Para se manter na disputa por um mercado cada vez mais concorrido, os participantes dependem de escala, qualidade e baixo custo operacional. Adepta fervorosa dessa percepção, a Cirklo, nº1 no Brasil na reciclagem de PET grau alimentício ou bottle to bottle (BTB), põe em marcha uma estratégia de expansão que, por tabela, eleva a métrica de competitividade no ramo, barrando cada vez mais a atuação de indústrias de menor envergadura produtiva e financeira. É esta a leitura por trás da anunciada incorporação da indústria alagoana Clodax pela Cirklo, uma potência que reciclou mais de 3 bilhões de garrafas PET em 2024 e caminha para bater com facilidade esta marca a curto prazo, como deixa claro nesta entrevista o CEO Irineu Bueno Barbosa Junior.
Irineu Barbosa: capacidade anual da Cirklo cresce 75.000 t até dezembro.
Após captar R$ 220 milhões em debêntures emitidas, a Cirklo comprou a recicladora de PET BTB Clodax. Qual o investimento feito nessa transação, qual a capacidade instalada e anos de atividade da Clodax e quais as às conveniências operacionais, econômicas, logísticas que motivaram a Cirklo a comprar essa recicladora alagoana?
Não abrimos o valor negociado para a compra da Clodax, mas o que posso dizer é que a aquisição foi de 100% da empresa, não tendo novos sócios na Cirklo além dos fundadores da Global PET e Green PCR (recicladoras incorporadas na Cirklo), somados aos acionistas da gestora eB Capital e do fundo Circulate Capital.
A capacidade instalada é de 500 t/mês de PET BTB. Contudo, neste momento, focaremos nas áreas de moagem e lavagem de flakes em Alagoas, complementando o abastecimento de flakes nas unidades da Cirklo na Paraíba e São Paulo. A decisão de adquirir se deu em torno de uma estratégia de ampliar a malha logística e captação de garrafas na região de Maceió, identificada por nós como uma oportunidade para a expansão do negócio.
Quais os planos concretos que respaldam a anunciada meta da Cirklo de quase triplicar sua capacidade até o fim de 2025?
Iniciamos 2024 com a capacidade nominal de produção de resina PET pós-consumo reciclada (PCR) de pouco mais de 40.000 t/a e terminaremos 2025 com 115.000 t/a. Foram investidos recursos em selecionadoras de flakes com tecnologia laser, extrusora Erema, reatores Starlinger e Polimetrix além do aumento na capacidade de moagem de garrafas e na ampliação predial em todas as unidades – em São Carlos (SP) e Conde (PB). Ao final da etapa de montagem e startup dos equipamentos, teremos em São Carlos a capacidade para produzir 80.000 t/a e Conde produzindo 35.000 t/a de reciclado para suprir as marcas que concordam com a tese de circularidade de garrafas PET.
Como anda a implantação da programada unidade de reciclagem no polo cearense de Guaiúba?
Com o arremate da unidade de Conde feita pela Green PCR no meio do ano passado e a condição de escassez de matéria-prima no Brasil, entendemos que não haveria disponibilidade de resíduos de PET para reciclagem que viabilizasse o investimento no Ceará. Acabamos por renunciar ao projeto no início de 2025.
Como avalia o impacto para a Cirklo no Brasil da guerra comercial Trump x mundo sobre o excedente global de PET? Com o decorrente barateamento da resina virgem, tem sido expressiva a quantidade de clientes da Cirklo que, movidos por preço em detrimento do compromisso com a sustentabilidade, têm substituído PET reciclado por virgem nas suas embalagens?
De fato, os últimos meses foram marcados por uma debandada de clientes menos comprometidos com os objetivos de nos apoiar no desenvolvimento da circularidade de embalagens PET. A política agressiva de Trump ainda não afetou nosso mercado diretamente; estamos no momento passando por uma correção das variáveis – frete internacional e câmbio que, somados ao preço em dólar das resinas asiáticas, regulam o mercado nacional. No momento, está sendo mais prejudicial para a nossa tese não o tarifaço em si, mas sim as declarações do Trump e outros líderes mundiais em torno da narrativa de que as regulações pró meio ambiente reduziram a capacidade de países desenvolvidos de competir com os asiáticos menos sustentáveis. Houve, sem dúvida, um arrefecimento mundial no ímpeto por salvar o planeta. Contudo, as mudanças climáticas estão aí para todos verem e sofrerem; portanto, é questão de tempo até que nossa onda volte a ganhar volume e velocidade.
Devido à coleta irregular e insuficiente de plásticos pós-consumo no Brasil, com qual ociosidade média a Cirklo rodou sua capacidade em 2024 e quais as perspectivas para este ano? Como a Cirklo busca contornar essa insuficiência de resíduos para operar satisfatoriamente?
Em 2024 não tivemos ociosidade, rodamos praticamente a 100% o ano todo, começando e terminando o exercício com estoques reduzidos. Agora, já com o aumento de capacidade entrando em marcha e o mercado engatando a ré, estamos com cerca de 30% de ociosidade. Sem dúvida isso ocorre porque a ineficiência na coleta não permite suprir as diversas recicladoras nacionais a preços competitivos nos momentos de alta demanda. O preço da sucata PET alcançou patamares nunca vistos em meados do final de 2024. Agora estamos em um momento de correção, com os preços caindo em todas as regiões do país. É a dinâmica da oferta x demanda imperando tanto na comercialização de sucata quanto da resina PET-PCR. Oferta limitada pela ineficiência de logística reversa no nosso país e demanda limitada por preço.
Como sair desse impasse?
A Cirklo apoia todo e qualquer sistema ou projeto de captação de matéria-prima. Entendemos que o Brasil vive uma situação diferente da observada em países desenvolvidos também em relação à coleta e destinação de resíduos sólidos urbanos (RSU). Por isso, não identificamos no exterior um formato já maturado que possa ser copiado por aqui. Há muito o que se evoluir em logística reversa, sistemas de coleta seletiva e tratamento de resíduos em aterros sanitários, bem como no desenvolvimento de embalagens que respeitem critérios básicos de reciclabilidade. É desejo dos acionistas da Cirklo investir nessa seara e alguns projetos-pilotos serão lançados nos próximos meses, mas não visando suprir nossa necessidade monstruosa de matéria-prima e, sim, avaliar possibilidades de inovar nesse campo.