A Argentina vira a página

Governo Macri prepara o país para voltar a atrair investimentos
Sica: retomada exige medidas setoriais.
Sica: retomada exige medidas setoriais.

Autocrítica é o primeiro passo para uma correção de rumos e o governo de Maurício Macri, ao contrário da era Kirchner, começou fazendo muito bem para a Argentina ao respeitar esta cláusula pétrea da psicologia e economia. “A nova administração pôs em marcha um programa baseado em dois eixos: reordenar uma macro economia muito desequilibrada e reimpulsionar o crescimento sustentado cujos motores sejam o investimento e a exportação e não, como na década anterior, o consumo e o gasto público”, esclarece em entrevista exclusiva o economista Dante Sica, sócio fundador da respeitada consultoria portenha Abeceb, ex-Secretário da Indústria, Comércio e Mineração da Argentina e, entre outros encargos atuais, é assessor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e de empresas brasileiras com interesses no mercado argentino.

As mudanças em vista, óbvio, não acontecem da noite para o dia. Nesse contexto, prossegue Sica, 2016 afigura-se a um ano de transição, com todos os ônus atrelados a uma correção de rota. “O país sentirá, no exercício atual, o impacto negativo sobre a atividade econômica e a inflação do ajuste cambial e tarifário, além do viés contracionista das políticas de demanda agregada, em especial no plano monetário”, ele considera. O governo Macri trabalha no longo prazo. “Após um ciclo de 12 anos de fortes e distorsivas intervenções estatais na economia e crescente poder discricionário, o novo governo busca alinhar a conjuntura econômica com a eficiência produtiva, usando o melhor que a Argentina tem, mediante a remoção das travas no comércio exterior”, reitera o consultor. Com essa linha de ação, ele complementa, a gestão Macri prepara o terreno para o aumento da capacidade produtiva, a melhora da produtividade e do ambiente de negócios, além de reinserir a Argentina nos fluxos financeiros globais.

As intenções já passaram à prática no campo macroeconômico, percebe Sica. Ele exemplifica com o fim de medidas restritivas à compra de dólares (“cepo cambiario”) e a diminuição de entraves à importação dos principais insumos e ao giro de dividendos. O economista ressalta ainda o combate à inflação e o plano para reduzir o ainda alto déficit fiscal. Mas o acerto dessa estratégia também depende de uma complexa agenda de desenvolvimento produtivo . “O impulso da competitividade exigirá a adoção de medidas setoriais e, nesse ponto, é vital a revisão de marcos regulatórios específicos, caso do setor energético, hoje desprovido de mecanismo de fixação de preços a longo prazo”. Aos olhos de Dante Sica, a política econômica do governo Macri caminha para tornar ímãs de investimentos internacionais o déficit da infraestrutura argentina e setores como energia, mineração e o agronegócio.

Impacto variável dos reajustes
O governo Macri abriu as cortinas com polêmicas medidas de impacto. Entre elas, a isenção de imposto de renda para quem ganha até 30.000 pesos, a liberação da taxa de câmbio e os aumentos da taxa de juros (para 38%) e das tarifas de energia elétrica. De cara e no plano geral, constata Sica, essas ações salgaram os custos de produção, levando à redução de margens, subida nos preços e queda na demanda. “Mas esse impacto depende do setor em análise”, ele ressalva. “Por exemplo, a liberação cambial trouxe um ganho de competitividade a indústrias exportadoras, como parte do setor de alimentos, siderurgia, couro e atividades extrativas”. Já setores centrados no mercado doméstico, como o têxtil, bens duráveis como eletrodomésticos e indústrias de bebidas viram-se afetados pelos efeitos da medida cambial no poder aquisitivo do consumidor final, reconhece Sica.

“A subida nos juros e na energia elétrica também encareceu os custos industriais, mas, de novo, o impacto varia conforme o setor e o porte da empresa”, distingue o economista. “Em princípio, as pequenas e médias foram mais prejudicadas, pois mais dependentes de financiamento, mas grandes empresas compradoras de eletricidade no mercado atacadista estavam pagando um preço sensivelmente superior ao de firmas menores, portanto menos afetadas nesse caso pelo reajuste da tarifa”. A propósito, encaixa o analista, o governo Macri lançou recentemente um programa de benefícios a pequenas e médias empresas, inclusos aumento na linha de créditos para investimentos produtivos e um prazo maior para liquidação de imposto de valor agregado (IVA) e tributos sobre exportações.

