Vem aí o efeito dominó

Num momento pra lá de embaçado, a norte-americana Celanese trombeteia a nacionalização de Celstran, série de compostos de termoplásticos de fibras longas. A indústria automobilística brasileira, motor dessa decisão, passa hoje um cortado equiparável ao amargado nos idos de 2008-2009, sob os reflexos mundiais da crise financeira do subprime nos EUA. No Brasil, licenciamentos de veículos novos declinaram 7,6% no primeiro semestre de 2014, enquanto a produção caiu 16,8% no mesmo período. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), megafone das montadoras, já revisou as projeções para o fechamento de 2014 e a expectativa agora é de freio puxado ao máximo: retração de 5,4% nos licenciamentos, 10% na produção e 29,1% nas exportações – ainda mais com o calote dado pela Argentina em seus credores. Pelo histórico da economia, o consumo na metade final do ano bate o da primeira e é abraçado à tábua dessa lógica e na crença em retomada confiável mais adiante que Guert Rucker, diretor comercial para materiais de engenharia da Celanese na América do Sul, justifica nesta entrevista o aporte na produção de Celstran em seu complexo em Suzano (SP).
 sensor2PR – O maior mercado de plásticos de engenharia é o setor automotivo. Como avalia as possibilidades de reação ainda este ano ou em 2015?
Rucker – Temos visitado tiers (fornecedores da indústria automobilística) consagrados e voltamos com cifras e indicadores que apontam para redução de capacidade de 30%, por exemplo. Penso que 3,6 milhões de automóveis é um nível adequado para o mercado brasileiro, mirando 5 milhões daqui a dois anos. Para o segundo semestre, temos novos pedidos por parte de fornecedores e montadoras, indicando uma retomada. De qualquer forma, o primeiro semestre foi um desastre na produção.

PR – Qual a justificativa para crer em reação com limitações de crédito, alto custo de capital de giro e de produção, e preocupante inadimplência? Por que este semestre já será diferente?
Rucker – Não será tudo diferente, mas esperamos um retorno a níveis anteriores. As montadoras criaram um excesso de estoque no fim de 2013 e no começo do ano, por conta de exigência de airbag e freios ABS – era preciso montar os carros com esses adicionais antes de colocá-los à venda. Criou-se, então, um pulmão maior do que o esperado. Há, da mesma forma, um nível de crédito muito baixo, mas que deve ser retomado.

PR – Segundo a Anfavea, há 30 fabricantes de autoveículos e máquinas agrícolas e rodoviárias, totalizando 62 unidades fabris no Brasil. Esse número é compatível com a demanda?
Rucker – Não. As montadoras vieram para cá visando aumento do mercado interno e isso não está acontecendo. É muito difícil ocorrer essa expansão sem aumento de crédito. O número de montadoras para 3,6 milhões de veículos produzidos anualmente é grande.

PR – Então, em sua opinião, haverá rearranjo? Qual o impacto disso nos plásticos de engenharia?
Rucker – Sim, acredito em rearranjo no setor. Mas as soluções de plásticos de engenharia estão sendo divididas entre todas as montadoras. Por exemplo, uma unidade de envio de combustível de um veículo é muito similar à de outros da mesma categoria. A tecnologia é compartilhada entre diferentes modelos e marcas. Para o plástico de engenharia, o nome do cliente muda, porém o número de carros montados deve ser mantido.

PR – E em termos de fornecedores de plásticos de engenharia? O que acontece quando o mercado afunila?
Rucker – Com certeza haverá uma depuração. Quando olhamos para poliacetal (POM), nosso carro-chefe, percebemos que ele atraiu muitos concorrentes não tradicionais, visando justamente número alto de montadoras. Por exemplo, se uma montadora sul-coreana decide se instalar aqui, seu supridor conterrâneo de matéria-prima também vem para cá disputar mercado, onde já atuam fornecedores consagrados.

PR – A Celanese está no mercado para comprar alguém ou unir operações aqui?
Rucker – A Celanese busca crescimento e aquisições fazem parte dessa estratégia,  tal como fizemos com a compra dos negócios de  Zenite e Thermx, duas linhas de produtos da DuPont. Nosso foco são negócios globais e não oportunidades locais.

