Polietileno verde, polímeros biodegradáveis, ciclo de vida, reciclagem e demais divindades do altar ambiental do plástico fazem a alegria dos marqueteiros e dos devotos do pensamento politicamente correto. Só tem um porém: estão fora do entendimento do grosso da população e assim será enquanto a formação do cidadão for um pau que nasce torto. É esse o balde de água fria despejado sobre os idealistas por uma vergonha descerrada pelo Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo (Selur). Todo ano, constata um pente- fino, 25% das lixeiras comunitárias de polietileno instaladas na capital paulistana, o maior centro econômico nacional, são depredadas e queimadas. Apenas no ano passado 145.000 lixeiras foram instaladas na cidade. O vandalismo, lastima a autarquia em comunicado à imprensa, dificulta a prática do descarte correto. Pior: ele mostra que o Brasil é um país muito adiantado em seu atraso.
Além da Selur, dois expoentes da sustentabilidade na cadeia do plástico, Rogério Igel, da recicladora Wisewood, e Beni Adler, da transformadora Nobelplast, esquivaram-se de interpretar a barbárie. O antropólogo Roberto da Matta e o educólogo Cláudio de Moura Castro ignoraram o pedido de entrevista. Plásticos em Revista procurou então uma professora da rede pública. Topou falar protegida pelo anonimato. “Nem a prefeitura nem meus colegas aceitam comentários na mídia que arranhem a imagem do professor e do setor”.
Ela atua há 14 anos na rede paulistana, tendo passado por duas escolas municipais do ensino fundamental, do1º ao 9º ano, no bairro do Butantã, zona sul da metrópole. A seu ver, a depredação das lixeiras pode ter lastro na sensação da impunidade mas, de longe, a razão dominante, ela frisa, é a formação falha, dos pontos de vista cultural e educacional, e cuja raiz é o ambiente familiar. “A primeira escola onde ensinei atendia uma comunidade sem asfalto e serviços de água e com lixo no chão; a população nada sabia do descarte correto em lixeiras. Na escola atual, a noção dos alunos sobre educação ambiental é melhor, pois fica em lugar mais cuidado e há três anos os professores tocam um projeto de monitoramento com os estudantes dos pontos de lixo nas imediações”.
A desorientação familiar paira sobre as cenas volta e meia presenciadas pela professora no colégio. “Certo dia, a escola sofreu um arrastão e os bandidos levaram tudo dos professores”, ela conta. “Correu boato de que o bando foi informado das condições vulneráveis do lugar por alunos e, na realidade, estava atrás do meu carro para praticar assaltos. Escapei por ser meu dia de rodízio”. Esse stress cotidiano tem uma régua de medição nos 136.000 afastamentos médicos concedidos em 2015 à rede pública paulista, cujo efetivo soma 220.000 professores. Principal causa: transtornos comportamentais e mentais, como depressão. A professora escancara o drama. “São frequentes as brigas de estudantes na aula e a depredação de material escolar, como riscar ou quebrar carteiras”, ela conta. “Nunca me agrediram, mas já fui empurrada por aluno que expulsei da sala e desafiada em minha autoridade por outro, ao exigir que desligasse e me desse o celular. Ele me olhou e disse: ‘vem pegar’.”
Celular é o ai jesus em status entre os alunos do ensino fundamental. “O celular de muitos deles é melhor que o meu, embora não raro falte comida em casa e eles contem apenas com as refeições dadas pela escola. Mas não abrem mão de celular e das roupas e tênis da moda”. A professora ignora como os estudantes conseguem esses bens mas, de outro ponto de vista, tal acesso abala as pilastras do clichê de que o vandalismo em lixeiras estaria em ligação direta com a barreira econômica no caminho da educação ambiental e conhecimento dos direitos e deveres da cidadania.
A professora discorda do raciocínio de que, se as lixeiras fossem de metal em vez de plástico, o peso maior e a impressão de mais resistência e solidez inibiria o quebra-quebra. “Nada detém esse pessoal na depredação do que for, mesmo um bem do patrimônio público como as lixeiras”, considera a docente. “Uma prova é a recente pichação do painel de Cândido Portinari na Igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte”. •