O preço da maquiagem
Desde 2007, as estatísticas econômicas foram manipuladas pelo governo de Cristina Kirchner. Os indicadores passam por revisão no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec). “A manipulação afetou a medição do poder aquisitivo e a alteração do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e distorceu grande parte das estatísticas oficiais”, julga Sica. “Devido à sistemática prática de subestimar a inflação, medições como a da taxa da pobreza, cruciais para se calcular o valor de uma cesta de bens, deixaram de espelhar a realidade socioeconômica”. Na esteira, acrescenta Sica, os salários reais também sofreram distorções ao refletir um poder de compra totalmente inflado. “Os indicadores mensais de alguns setores industriais também despertaram suspeitas de manipulação, em particular em 2011”, distingue Sica. Estimativas preliminares do Indec delineiam um empobrecimento da população acima dos números maquiados impingidos pelo kirchnerismo.

As distorções de preços, useiras e vezeiras no governo de Cristina Kirchner, pegaram em cheio a cadeia de hidrocarbonetos, atesta Sica. “Em particular , o preço do gás natural pago pelas geradoras e distribuidoras de energia elétrica se situaram abaixo da paridade de importação, resultando em menores receitas para os produtores”. A manipulação baixou em 16% a produção de gás natural entre 2007 e 2015 em colisão com uma procura crescente, repassa o consultor. O enrosco desembocou na decretação de medidas extremas, como o corte na eletricidade para as indústrias durante o inverno, pico da demanda residencial na Argentina. Não deu outra: entre 2010 e 2015, a capacidade instalada singrou na média de 84% e caiu a 68% na temporada do frio, observa Sica. “A dificuldade de acesso da indústria à energia elétrica, seu principal insumo, estancou a produção local e desestimulou os investimentos no setor”.

Futuro da petroquímica
Em crônico déficit no país, gás natural é o oxigênio da petroquímica. Para melhorar a diponsibilidade do insumo, conta Sica, a primeira medida relevante do governo Macri foi aumentar o preço pago (média atual de US$/MBTU 4,6) aos produtores locais de gás pelas geradoras e distribuidoras de energia elétrica. Entre outras benesses concedidas aos produtores de gás, o consultor destaca a correção cambial e mais autorizações para girar dividendos. “A curto prazo, os efeitos disso para a petroquímica são perda de competitividade e queda nas margens”, ele admite. “Mas a médio e longo prazos, a mudança da política relativa ao gás poderia ensejar a redução das restrições de abastecimento do insumo ao setor e a reversão da queda de produção de petroquímicos, notada desde meados de 2015”. Para Sica, o caminho para a expansão maiúscula da petroquímica argentina passa pelo desenvolvimento de reservas de gás de fontes não convencionais, movimento dependente de melhora no preço internacional dos hidrocarbonetos e da redução do custo de exploração das jazidas de gás em Vaca Muerta. “Hoje em dia, ele é muito superior ao aferido nas reservas de gás de xisto (shale gas) nos EUA”.

Os preços domésticos do gás natural hoje complicam a competição de polietileno (PE) da Argentina, a cargo do complexo da Dow em Bahia Blanca, com o excedente da resina que novas plantas via gás começarão a exportar dos EUA para destinos como a América do Sul a partir de 2017, antevê Sica. “Mas caso a Argentina consiga, mais à frente, desenvolver em grande escala seus recursos de shale gás, a maior disponibilidade local provavelmente levaria a uma importante redução dos preços internos do insumo”. Munido desse respaldo, ele complementa, a petroquímica argentina poderia reunir condições de competir com as resinas dos EUA, “ao menos no mercado regional, com apoio no tratamento alfandegário privilegiado e custos menores de transporte” , opina o dirigente da consultoria em Buenos Aires. “Por sinal, apesar do crescimento da petroquímica norte-americana e das condições atuais da Argentina”, arremata Sica, “ela continua ativa e respondeu por 28,6% das importações brasileiras de PE entre janeiro e maio deste ano”.

