imobilismo perante a imemorial e mundial permanência do cartucho de papelão como sobre-embalagem do tubo. “Há bastante lugar no mercado para duas possibilidades: uma nova embalagem ou o produto sem cartucho, um elemento talvez desnecessário, pois a maioria dos compradores de creme dental o joga no lixo ao usar o tubo”, ponderam Marcu’s Antônio Freitas Santos e José Acácio dos Santos Souto, sócios diretores da startup sergipana de design PenPack. “Cada vez mais as pessoas buscam alternativas para tudo o que fazem e consomem e, se a solução em foco agregar valor perceptível pelo usuário, decerto terá grande aceitação”.

Elias Januário da Silva, gerente de novos negócios da Impower, timoneira do creme dental Powerdent, não enxerga risco de sobressaltos para o cartucho de papel cartão. “Nada foi criado que ofereça as mesmas garantias de qualidade, eficácia, preço e manuseio da embalagem até a distribuição do produto”, sustenta. “A facilidade de manuseio do cartucho, aliás, é uma das principais características a se considerar, mesmo em linhas automatizadas de fabricação, pois ele conserva as condições do creme dental até sua colocação no ponto de venda (PDV) e, além do mais, trata-se de uma embalagem 100% reciclável”.

Redução da gramatura
Na planilha dos custos relativos a Powerdent, a parcela do papel cartão reluz competitividade. Januário usa como referência a caixa dos lotes individuais de tubos. “Considerando que nosso produto Gel Dental agrupa 24 unidades na caixa de cartão, sua participação na composição do custo final está em torno de 0,5%”, situa Januário. “Como nos últimos cinco anos o custo da caixa acompanhou muito de perto a inflação e o do tubo acusou reajustes quase sempre acima desse indicador, constato que a participação da embalagem de cartão tem sido menor”.

Rafael Margonari Silvestre, gerente da Rosni Embalagens, indústria de caixas e cartuchos de papel cartão, segue as pegadas do argumento de Januário. “O cartucho permanece no acondicionamento do tubo de creme dental por englobar vantagens de custo, proteção no transporte e adequação à exposição no PDV”, sustenta. “Além disso, esse papel possui certificação internacional Forest Stewardship Council (FSC) que o qualifica como ecologicamente correto”. Em paralelo, Silvestre assinala que o segmento de cartão não está acomodado com o reinado inabalável do cartucho em creme dental. “Esse papel teve melhorias em sua composição que possibilitaram reduções de gramaturas sem perda de rigidez e, do lado dos aprimoramentos do cartucho em si, minha empresa serve de referência com a oferta de diversos acabamentos, como a impressão UV sobre metalizados”. Fonte de papel cartão para cartuchos de creme dental, a Klabin negou entrevista.

Tubo solto na prateleira
A hipótese de um avanço do plástico sobre o cartucho tem seus poréns, enxerga Albertoni Bloisi, especialista de desenvolvimento de mercado de embalagens da Braskem, produtora de polipropileno (PP) para a tampa e de polietileno (PE) para o laminado do tubo. “Pasta de dente utiliza a embalagem de cartão devido à exposição no PDV”, atribui o executivo. “No formato do cartucho, o produto pode ser empilhado e arrumado de maneira a conferir mais visibilidade à marca”. Em países como a Alemanha, ele assinala, tubos de creme dental chegam ao varejo soltos, alojados numa caixa de papelão. “São colocados direto na gôndola, eliminando assim a embalagem secundária, o cartucho de cartão”, explica Bloisi. “As vantagens do cartucho não estão em custo, nem em proteção, mas no marketing e exposição no PDV”.

No mercado internacional, nota o especialista da Braskem, o setor plástico tem se mexido em desenvolvimentos para tentar abalar o império do cartão em creme dental. “É o caso da tampa maior que serve como base, permitindo a colocação do tubo no sentido vertical no PDV, dispensando a necessidade do cartucho”, ele exemplifica. “Essa solução de embalagem não tem sido amplamente adotada devido à estratégia de marketing e exposição da marca, mas essa conduta está mudando com o crescimento da consciência ambiental”. Na expectativa dessa guinada, Bloisi julga ser melhor eliminar de vez o cartucho em vez de outro tipo de embalagem para botiná-lo. “O caminho é encontrar outras formas de expor o creme dental e sua marca no PDV”.

Troca complicada
Há quem discorde. “O cartucho de cartão desempenha três funções importantíssimas”, argumenta Paula Froes, diretoria de vendas e marketing no Brasil da francesa Albéa, sensor global em tubos laminados. “Além de proteger o tubo de creme dental no transporte e armazenamento, o cartucho proporciona o acondicionamento do produto na prateleira e sua comunicação com o consumidor final no PDV”. Uma embalagem rígida de plástico pode preencher esses quesitos, concorda a executiva com ressalvas. Embora declare que essa ideia parece atraente em termos de negócios, Paula prefere analisar a questão sob a ótica dos seus clientes, das questões ambientais e do consumidor final. “Em geral, a embalagem secundária de creme dental é descartada logo depois de aberta, razão para ser difícil crer na substituição por uma solução em plástico rígido do bom e velho cartucho de cartão, mais fácil de reciclar, mais barato e mais simples de desenvolver”.

Em contrapartida, Paula acredita em outros caminhos no segmento bucal para o recipiente de plástico se aboletar. “Tratam-se de extensões da linha principal de creme dental com embalagens de forte apelo de praticidade, ligado a tópicos como portabilidade e multifuncionalidade”, ela esclarece, exemplificando com produtos mistos de creme dental e enxaguatório.

