Eleito com ataques à globalização e ao comércio internacional, Donald Trump inicia em janeiro seu mandato de presidente dos EUA justo na fase de contagem regressiva para um tremor de terra na petroquímica mundial: a entrada na praça mundial, entre o fim de 2017 e largada de 2018, do mega excedente norte-americano de polietilenos, a cargo de novos complexos industriais vitaminados pelo custo competitivo do gás das bacias de petróleo do Golfo do México e das reservas de xisto, aliás uma indústria que Trump pretende estimular, de olho no desembolso de investimentos trilionários e geradores de emprego. Em contrapartida, equivale a achar alguém em Brasília fora da Lava Jato encontrar no setor plástico quem julgue que o mercado mundial ficará incólume ao populismo e protecionismo que guindaram Trump à Casa Branca. “As exportações norte-americanas de resinas sofrerão dificuldades”, dá o tom Jorge Bühler Vidal, diretor da empresa Polyolefins Consulting, sediada nos EUA.
A economia mundial está mudando e a petroquímcia precisa acertar o passo nessa transição coalhada de incerteza e volatilidade, pondera Roberto Ribeiro, presidente da Townsend Solutions, consultoria postada em Houston, Texas. “No entanto, tão certo quanto o rio corre para o mar, o fato é que, haja um ou outro atraso, é sem escapatória a partida de novas capacidades de PE nos EUA”, ele assegura. “A primeira onda de investimentos está praticamente pronta e precisamos esperar para ver se o populismo e protecionismo de Trump extrapolarão o discurso a ponto de afetar o comércio mundial, incluso o mercado de PE”. Apesar dessa insegurança, Ribeiro sustenta que a nova leva de complexos de eteno/PE vingaria mesmo se os investidores soubessem da vitória de Trump antes de botar a mão no bolso. “Esses empreendimentos se sustentam numa visão de longo prazo, fundada no acesso a mercados e abundância de matéria-prima barata, o gás natural”.
Fábricas de volta
Trump quer rasgar o acordo da Parceria Transpacífico (TPP) e rever o mercado comum do bloco Nafta. “Mais uma retórica a se checar se entra em prática, mas será péssimo se ele fizer isso”, lamenta Ribeiro. “Já dou a TPP como morta, substituída por acordos bilaterais e regionais alterando o comércio internacional e a China tende a se aproveitar do espaço deixado aberto pelos EUA”.
A transformação de plástico forma entre as indústrias de manufatura que transferiram unidades dos EUA para o México e Tigres Asiáticos atrás de custos menores, investimentos que Trump prometeu em campanha lutar para trazer de volta. Para Ribeiro, despesas trabalhistas e a automação em alta nos processos são as causas preponderantes do desemprego do chão de fábrica norte-americano, repleto de eleitores empobrecidos e de baixa qualificação de Donald Trump. Mas o vento mudou, sente o consultor. “Os transformadores de resinas presenciam um boom de investimentos nos EUA motivados pelos crescentes salários chineses, o desejo de reduzir os custos logísticos de produtos trazidos das filiais no exterior, a tendência de instalação de plantas perto das empresas clientes e o desejo da população por produtos ‘made in USA’”, expõe o analista. “Com isso, mais de 500 projetos relativos a artefatos plásticos já se concretizaram em mais de 40 estados”. Em contraponto, coloca Ribeiro, uma pedra cantada no mandato de Trump será a frustração no esforço de dar trabalho para a mão-de-obra defasada e, em boa parte, desempregada pelo alastramento do conceito Indústria 4.0 na manufatura em geral do país, aliás em retomada ao fim da era Obama.
Desafio dos empregos
“O problema dos desempregados pela tecnologia não é tão simples de resolver como Trump disse em campanha”, comenta o consultor argentino Jorge Bühler Vidal. “Esses trabalhadores precisam ser retreinados e melhorar o nível educacional para preencherem vagas onde sejam realmente necessários, como os milhares de postos abertos para soldadores,eletricistas e encanadores qualificados pela construção de unidades petroquímicas no Golfo do México”.
