Mesmo assolado pelo terceiro ano seguido da economia em depressão, o mercado brasileiro de refrigerantes ainda impõe respeito. Em 2015, a produção da bebida caiu 5,9%, na calculadora do Sistema de Controle de Produção de Bebidas da Receita Federal. Além das garras da crise, considere-se que 2014 foi período ponto fora da curva, pois foi o ano da Copa do Mundo, de singular incentivo midiático ao consumo de bebidas frias. Mas pairam outros poréns por trás desse recuo, alimentando a suposição de que as vendas de refrigerantes se inclinem para um esfriamento, uma perspectiva indigesta para a cadeia de PET, cujo mercado nº1 é, de longe, o envase desses carbonatados.
Os sinais de arrefecimento pela frente brotam no cotidiano feito mandatos para a Polícia Federal cumprir. Pululam na mídia as coberturas sobre mudanças no metabolismo do brasileiro e seus riscos para a saúde e até para admissão em empresas. Chovem pesquisas e alertas sobre o excesso de peso da população na terra do natimorto programa Fome Zero. Na esfera dos hábitos alimentares, a ingestão excessiva de açúcar recebe condenação unânime. O clamor pelo banimento de produtos açucarados (refrigerantes encabeçam as listas negras) já virou bandeira e palanque de políticos. Trata-se de tendência mundial, mas de singular repercussão num país que, além de abraçar a chamada cultura da saudabilidade, endeusa corpos sarados, como provam seus recordes mundiais em cirurgias estéticas e a vice liderança global em quantidade de academias, quase 32.000, só perdendo para os EUA e com público estimado em oito milhões de alunos, o quarto do mundo no gênero.
Cientes da mudança da maré, fabricantes de refrigerantes tratam de botar um dos pés em outra canoa mais segura. Ainda em abril, por exemplo, a Ambev, colosso das cervejas e refrigerantes, comprou a fabricante de sucos carioca “do bem”, encorpando assim seu portfólio caloricamente correto e integrado por chás e isotônicos. No mesmo mês, a Coca-Cola, já atuante em sucos e mate, anunciou a chegada ao Brasil da versão contendo o adoçante stevia e 50% menos açúcares.
Não faltam avisos, portanto, para PET reagir a esse estado de coisas buscando mais participação em outras frentes de bebidas não alcoólicas, redutos onde hoje prevalecem embalagens cartonadas e latas, para contrabalançar essa pedra cantada que é o esmorecimento da demanda por refrigerantes. O novo horizonte também é propício a outras soluções plásticas de envase, flexíveis e rígidas, saírem do acanhamento para a luta por um lugar ao sol em bebidas saudáveis, deixam no ar as reportagens a seguir.
Mais razão e menos emoção
Consumido na medida certa, o açúcar pode integrar uma dieta saudável, defende a Abir
Até o fechamento desta edição, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) não dispunha para divulgação dos indicadores sobre 2015. À parte o estrago generalizado da crise no setor, salvo exceções como água mineral, o fato é que a entidade está no epicentro de uma gradativa mudança nos ventos: o avanço das bebidas saudáveis nos calcanhares do campeão das vendas do setor, os refrigerantes. No Brasil, deu no Wall Street Journal, o Congresso rumina há anos um projeto para banir refrigerantes das escolas e, em janeiro último, a Organização Mundial da Saúde recomendou aos governos tributar bebidas açucaradas para combater a obesidade infantil. Com 31 empresas, os fabricantes de refrigerantes compõem o maior bloco de filiados à Abir, completados pelas categorias de água mineral, água de coco, alimentos/compostos líquidos, bebidas à base de soja, café e chás prontos para beber, energéticos, isotônicos, néctares, refrescos, refrigerantes e sucos concentrados. Nesta entrevista, Alexandre Jobim, presidente da Abir, mostra como seu setor acompanha e quer participar mais do debate em prol de uma qualidade de vida melhor.
PR – As críticas e restrições ao consumo de refrigerantes, em especial os tipos açucarados, são um caminho sem volta?