Paula não está ilhada em seu ponto de vista. “Vejo com certa reticência a mudança do cartucho por uma embalagem de plástico”, comenta Marcus Correa, gerente de marketing e produtos de consumo da operação brasileira da norte-americana Bemis, produtora de cartuchos cartonados e de tubos laminados de creme dental no país. “Há inúmeros pontos complexos na cadeia do produto, desde sua saída do fabricante de creme dental aos mais variados PDVs”. A propósito, ele frisa, até hoje nenhuma indústria de creme dental de sua carteira solicitou-lhe projeto de desenvolvimento nesse sentido, “por causa da dificuldade logística da cadeia”, especifica. No arremate, Correa se esquiva de avaliar a viabilidade de um investimento numa solução em plástico para competir com o cartucho em creme dental. “É bem complicado analisar a necessidade de determinado cliente da perspectiva de um fornecedor da embalagem, pois se teria de aferir quais as opções convenientes em plástico – se rígidas ou flexíveis – e a cadeia de aplicação dessa solução, tanto nos fabricantes de creme dental quanto nos mais variados tipos de varejo”.

Consumo: vantagens de marketing exposição no PDV.
Consumo: vantagens de marketing exposição no PDV.

Cultura, custo e gôndola
Nada é fácil. Mas é dever de ofício do designer de embalagens pensar fora do quadrado. “A ausência de ações de inclusão de outro material num universo fabril consolidado, caso do cartucho em creme dental, pode beneficiar as indústrias e o consumidor”, dá o tom Ana Brum, diretora técnica do paranaense Centro Brasil Design (CBD). “Um bom projeto que absorva os aspectos culturais, o perfil do consumidor e um novo material a ser explorado seria um desafio para o qual gostaríamos de colaborar”.

Ana Brum tem uma visão terra a terra da supremacia do cartucho cartonado para armazenar tubo de creme dental. “Pesa primeiro o fator cultural e, a seguir, questões relacionadas ao custo e na disposição do produto no PDV”, ela alinha. “Acredito que o acondicionamento dos tubos numa embalagem secundária cartonada possibilite seu melhor empilhamento e exposição organizada na gôndola e o cartucho carrega as vantagens de ser leve, originar-se de matéria-prima de fonte renovável e de prestar-se ao recebimento de mais informações sobre o creme dental, pois a legislação exige a apresentação de vasta quantidade impressa de itens na embalagem”.

A designer também encontra justificativas para o contraste entre a miríade de inovações sem cessar nos recursos e funcionalidades do creme dental em si e a crônica mesmice da sua embalagem. “Novidades como as notadas nos sabores e aspectos visuais evidenciam que o fabricante caminha para adequar seus produtos às tendências, aos novos consumidores, às novas regras de comportamento”, ela elucida. “Mas nem sempre conseguem realizar ajustes grandiosos a ponto de alterar processos produtivos ou descartar ou substituir equipamentos a qualquer tempo. Essa dificuldade também tem a ver com nossa grande instabilidade econômica”.

Aversão ao risco
Marcu’s Santos e José Souto, da startup PenPack, percebem uma trava na ideia de deslocar o cartucho na aversão ao risco manifestada por muitos fabricantes de creme dental. “Receiam mudar o que está funcionando pela possibilidade de prejudicar os negócios; muitos deles entraram na zona de conforto e dela não pretendem sair e inovar”, eles constatam. “Muitos pensam na inovação como um custo e não um investimento a longo prazo. Por isso imitam o que outros fazem e acabam ficando no mesmo lugar”.
Os dois designers atribuem a perenidade do cartucho ao seu custo acessível e à sua presença há décadas acondicionando diversos produtos. “Nessa linha de raciocínio, os fabricantes de creme dental consideram muito mais prático utilizar uma solução de funcionamento reconhecido do que se aventurar numa inovação”, eles julgam. Entre os prós do cartucho, eles apontam a possibilidade de incorporar acabamentos diferenciados que melhoram a apresentação na gôndola e o fato de os quatro lados dessa embalagem secundária poderem ser aproveitados com criatividade para promover o creme dental. “Sua estrutura também diminui as chances de compra de um produto violado, pois, para abrir o cartucho é preciso rasgar a abertura, evidenciando a infração”, observam os sócios da PenPack.

Se um projeto de substituir o cartucho lhes caísse no colo, Santos e Souto se inclinariam por uma solução flexível de plástico, deslocando também o tubo laminado. “O consumidor poderia aproveitar todo o conteúdo da embalagem, reduzindo o desperdício sem o esforço do costume de se torcer ou espremer o tubo para extrair o pouco que resta de creme acondicionado”, asseveram. “Além isso, embalagens flexíveis são práticas de se armazenar e transportar na jornada da fábrica ao PDV”.

Creme dental não é propriamente um estranho no ninho da PenPack. Com o propósito inicial de substituir sachês de condimentos, considerados por eles pouco higiênicos e torturantes de se abrir o fitilho, Santos e Souto mudaram o foco da embalagem flexível monodose que criaram para o chamado consumo on the go de produtos como sabonete, medicamentos e, em especial, creme dental. “É uma solução individual para, por exemplo, se levar o creme dental para o trabalho”, eles definem. “Alguns fabricantes demonstraram disposição de fechar negócio se a embalagem estivesse pronta para a comercialização. Estamos em busca de investimento para concretizar essa etapa”. •

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