Vidal concorda com Ribeiro quanto às pedras no caminho para Trump empregar mão de obra fabril menos qualificada e impedir que a automação continue a deteriorar seu padrão de vida. “Alguns desses empregos migraram dos EUA para países de menor custo de mão de obra, entre eles México e China, mas, desde 2000, muitos postos de trabalho foram extintos para sempre pela evolução tecnológica”. Vidal acrescenta que muitos produtos de companhias norte-americanas são hoje produzidos fora do país, como iPhones, “devido à extrema dificuldade para conseguir fornecedores locais de insumos vitais para a fabricação”, completa. Numa alusão indireta à escalada da manufatura avançada e direta à melhora da economia sob Obama e à expectativa de preços competitivos de PE superofertado, Vidal chama a atenção para o aumento em curso nas compras de máquinas por transformadores de plástico nos EUA. “Não creio que o governo Trump afete este quadro, exceto se gerar uma grande crise comercial e econômica”.
Vidal se preocupa com a intenção de Trump de esconjurar a TPP e renegociar o Nafta e levar a represálias de países clientes dos EUA. Nessa linha, ele insere a ansiedade gerada pelo fato de o mercado latino-americano, destino chave do esperado excedente de PE, não crescer como se previa. Na esfera do Nafta, o diretor a Polyolefins Consulting assinala que, se deflagrada guerra comercial com o México, as importações norte-americanas de PE e polipropileno do país vizinho sairiam prejudicadas pelo ônus dos impostos alfandegários cobrados nessa conjuntura. “Por sua vez, os transformadores do México poderiam ser supridos por fornecedores de fora dos EUA, inclusos norte-americanos com plantas no Oriente Médio e Sudeste Asiático”, assinala Vidal. Quanto à TPP, ele endossa o ponto de vista de Roberto Ribeiro. “A saída dos EUA constitui uma oportunidade para a China”, enxerga. “O principal objetivo geopolítico da TPP, não entendido por Trump, era isolar a China do mercado internacional com tratados comerciais”.
Premissas furadas
Blogueiro do portal petroquímico Icis e dirigente da consultoria inglesa International eChem, Paul Hodges foca em grande angular sobre o plástico os rosnados anti TPP e Nafta de Donald Trump. “O ponto chave é que a indústria petroquímica hoje pende para relações comerciais mais regionais, quando não nacionais, reformulando assim seu modelo de negócio”, explica. “Nos últimos 25 anos, o setor trabalhou sob a premissa ‘construa a planta que o cliente virá’, montando a unidade onde a matéria-prima é barata e disponível, exportando então a resina ali produzida ao mercado transformador mundial”. O futuro, diz Hodges, recomenda a montagem da fábrica perto da sua demanda. Ele ilustra com o anúncio feito pela Shell de seu planejado investimento de um complexto de eteno/PE no estado norte-americano da Pensilvânia. “A companhia justificou o plano declarando que o complexo e seus clientes se beneficiarão de cadeias de suprimento mais próximas que as situadas no Golfo do México e realçou o local selecionado como ideal, pois mais de 70% dos consumidores norte-americanos de poliolefinas estão dentro de um raio de 113 km de Pittsburgh, a segunda cidade do Estado”.
Com ou sem Trump, analisa Hodges, os EUA terão de lutar para vender seu vasto excedente de PE, pois duas suposições norteadoras desses mega investimentos se provaram falsas: o barril de petróleo se eternizaria na faixa de US$ 100 e a China sempre cresceria dois dígitos anuais. “Se apenas uma dessas projeções falhasse, os projetos petroquímicos dos EUA já seriam problemas; como ambas variáveis furaram, o cenário previsto é de banho de sangue nos mercados de polímeros”. A maior parte dos novos complexos petroquímicos nos EUA, ele assinala, operam integrados na produção de gás de xisto. O etano precisa ser extraído de modo a permitir que o conteúdo de gás natural possa ser vendido. Ou seja, diz, os produtores de gás terão de abraçar um modelo de negócio baseado em fazer dinheiro em algum ponto ao longo da cadeia de valor. “Trump terá então o impacto de piorar um pouco uma situação ruim, em caso de explosão de uma guerra comercial, mas o entrave básico – aquelas duas premissas frustradas – já estava em cena antes da eleição”.