PR – Por quais motivos, justo nessa fase de baixa do mercado automotivo, a Celanese decidiu produzir Celstran em Suzano?
Rucker – As montadoras já instaladas aqui, bem como outras que estão vindo, trouxeram soluções consagradas mundialmente para suas plataformas de produção. Estrategicamente, o Brasil está estruturado para fazer carros de plataforma tipo B. Explico: o tipo A é o veículo de cidade ou microcarro; o B é o tipo popular, enquanto o C entraria na categoria preenchida por modelos como o Ford Focus. As montadoras atuantes no Brasil escolheram montar o tipo B e as alojadas na Argentina, carros C. O México também constrói veículos da plataforma C. À época do governo Collor (1990-1892), tínhamos aqui lançamentos alinhados com tendências globais de veículos. Depois, isso se congelou e desde o ano passado, voltamos aos lançamentos. GM lançou modelos, Ford mudou suas linhas e a Volkswagen terá quatro plataformas mundiais. Esses carros trouxeram a tecnologia de emprego de módulos. Constam de  peças estruturais. Um módulo de plástico é mais versátil que o de metal. Às carrocerias e chassis de metal é agregado o plástico estrutural, caso do Celstran. Essa é a motivação para produzir esses compostos localmente. Nos carros montados no Brasil há oportunidades para esses compostos em módulos frontais, laterais de portas, tailgate (porta traseira) e a parte de absorção de impacto.

PR – Qual é a grande aplicação de Celstran em carros no Brasil?
Rucker – No Brasil é o módulo frontal, ou toda a estrutura da frente do carro. Em média são quatro quilos de material por peça. Nessa estrutura, são montados  elementos como faróis e radiador. Já aplicam Celstran aqui no EcoSport, Fiesta e no novo Ka. Esses três veículos usam solução somente com Celstran, diferentemente de modelos anteriores que aplicavam soluções híbridas de plástico e metal. O produto de plástico é mais barato, mais leve e até o custo para a reposição da peça, uma conta feita pelas seguradoras, é mais vantajoso. A troca dessa peça é rápida e não agride a estrutura do veículo.

PR – Celstran vai duelar, então, com poliamida (PA)?
Rucker – O desempenho de Celstran está um grau acima. Esse composto pode ser formulado com polipropileno (PP) reforçado com fibra longa e concorre, sim, com PA. No Brasil, beneficiaremos PP e PA para as séries de Celstran. Em suma, o processo inclui uma extrusora, que plastifica a resina proveniente da própria Celanese ou de terceiros. A linha de produção segue em formato T. Em uma direção passa  o termoplástico e na outra passa a fibra – trata-se de pultrusão, pois o processo ‘puxa’ (N.R.- em inglês, to pull significa puxar) o reforço. Com essa resina fundida, dá-se um banho na fibra, que pode ser de vidro, aço, aramida ou carbono.

PR – Qual é o mercado brasileiro de Celstran, para justificar essa nacionalização?
Rucker – O mercado sul-americano chegou, em curto tempo, à faixa de 5.000 t/a. O Brasil representa 4.000 t/a e o restante fica com Argentina. Quase a totalidade desse movimento está conosco. Começamos esse trabalho do zero, por meio de um bom relacionamento com a Ford. Quando trouxe seus projetos para o Brasil, eles já vieram homologados com Celstran.

PR – O Brasil tem barreiras tarifárias altíssimas para importações. Em contrapartida, os custos de produção do país são em geral, segundo estudo recente, 11% maiores do que a média internacional. Vale a pena produzir aqui em vez de importar?
Rucker – Sim, vale a pena. Para o mercado de plásticos de engenharia, o consumo de Celstran representa um volume grande. Aliás, ser líder é, às vezes, uma tarefa penosa. Ser a primeira empresa a colocar pultrusão de termoplástico na América do Sul é algo que consideramos para o nosso crescimento.

PR – E por que não designar essa atividade a um componedor terceiro?
Rucker – Não dividimos a tecnologia de produção do Celstran com componedores. Esse equipamento não é produzido no Brasil por questão de patentes. O segredo não está na extrusora, mas em como fazer com que o material plástico recubra a fibra. Se pegarmos um maço de fibra, com 1200 filamentos em média, passá-lo em um cabeçote e simplesmente colocar o plástico em cima, teremos um cabo, algo como um fio de energia elétrica. Nossa tecnologia faz com que os fios, um a um, sejam abertos e recebam resina. A seguir, são fechados novamente e transformados em pellets.

PR –No caso de beneficiamento de PA, não vale a pena designar essa atividade a um componedor, como fazem diversos concorrentes no Brasil?
Rucker – A Celanese desinvestiu e não atua em PA não reforçada ou reforçada com fibra curta – os compostos tradicionais. Tiramos isso de linha ao vender nosso negócio global de PA 6.6 para a Basf.

PR – Quando parte a fábrica de Suzano?
Rucker – A parte de construção civil já foi iniciada. Será um prédio novo, para acomodar a produção de até 15.000 t/a. A primeira linha começará a operar em meados do ano que vem. Não posso abrir as cifras envolvidas. O volume desse material há dois anos era zero na Améria do Sul e criamos um mercado de 5.000 t/a nesse período. É uma trajetória ascendente. Não havia esse tipo de moldagem com fibra longa no Brasil. Na China, onde também investimos há cinco anos para rodar Celstran, a fábrica chegou ao limite em dois anos e necessitou de expansão para a demanda criada. O Brasil foi escolhido para esse investimento porque temos a possibilidade de exportar o material. Se não for para a Argentina, em decorrência da sua crise, o México pode ser uma alternativa. Em paralelo, a petroquímica brasileira (N.R.-  Braskem) tem interesse que o composto Celstran produzido aqui com PP local seja exportado e, para tanto, nos garantirá preços mais atraentes da resina.  Além disso, Suzano conta mais facilidades para se despachar a produção por via marítima do que nossa planta em Winona (EUA), quase no Canadá.

