Enquanto economia e política no espeto assam na grelha da depressão, a montadora inglesa Jaguar Land Rover inaugura fábrica de utilitários esportivos e a sistemista japonesa Toyoda Gosei anuncia sua segunda unidade de autopeças plásticas no país. O que eles estão vendo que passa batido para o pessoal daqui com bala para investir na manufatura local? Está certo que os dois exemplos citados são provenientes do setor mais paparicado da indústria. Em cada esquina do universo automotivo, o empreendedor depara com incentivos fiscais e um mundo de outras benesses e facilidades. Ainda assim só louco rasga dinheiro e ele não aguenta desaforo.
Portanto, nas entrelinhas dos aportes da Jaguar Land Rover e Toyoda Gosei (ambas negaram entrevista), é preciso considerar o peso exercido pelos ativos brasileiros baratos em moeda forte e, no plano global, o fato de restarem cada vez menos grandes mercados compradores de autos. No Primeiro Mundo, as vendas de carros engasgam e a excelência da mobilidade urbana e a adesão dos consumidores à economia compartilhada e a aplicativos de serviços de condução torpedeiam as receitas das montadoras. Já no Brasil, uma infraestrutura viária tão à míngua quanto o nível educacional e um transporte público carente e defasado – alvo de inexplicáveis depredações e incêndios criminosos – trabalham para manter o carro como símbolo de status para o grosso da população. Em dois anos no breu da recessão, produção e vendas brasileiras de autos murcharam ao patamar de 2007. Ainda assim, a musculatura da demanda segue sarada, os espaços por ocupar são ave rara mundial e as bonanças passadas estão frescas na memória da Land Rover e Toyoda, atestando o potencial do mercado.
Potencial. Para o bem e para o mal, esta é a palavra a não se perder de vista quando o assunto é o Brasil. Está certo que o futuro a Deus pertence enquanto o ataque ao descalabro da economia lembrar um caso de obesidade mórbida tratado com coca light. Mas, por mais que esqueletos saiam do armário das contas públicas e, daqui a pouco, a fila de depoentes e indiciados na Lava Jato vá requerer a distribuição de senhas, o país conserva nos dedos dois anéis de pedras que não perdem o brilho aos olhos de pretendentes a investidores. São as vantagens naturais e a envergadura do consumo interno. Sobram referências do Brasil na linha de frente mundial desses dois atributos, a exemplo das commodities minerais e agrícolas ou as vendas dos produtos da cesta básica.
É de se lastimar que, haja crise ou não, a pujança dos dois filões dependa estritamente deles mesmos. Exemplo: Uruguai e Vietnã recebem, respectivamente, mais turistas por ano que o Brasil com seu despropósito de belezas nativas (vale o duplo sentido). Em vez de tratar esse absurdo com gestão e estrutura profissionais para desfrutar as dádivas do turismo postas pela natureza ao alcance da nossa mão, os governos de plantão esnobam esse rio de dólares designando leigos indicados por compadrio para ficarem sentados na barra de ouro de braços cruzados.
Substitua o turismo por qualquer área e se verá que, salvo eventuais exceções, o critério é o mesmo para a escolha de quem deveria prover o respaldo oficial para a iniciativa privada tornar o sonho realidade. Mudar essa mentalidade arcaica do poder público é parto a fórceps, mas o atual processo de limpeza de ares tem força para começar a determinar a especialização e competência, além da ficha limpa, como requisitos para designar quem leve o governo a fazer a sua parte. E deixa o mercado cuidar do resto.•