Hodges fecha com Roberto Ribeiro quanto ao retorno aos EUA de fábricas de indústrias norte-americanas transpostas para países de manufatura mais barata. “Esse movimento precede a vitória de trump e decorre do fato de as cadeias de suprimento terem se tornado longas e complexas demais”, argumenta. Com base nisso, o consultor crê que Trump vai frear a perda de mais postos de trabalho na América para o exterior. “Mas o que ele não pode fazer é mudar a origem da demanda subjacente em produtos e serviços físicos.Explico melhor: sociedades com maior contingente de idosos, como os EUA, não necessitam de comprar produtos e serviços com o mesmo ímpeto dos jovens, pois já têm o que precisam e o rendimento dessa faixa etária cai com os proventos limitados da aposentadoria. Por exemplo, em vez de carro novo, a preferência da terceira idade é pela mobilidade a cargo de ferramentas como Uber ou o transporte compartilhado”. Com isto, o futuro excedente petroquímico mundial cai numa encruzilhada, deixa claro o diretor da International eChem. “Antes de essa população envelhecer, nos anos 1990, a globalização estava na ordem do dia e hoje cedeu lugar à sustentabilidade, conclamando a sociedade a viver e produzir mais com menos”. O próprio Trump,aliás, já é um setentão.
Melhor esperar para ver
Há uma diferença nada sutil entre o que Trump quer e pode fazer, nota o presidente da Abiplast.
Donald Trump é autor do livro “Trump: A Arte da Negociação”, publicado em 1987. Aí vai um trecho: “Eu mexo com a fantasia das pessoas. Elas não costumam pensar grande sobre si mesmas, mas adoram quem se comporta assim. É por isso que um exagero nunca faz mal. Elas querem acreditar no grande,no maravilhoso, no espetacular. Chamo isso de hipérbole verdadeira. É uma forma inocente de exagero, mas muito boa para a autopromoção”. Ao esquadrinhar as intenções do novo presidente dos Estados Unidos na entrevista a seguir, José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), deixa subentendido que a transposição à prática da retórica do magnata tende a evocar aquele pedido feito a economistas para desenharem um cavalo. Saiu um camelo.
PR – Quais os efeitos para o futuro excedente norte-americano de PE, causados pela eleição de Trump na Casa Branca num momento de comércio internacional enfraquecido e globalização sendo contestada?
Roriz – Antes de tudo, vale salientar que em campanha Donald Trump já dera sinais do que seria sua política externa ao afirmar: “como país precisamos ser mais imprevisíveis”. Depois de sua vitória, essa imprevisibilidade causa muitas incertezas. Se no plano das relações internacionais pairam dúvidas, na condução da política interna Trump cita que vai pautar seu plano econômico em redução de impostos, desregulamentação de atividades econômicas como as do setor financeiro e a exploração de carvão e shale gas. Ele também acena com um agressivo plano de investimentos em infraestrutura, em torno de US$ 500 bilhões. Com isso, Trump quer dobrar para 4% ao ano o crescimento médio do PIB dos Estados Unidos.
O setor privado não fica tranquilo com tantas incertezas. Não se dispõe a tomar decisões com bases em especulações capazes de comprometer os negócios. Nesse sentido, não vemos por ora, alteração nos planos de investimentos na produção petroquímica do país, podendo ser inclusive beneficiados com essa proposta de aumento de investimentos em infraestrutura, facilitação de negócios no ambiente regulatório e alívio de impostos no ambiente fiscal. Quanto a uma possível dificuldade de exportação do excedente de PE americano, os planos iniciais são para suprir principalmente os mercados europeus e da América Latina. Creio que a dinâmica no mercado petroquímico não deverá ser negligenciada ou impactada negativamente em relações comerciais.
PR – Trump conseguirá ou não trazer de volta aos EUA empregos e fábricas transpostos por indústrias norte-americanas para México e China, atrás de custos menores?