Jobim – A ABIR tem acompanhado vários debates em todo o mundo sobre medidas restritivas de consumo de bebidas açucaradas. Entendemos que há uma grande preocupação com o consumo de açúcar e calorias e defendemos que a indústria seja parte da solução dessa questão. O consumo de açúcar pode fazer parte de uma dieta saudável, se for consumido com responsabilidade e na medida certa. Queremos que os cidadãos tenham informações e opções de consumo para tomar as melhores decisões de acordo com o seu próprio perfil.
É possível identificar que essas medidas restritivas não têm surtido o efeito que sugerem ter quando são anunciadas. Este é o caso, por exemplo, do aumento dos impostos para tais produtos vigente no mercado mexicano. Em outros países, o aumento do valor de alguns produtos fez apenas com que os cidadãos procurassem alimentos com ingredientes similares, mas de menor preço.
Os associados da ABIR defendem um estilo de vida saudável e ativo. Acreditamos que as pessoas precisam ter informações para tomar decisões sobre seus hábitos alimentares de forma em geral. A restrição sobre um tipo de produto não é a resposta para os desafios que a sociedade enfrenta hoje, caso da obesidade.
PR – Como a Abir se posiciona perante as restrições à venda ou publicidade de refrigerantes?
Jobim – A ABIR acredita no compromisso de cada setor com os desafios colocados hoje. Por isso, defende a autorregulamentação. Lançamos em abril as Diretrizes ABIR sobre Marketing para Crianças.Trata-se de um compromisso de suspensão de publicidade quando houver audiência de pelo menos 35% de crianças com idade até 12 anos. A entidade reconhece e respeita o papel dos pais e responsáveis na tomada de decisão sobre o consumo de bebidas para as crianças.
PR – A venda de refrigerantes está proibida nas escolas da rede pública paulista. Por quais outros Estados esse exemplo já é seguido?
Jobim – A ABIR não tem como afirmar onde essa medida pode ser adotada. A decisão de suspender a venda de refrigerantes em escolas é um tema que tem sido discutido pelos associados. Defendemos que essa decisão seja tomada por parte da indústria e não por meio de legislação.
PR – Mantida essa tendência em curso, em quanto tempo a ABIR projeta que o consumo nacional de água mineral deve superar o de refrigerantes?
Jobim – Existem outros pontos de venda e o impacto da restrição em escolas não está totalmente mapeado. Não temos como fazer tal projeção. Podemos dizer que as empresas de refrigerantes seguem investindo em seus produtos e em versões diferenciadas em termos de tamanho, quantidade de calorias e de açúcar, a fim de oferecer diferentes opções ao consumidor.
PR – Qual a interpretação da ABIR sobre a presença crescente de indústrias de refrigerantes na produção de água mineral e bebidas saudáveis?
Jobim – Cada marca possui seu modelo de negócios e caminhos próprios de tomada de decisão. Alguns dos nossos associados possuem portfólios que abrangem todos esses setores e não sinalizam com recuo de produção de produtos específicos. Temos verificado inclusive o lançamento de mais tipos de refrigerantes, por exemplo.
PR – Como a ABIR analisa o imposto sobre refrigerantes adotado pelo governo mexicano para inibir o consumo do produto? É uma ferramenta eficaz?
Jobim – O caso do aumento de impostos para bebidas açucaradas demonstrou um impacto de pouca significância em termos de redução de calorias diárias ingeridas – apenas seis calorias. Considerando que, em média um brasileiro deve consumir 2.000 calorias diárias, isso não demonstra efetividade em termos de preocupações calóricas. Fora isso, o aumento da taxação no México gerou o fechamento de pequenos negócios e desemprego. Nossos associados já contribuem com R$ 20 bilhões em tributos ao ano e geram 1,5 milhão de empregos indiretos e 122.000 diretos. É importante analisar o custo benefício dessa iniciativa do México e sua compreensão indica não ser a melhor forma de se enfrentar os desafios colocados. Por isso, a ABIR é contra tal medida.
PR – No Primeiro Mundo, garrafas e galões de plástico têm, em bebidas não alcoólicas como sucos líquidos, uma participação de mercado bem maior do que a aferida no Brasil, onde a embalagem da caixa cartonada domina com folga o envase de sucos. Por que isso acontece aqui, fugindo à regra mundial?