 

O otimismo está de volta

A obsessão do governo com o crescimento econômico sustentado anima o setor plástico argentino
Lopez: mercado fechado favoreceu e prejudicou a transformação argentina.
Lopez: mercado fechado favoreceu e prejudicou a transformação argentina.

Economia algum deixa a UTI da noite para o dia. Mas quando os curandeiros cedem lugar a profissionais na junta médica a retomada começa a pintar no radar. É esse o clima de otimismo e esperanças que o governo Macri trouxe para a Argentina e sua indústria do plástico, sensor extra oficial do poder de compra e da qualidade de vida. Nessa entrevista, Oscar Lopez, sócio da consultoria argentina Unisouth, percorre a trajetória do setor sob o desgoverno de Cristina Kirchner e pincela as perspectivas a médio prazo.

PR – Quais os efeitos causados pelo governo de Cristina Kirchner no desempenho da petroquímica argentina?
Lopez – Nos quatro anos iniciais, a indústria, no plano geral, revelou o impulso da recuperação da atividade sob baixos índices de inflação e uma conjuntura com excelente nível de superávit fiscal, balanço de comércio exterior e bom nível de divisas. As tarifas de serviços já começavam a mostrar defasagem a ponto de estancar investimentos em energia, petróleo e gás. Esse quadro forçou a petroquímica a retardar decisões de expansão de capacidades ou novas plantas, dada a insuficiência de matéria-prima para respaldar esses investimentos.

No segundo mandato de Cristina Kirchner, mudaram as variáveis macroeconômicas. Subiram muito os gastos públicos para aumento de subsídios, pois o governo não atualizou as tarifas de serviços. Assim, o país passou de um quadro virtuoso dos mencionados superávits a déficit e perda de reservas. Daí veio um severo controle do câmbio e restrições ao comércio exterior, fechando a economia. Em paralelo, a defasagem das tarifas públicas cresceu no período, com decorrente aumento de déficit e das necessidades de subsídios.

Para a petroquímica, esta conjuntura convergiu para o aumento das suas vendas internas, a preços em média obviamente melhores que os de exportação. Sua capacidade para exportar foi, portanto, reduzida e sua competitividade para essas transações baixou com a crescente defasagem cambial. Ao mesmo tempo, as barreiras às importações diminuíram a concorrência externa no país. Assim, a petroquímica acabou desfrutando alta rentabilidade, mas sua operação foi complicada por fatores como a falta de insumos (gás) em períodos críticos do inverno e a dificuldade para importar peças.

PR – Quais os efeitos desse cenário para a indústria argentina de transformação de plásticos?
Lopez – Ela teve que desenvolver uma capacidade de rápida adaptação a cenários mutantes. No geral e sem distinção de setor, a transformação sofreu com crescentes custos trabalhistas e de insumos, reajustes que, em diferentes velocidades de repasse, o setor pôde compensar em seus preços. Apesar desses entraves, o nível médio de rentabilidade do negócio foi bom. De outro ângulo, o protecionismo dificultou a atualização do parque fabril, o acesso a outras matérias-primas competitivas e todo o ciclo de planejamento de investimentos. A indústria de transformação mostrou certa resignação em atuar num mercado muito fechado.

PR – O que o setor plástico argentino pode esperar do governo Macri?
Lopez – Pergunta prematura, a ser respondida dentro de um ano. Mas, ao lado do clima de otimismo gerado pelo novo governo, já se notam mudanças muito contundentes que renderão frutos a médio prazo. Exemplos: o fim das medidas restritivas à compra de dólares (“cepo cambiário”), o pagamento de dívidas aos credores dos fundos abutres (“holdouts”), a eliminação de impostos de exportação para muitos setores e o acesso às finanças internacionais. Do lado das mudanças de impacto negativo, influentes no aumento dos índices inflacionários e na queda da atividade econômica servem de referência os duros reajustes graduais de tarifas, a devalorização do peso e altas taxas de juros e demandas de ajustes salariais.

A reabertura do mercado começa a facilitar o ingresso de produtos petroquímicos importados, gerando uma pressão para baixo nos preços domésticos. Numa reação em cadeia, esse efeito será replicado na transformação e, por extensão, ela também começará a conviver com uma demanda de preços menores nos mercados que atende. Em suma, o setor plástico argentino atravessa uma etapa de transição com alguma turbulência na política econômica. Sua rentabilidade cairá até que se alcance maior normalização de todas as variáveis.