Roriz – Mais do que o endurecimento em negociações comerciais, acredito que a desregulamentação de atividades e redução de impostos, poderão servir como moeda de troca para as indústrias instaladas no México e na China abrirem plantas ou estabelecerem produção nos Estados Unidos. Tal política para promoção do “reshoring” (a volta das unidades) me parece muito mais crível do que a simples imposição de barreiras no comércio entre países. Além de não garantir a volta das empresas, periga prejudicar as próprias companhias múltis americanas em seus negócios no México e China. Mas tal hipótese só poderá ser observada ao longo do mandato de Trump.
PR – Com Trump na presidência, os investimentos em máquinas aumentarão ou não entre indústrias como transformadoras de plásticos dos EUA?
Roriz – Diferentemente do que ocorre no Brasil, os EUA têm exata noção de que o ideal para economia e para geração de empregos e renda é adicionar valor à matéria-prima. Como haverá ampla oferta de matérias-primas, tal crescimento em termos de investimentos também se refletirá na terceira geração. Vale lembrar que, no Brasil, o setor plástico é o quarto empregador da indústria de transformação e, entre os grandes empregadores desse reduto, é o que absorve mão de obra mais qualificada, paga melhores salários e agrega valor à matéria-prima. Nos EUA o setor de transformados plásticos é o segundo mais relevante em termos de empregos e de valor adicionado e salários. Como o objetivo do Trump também é atender o eleitorado que pediu mais empregos, o setor de transformados plásticos é candidato ideal para estar incluído nos acenados pacotes de estímulo à economia americana.
PR – Os votos decisivos para Trump vieram primordialmente do norte-americano branco, pobre, desempregado e de baixa qualificação profissional. Na feira K’2016 ficou patente a ascensão da Indústria 4.0. Como deve ficar a penetração dessa tendência na América do Norte diante das promessas de emprego e trabalho feitas por Trump?
Roriz – A explicação da eleição de Donald Trump vai além da população pobre, de baixa qualificação e desempregada. Essa vitória é, em boa parte, também explicada pelo eleitor que pretendia dar uma virada no status quo de Washington, insatisfeito com a condução da política e, por isso, entendo que não haverá impactos, por exemplo, no conceito da manufatura avançada ou Indústria 4.0. Ele tem sido debatido desde 2011 com foco na criação de infraestrutura para inovação e parcerias entre instituições de pesquisa e empresas. Os empregos gerados por essa tendência contemplam a mão de obra mais especializada e produtiva e melhor remunerada. O que me parece mais atender aos anseios da população do que pensar em revoluções contra a tecnologia em nome da geração de emprego.
PR – Trump quer acabar com o acordo da Parceria Transpacífico (TPP) e rever o mercado comum do bloco Nafta. Quais as possíveis consequências dessas ações?
Roriz – A TPP já enfrentava dificuldades em ser aprovada pelo Congresso americano e a expectativa é de sua saída do foco das negociações do país. Tal explicação é diferente no caso de um acordo vigente como o Nafta. Trump não poderá mudar essas regras ou as do Sistema Geral de Preferências (SGP), sem antes passar pelo crivo do Congresso e os grupos de interesse decerto tornarão tal intento mais difícil. De volta à TPP, já existem movimentos da China no intuito de aproveitar o possível vácuo dos EUA nessa parceria. Os países que formariam o bloco totalizavam 40% do comércio global e a não formalização da aliança mantém esse mercado aberto para negociação.
PR – Trump na presidência dos EUA acaba ou não com eventuais intenções de investimento em eteno e poliolefinas na América?
Roriz – Já disse que o principal driver do investimento petroquímico é a existência de fontes de matéria-prima competitiva. Houve investimento no México por conta da proximidade do acesso ao gás. Não havia e ainda não há previsões significativas de expansão de capacidade de produção na América do Sul. No Brasil temos o potencial do pré sal, mas ele perdeu impulso na fila de prioridade das petroleiras. Investimentos na América do Sul serão estudados dentro do contexto global. Se a Argentina passar a explorar shale gas, pois conta com a segunda maior reserva do continente, tal investimento pouco está atrelado à condução política de Washington. •