Jobim – As embalagens cartonadas são utilizadas mundialmente para sucos e outras bebidas com muita polpa. A sua tecnologia de esterilização e envase garante a qualidade e estabilidade do produto, sendo a embalagem ideal para países de climas tropicais.
As frutas da época
O vento nunca soprou tanto a favor de sucos & cia
“Existe uma tendência mundial de aumento de consumo de bebidas mais saudáveis”, vaticina Ricardo Machado, vice-presidente de operações da Wow! Nutrition, bólido nacional em sucos líquidos. “Nos últimos anos, a categoria de refrigerantes tem sido carimbada de vilã e suas vendas vêm caindo nos principais mercados do mundo, em especial no maior deles, os EUA, e no Brasil não é diferente”.
Machado define a tendência como um movimento de saudabilidade. “As empresas focadas em refrigerantes começam a ter seu futuro questionado até mesmo por investidores acostumados a anos seguidos de aumento de vendas e lucros”. A saída para esses fabricantes, ele sustenta, é começarem a buscar um contrapeso ao recuo em carbonatados nas bebidas alternativas. Para aproveitar essa deixa, encaixa Machado, a Wow! mantém um fluxo contínuo de lançamentos para esse segmento. Não tem do que se queixar. “Nossas categorias vêm apresentando ótima performance, com destaques para chás e bebidas à base de frutas”, distingue o vice-presidente.
Perto dos refrigerantes, reconhece, seus produtos ainda acusam penetração e consumo reduzidos, mas o jogo não deve ficar nisso. “As pesquisas da Wow! mostram que os consumidores não abandonam os refrigerantes mas querem diversificar cada vez mais suas opções de bebidas nas diversas ocasiões de consumo e elas são as principais beneficiárias dessa mudança”, percebe Machado.
Para PET, a queda arredondada em 6% nas vendas de 2015 do seu maior mercado, os refrigerantes, foi pesarosa, mas teve atenuantes. “Outros campos cresceram no mesmo período, como água mineral, cosméticos, amaciantes, água mineral, sucos e chás”, exemplifica Theresa Moraes, gerente comercial da subsidiária da italiana M&G, maior produtora do poliéster no país. A concorrente PetroquímicaSuape não deu entrevista. Theresa retoma o fio fechando com quem atribui o declínio das vendas de refrigerantes à crise e o vento a favor para bebidas alternativas. “A questão da troca por produtos mais saudáveis é nítida a ponto de grandes fabricantes de refrigerantes estarem adquirindo empresas de sucos, chás e água mineral”.
No Brasil, bebidas saudáveis são, em geral, dominadas pela caixa cartonada. Uma preferência justificada até com o clima tropical pelo presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir). Theresa reconhece a situação, mas deixa patente que PET não é de ficar em segundo plano. “A mudança da embalagem para PET já é observada em grandes proporções na Europa e EUA”, assinala. “Ela começa a ocorrer aqui, mas com mais vagar em razão da crise”.
Auri Marçon, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet) assina embaixo da visão de Theresa. “Nos últimos dois anos, a economia pode ter distorcido as avaliações sobre produtos cujas vendas cresceram e caíram, caso dos refrigerantes, e até mesmo no perfil de consumo deles”, pondera. “De todo modo, não há qualquer preocupação com eventual queda no consumo de PET. Na verdade, já se destaca o crescimento de outros segmentos da resina, a exemplo de sucos e lácteos”. Essa expansão é ponto pacífico, mas, nos dois casos, parte de um patamar muito acanhado e os volumes de crescimento não são páreo para as quantidades de PET mobilizadas pelos refrigerantes. “A elevação de outros setores não consegue reduzir significativamente os danos causados às vendas de PET pela queda no consumo de refrigerantes, apenas ameniza o estrago”, julga Newton Zanetti, diretor da Pavan Zanetti, titular nacional em sopradoras do poliéster e de poliolefinas.
