As mãos longe da graxa

A falta de mão de obra jovem qualificada para o setor plástico vem aumentando. O desinteresse está se intensificando pelos efeitos da recessão junto com o modelo engessado de gestão adotado pelas indústrias em geral, deixando-as atrás de outras alternativas, como os setores de serviços e de pesquisa e desenvolvimento na preferência da nova geração.

O número escasso de vestibulandos para os cursos de Química, Engenharia Mecânica e de Materiais é um sinal da queda no interesse desta geração pelo trabalho em manufatura e nas linhas de produção. O elevado investimento para ingressar nesses cursos e as difíceis cadeiras que o educando depara no ensino superior pesam para agravar o desinteresse e contribuem para o aumento do número de desistências durante a graduação. Ao longo do curso, os alunos não são devidamente apresentados ao setor plástico, seja pela falta de disciplinas específicas e/ou pelo baixo esforço das indústrias do ramo em ações institucionais e informativas no âmbito das universidades e faculdades.

Alexandre de Oliveira Souza
Alexandre de Oliveira Souz

Sou testemunha dessa aversão dos jovens ao ambiente fabril, a “pôr as mãos na graxa”. A propósito, nos sete anos em que trabalhei em uma indústria de descartáveis plástico, sempre a vi às voltas com dificuldades para recrutar pessoal recém-graduado para postos no chão de fábrica ou relacionados à produção. No meu próprio círculo de relações eu vejo predominar a simpatia e preferência pelo mercado de trabalho em serviços a exemplo do setor financeiro, jurídico, empresas de TI, de design, publicidade, comércio. A maioria dos colegas que se formaram comigo no curso técnico em Mecânica, não trabalha hoje na área e um grupo menor ainda procurou se graduar em Engenharia.

Entre os jovens noto que a noção disseminada do trabalho em uma fábrica é a de uma ocupação maçante, repetitiva, sem muita margem para a criatividade, de uso restrito e comportado da informática e demais tecnologias, com baixa troca de conhecimento, um lugar sem plano de carreira, de esforço excessivo e baixa remuneração. Uma ressalva: nem todas essas percepções estão incorretas, embora elas variem de indústria para indústria. Hoje em dia, essa impressão dos jovens se acentua no contraste estabelecido com o alastramento das startups e o surgimento das companhias “unicórnios”, que tantos atrativos oferecem a novos talentos, como horários flexíveis e um ambiente inspirador, de uma cultura que intensifica a busca do sucesso rápido, mesmo para quem tenha baixa experiência e conhecimento. Por sinal, essa procura dos candidatos a trainees pelo crescimento profissional acelerado é notada pela maioria dos entrevistadores do RH de qualquer indústria.

Quais as raízes desse comportamento? Minha geração vive rodeada de informações à vontade e de facílimo acesso pela informática. Apesar desses conhecimentos ao alcance de um clique de mouse ou a um toque das mãos, o pessoal em geral não corre atrás. Não se interessa em saber a fundo; basta ter uma noção resumida e uma síntese dos assuntos. Trata-se daquele conhecido preceito: “estudar para a prova e não para a vida”. Pesa ainda nesse superficialismo o baixo índice de leitura dos brasileiros e, por tabela, a dificuldade generalizada entre os jovens de se expressar e escrever ou mesmo de interpretar o que se lê. Tudo isso nos leva às deficiências no ensino que fizeram do Brasil um eterno “lanterna” nos rankings mundiais de educação, falhas também refletidas nas baixas notas do ENADE atingidas pelas graduações. Amarrando então as pontas, temos uma juventude acostumada pela internet a querer tudo rápido e sem muito esforço, de formação escolar bastante a desejar. Vem daí aquela noção do trabalho em fábrica como algo monótono, chato e opressivo.

Hoje em dia, essa preferência da minha geração pelo charme dos outros setores, de trabalho mais fácil, prático e lucrativo que o industrial, é visível em grande parte do mundo. A indústria tem parte da culpa por essa sua imagem. Afinal, pelo visto, ela mostra que não soube construir uma ponte com a nova geração, reter talentos, estabelecer laços de afinidade com os recém-formados em áreas já referidas, como Química, Engenharia dos Materiais e Mecânica. Daí a debandada dos vestibulandos brasileiros desses campos, causando o fechamento de cursos pela baixa procura e o descaso que vejo nas instituições de ensino por jovens interessados em profissões relacionadas com o setor plástico. São lamentáveis as consequências disso tudo em um momento em que tanto se fala da falta de produtividade do Brasil e do acanhamento das nossas exportações de manufaturados.

Como é que a indústria poderia tentar virar esse jogo e atrair o interesse dos novos talentos para botar a mão na graxa, para investir numa carreira na manufatura? O que a indústria deve fazer na prática e de concreto para se comunicar melhor com os jovens formandos e corresponder às expectativas profissionais e de vida dos graduados do Século 21?

A primeira providência é divulgar o setor plástico. Muitos de nós, universitários, desconhecemos o ramo e, também por isso, poucos somos estimulados a optar por uma carreira. As empresas deveriam fazer uma aproximação acenando com sinais da modernidade no trabalho, caso do conceito da Indústria 4.0. Este conceito se baseia no extremo uso de automação e Tecnologia de Informação na manufatura, mostrando assim aos jovens que a indústria de hoje não tem mais nada a ver com sua imagem do passado: de um lugar que poluía o ambiente expelindo fumaça, de serviços braçais exercidos a cargo de um efetivo enorme na produção.

Outra forma de a indústria do plástico virar essa página é pela via do ensino. Por exemplo, firmando parcerias com instituições de ensino tendo em vista visitas dos educandos às fábricas, participando ativamente de feiras de profissões, ministrando palestras sobre inovações concretas – sem induzir a venda de produtos e criando laboratórios do setor plástico para aulas práticas capazes de instigar a curiosidade dos universitários. Outro chamariz seria estipular um valor diferenciado para incentivar o comparecimento de estudantes a eventos da cadeia do plástico. Por fim, da porta para dentro, torna-se premente para as indústrias do setor elaborarem planos de educação corporativa, criando um ambiente saudável, inovador e produtivo, que incentive sua equipe a estudar. Se parar no tempo, o jovem não vem. •

*Alexandre de Oliveira Souza é Técnico em Mecânica e cursa a 10ª fase do curso de Engenharia Mecânica pela Faculdade SATC, em Criciúma (SC).

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