PR – E no caso de poliacetal (POM) e polibutileno tereftalato (PBT), é melhor trazer o composto pronto ou importar o polímero e beneficiá-lo aqui?
Rucker – Por sermos a única empresa que traz POM tal como sai do reator, ou seja, em flakes, somente nós deveríamos ter direito a importar o material com alíquota  de 2%. Ao beneficiar a resina e transformá-la em pellet, concorremos com o material que paga 14% de imposto de importação. Somos a única empresa a beneficiar essa resina no Brasil, em nossa unidade em Suzano. Com PBT é a mesma coisa. Hoje produzimos aqui compostos de POM, PBT e uma blenda de PE/PBT.

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Acetato de celulose: mais um verde na parada

De olho nas tendências de sustentabilidade, a Celanese relança globalmente seu acetato de celulose como biopolímero. A matéria-prima já representa um grande negócio para a companhia e é utilizada, por exemplo, na fabricação de filtros de cigarro. Agora, nas  vestes de bioplástico, a empresa põe o reduto de injeção na mira desse material. “Nossa intenção é buscar participação onde perdemos terreno para resinas de base petroquímica, como polipropileno (PP), policarbonato (PC) e polimetil-metacrilato (PMMA)”, estabelece Guert Rucker, diretor comercial do grupo para materiais de engenharia na América do Sul.
No passado, rememora, o acetato de celulose entrou em decadência devido ao seu elevado preço em comparação a outros materiais. “O processo de produção é, sim, mais oneroso”, avalia Rucker. De qualquer forma, o acetato de celulose como biopolímero promete abrir mais campos de atuação. “Sua vantagem em comparação a polímeros como os produzidos a partir de etanol é a possibilidade de compostagem. Ele se decompõe tal como a madeira”, compara o executivo.

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PR – Como executivo da Celanese responsável pela América do Sul, como avalia o grau de abertura da economia brasileira e o ambiente de negócios perante as demais da região?
Rucker – A Colômbia, por exemplo, não quer material exportado do Brasil. O trâmite burocrático é tão extenso que eles não conseguem controlar a logística. Com o Chile conseguimos fazer negócio porque tem acesso rodoviário, sendo mais vantajoso do que despachar pelo porto de Santos (SP), cujos  custos são elevadíssimos. Argentina é mais próxima por terra, mas a melhor opção de entrega é marítima, porque há um fluxo muito grande de frete para lá. Para Peru, Equador e Colômbia, a preferência da Celanese é atender exportando via EUA.

PR – E quanto ao fôlego financeiro do mercado brasileiro?
Rucker – A Celanese, uma companhia global, se autofinancia. Já nossos clientes estão enfrentando dificuldades. O nível de inadimplência aumentou em relação a dados históricos recentes, principalmente em empresas sem lastro internacional. Nas empresas brasileiras, eu vejo deterioração. O crédito de fornecedores de matérias-primas era usado para financiar esses players locais. A situação se complica quando há redução de demanda e o fôlego financeiro, assim, fica menor.

PR – Como avalia os efeitos do intervencionismo do governo no setor automotivo do Brasil?
Rucker – Houve nisso a intenção de incentivar, mas o resultado não foi favorável. O anúncio de novas montadoras vindo para cá  também aconteceu em vista de programas como Inovar-Auto e medidas como redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em vez de promover a indústria, o governo aumentou os impostos para quem estava fora.

PR – A indústria automobilística do Brasil está viciada em muletas?
Rucker – Sim. No começo do ano fizeram um pulmão de veículos visando negociar com o governo a redução de IPI. Sabemos que, ao se chegar ao fim do ano, vai haver outra negociação com o governo e assim por diante. O setor precisa de regras mais estáveis, até mesmo para a saúde de moldadores, tiers locais e outros fornecedores.

PR – Estamos em período eleitoral. Se houver um continuísmo do governo atual, acredita que essas regras serão acertadas? E se der oposição, a situação ficaria melhor?
Rucker – A retomada vai acontecer neste semestre porque haverá mais crédito disponível na praça. O governo fará isso porque quer se reeleger. Mas o Brasil vai pagar o preço da inflação. Para o ano que vem, com o vencedor das urnas definido, a indústria automobilística vai atrás de opções para aumentar o nível de produção, assim como buscaremos fazer o investimento de Suzano dar frutos. •

 

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