A maioria das bebidas saudáveis é enquadrada por Marçon na categoria dos produtos sensíveis, dependentes de barreiras a luz, oxigênio, UV etc. PET preenche esses requsitos com tecnologias apropriadas já em uso na praça. “Esses avanços são notórios nas gôndolas, através de marcas usuárias de PET em produtos como água de côco, chá e lácteos”. O dirigente faz fé em competição pela frente com a caixa cartonada em bebidas sensíveis, com base em atributos dos frascos transparentes como praticidade, segurança, economia, adequação ao consumo em movimento, visualização do conteúdo e reciclabilidade. Para Marçon, a discrição das garrafas de termoplásticos como PET em sucos no Brasil decorre de serem relativamente novas as tecnologias de envase a quente e asséptico ou capazes de alongar a vida de prateleira.
Do ponto de vista da embalagem, a queda nas vendas de refrigerantes impacta menos que o consumo total em litros, atesta Paulo Carmo, gerente da unidade de negócios para embalagens da base comercial no país da canadense Husky, formadora global de opinião em injetoras de pré-formas. “Vale considerar, por exemplo, o aumento das vendas de refrigerantes em garrafas menores, puxado pelo interesse do consumidor em conveniência e transporte facilitado”. Para o executivo, a recessão tem culpa no cartório pelas avarias no consumo de refrigerantes, mas a entrada de alternativas como bebidas saudáveis influi no declínio. “Há mais produtos disputando uma fatia da carteira de um público mais demandante de opções”. Por essas e outras, ele amarra, grandes grupos de refrigerantes hoje correm para diversificar o portfólio debutando em segmentos em expansão, caso dos sucos.
Bebidas sensíveis são assediadas pela Husky com pré-formas multicamada, tecnologia baseada na plataforma HyPET HPP5, explica Carmo. “Consta de um processo de injeção simultânea de dois materiais e envolve um sistema projetado e construído pela Husky e que opera também em modo monocamada e no mesmo ciclo de uma injetora convencional de pré-formas”, descreve o gerente. “A flexibilidade dessa tecnologia possibilita o pleno controle da dosagem do elemento de barreira, sua profundidade e posicionamento em relação à espessura da pré-forma”.
Sucos e água de côco são mercados prezados pelas sopradoras da Pavan Zanetti. “Nossa linha Petmatic dá conta de até 7.000 frascos de 500ml /h e, para recipientes de polietileno de alta densidade (PEAD), indicamos sopradoras de dupla estação com carros porta moles com longos (1.000m) cursos de transferência”, informa o diretor Newton Zanetti. “Elas trabalham com até 12 cavidades de 500 ml de molde por carro ou com 13 cavidades de 300 ml”.
Zanetti justifica o reinado da caixa cartonada em bebidas saudáveis no Brasil. “Essa embalagem mantém com mais eficiência os ingredientes ativos e veda a entrada de luz”, opina. PET poderá atender a alguns segmentos, ele assinala, mas a caixa vai reter um grande mercado por constituir, na definição do analista Antonio Carlos Dantas Cabral, uma solução sistêmica através da qual seu fornecedor se impõe com equipamentos como os de formatação, enchimento e vedação, provendo a embalagem já paletizada para distribuição. Antonio de Pádua Dottori, ás do time comercial da Pavan Zanetti, pensa fora desse quadrado. “Enquanto o valor agregado da bebida saudável na gôndola pagar a diferença do custo entre a caixa e o frasco de PET, a situação atual não muda. Mas a partir do momento em que o mercado forçar uma redução de preço no ponto de venda, deveremos presenciar mais casos de migração da embalagem cartonada para o poliéster, cujas soluções tecnológicas estão à altura dessa substituição”.
Apesar da atual disparidade dos números de consumo, o refrigerante, encarado como uma bomba calórica a torto e a direito, já sente no calo o pisão da bebida alternativa, constata Newton Zanetti. “A juventude hoje busca opções mais salutares, como água de côco ou isotônicos. É uma mudança de hábitos sem volta”. Segundo Dottori, se o potencial não fosse ok, os figurões em refrigerantes não estariam investindo para se aboletar em derivados de frutas sem gás e o esconjurado açúcar. Tudo muito natural. •