Brasileiros na Argenplás 2016
A edição deste ano da Argenplás, feira nº 1 do plástico na Argentina, foi a primeira sob os bons fluidos emitidos para o setor pelo governo Macri. Entre os expositores do Brasil na mostra realizada em junho, em Buenos Aires, despontaram em matérias-primas, a Braskem, que não quis dar entrevista, e a líder nacional em masters, a Cromex. “ Hoje em dia, o setor plástico argentino consome cerca de 48.000 t/a de concentrados, das quais a produção local abocanha perto de 85% e o restante fica com as importações”, reparte Janaina Lara, gerente de contas para a América Latina da componedora. Entre os destaques no estande, ela seleciona a linha Microcolor, de resinas micronizadas para rotomoldagem, e concentrados e aditivos para plasticultura.
Formadora mundial de opinião em periféricos, a italiana Piovan também bateu o ponto na feira portenha. “A média da transformação argentina é constituída por empresas com bom nível de atualização”, percebe Ricardo Prado, vice-presidente da Piovan do Brasil. A propósito, ele vislumbra na carência local de energia elétrica para as indústrias um chamariz para a venda de seus equipamentos auxiliares. “Periféricos de alto rendimento permitem maior produtividade por kW/consumidor”. Esta performance foi um dos predicados realçados ao público para as estrelas do estande da Piovan. Entre elas, Santos distingue os dosadores gravimétricos MDW 150 e a nova linha de alimentadores patenteados Pureflo, já montada no Brasil. “São modelos que dispensam o operador do trabalho de alcançá-los em locais de difícil acesso para limpeza de filtros ou telas, pois não empregam esses componentes”, explica o executivo.
A Rulli Standard, viga mestra do Brasil em extrusoras de flexíveis e chapas, deixou sua assinatura na Argenplás com um lançamento: a extrusora de dupla rosca para recuperar filmes descartados. “O equipamento transforma o refugo em grãos para segundo uso no processo de extrusão, sumariza Paulo Leal, engenheiro da equipe de vendas técnicas. Além de pôr fé no estímulo à economia argentina dado pelo governo Macri, o executivo percebe chão firme para suas linhas, munidas de motores de alta eficiência e notórios pela economia energética, pelo fato de o país vizinho carecer de tradição na montagem de extrusoras. Conforme rememora, a variação cambial e a burocracia contribuindo para fechar o mercado inibiram a transformação argentina, sob os oito anos de gestão de Cristina Kirchner, de investirem na modernização e expansão de seu parque de extrusão de filmes e chapas”. A troca de governo facilitou essas aquisições e, assim, o mercado argentino volta a nos solicitar cotações e a encaminhar pedidos”, comemora Leal.

PR – Quais as possibilidades de a indústria argentina atrair capital externo com o novo governo?
Lopez – Vejo muito interesse nos investidores internacionais e os principais alvos deles serão infraestrutura, mineração e, quando o preço do barril se recuperar mais um pouco, o setor de óleo e gás.Também presenciaremos mais investimentos na petroquímica, tão logo se garanta suprimento estável de matéria-prima, e na indústria de alimentos, com desdobramentos em embalagens.

PR – Como avalia os efeitos desses anos de recessão no Brasil sobre o setor plástico argentino?
Lopez – O impacto tem sido muito negativo em quase todos os setores industriais; a recessão brasileira forma entre as variáveis externas que contribuem para a queda da atividade da Argentina. Os efeitos da crise no Brasil tem sido mais sensível na indústria automobilística argentina, além de redutos como embalagens, alimentos e matérias-primas.

PEBD: Dow retoma produção argentina no segundo semestre
Uma explosão paralisou desde novembro último a unidade de polietileno de baixa densidade (PEBD) do complexo argentino da Dow, em Bahia Blanca. A empresa informa estar empenhada em retomar as atividades da planta no segundo semestre e executa, desde o início da parada, um plano para garantir o abastecimento de PEBD ao mercado argentino mediante importações do polímero.•

 

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