Reciclagem: a valorização que faltava

13 anos de conquistas para o setor proporcionadas pela sua representação CNRPLAS
Reciclagem: a valorização que faltava

A elevação das mudanças climáticas à condição de crise mundial dependente de contra-ataque emergencial mudou de ponta cabeça, nas últimas décadas, o status do plástico reciclado. Encarado no passado cada vez mais remoto como material de segunda, de baixa qualidade e rentabilidade, sem outro atrativo senão preço bem abaixo da resina virgem, a resina reciclada passou a ser considerado pela opinião pública e reverenciado, pela cadeia plástica como uma contribuição ao meio ambiente e uma garantia da sobrevida do material em tempos da economia circular. Para ajustar o passo com a nova música, a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) constituiu em 2012, no corpo de suas representações setoriais, a Câmara Nacional dos Recicladores de Material Plástico (CNRPLAS). Desde então, ela atua e luta em todas as frentes, desde o cenário regulatório à conscientização da sociedade, pelo reconhecimento e valorização do plástico reciclado pós-consumo. O balanço dos feitos da câmara e os desafios pela frente são dissecados nesta entrevista a quatro mãos de Paulo Teixeira, presidente executivo da Abiplast, e Ricardo Jamil Hajaj, diretor conselheiro da entidade e coordenador da CNRPLAS.

Quais as principais ações e conquistas em linha com a causa ambiental que a Câmara Setorial proporcionou aos recicladores de plástico em 13 anos e que, até então, não dispunham dessas vantagens e conveniências?
Umas das primeiras ações da CNRPLAS foi criar o Selo Nacional de Plásticos Reciclados (Senaplas) para promover a formalização do setor e, sobretudo, dar visibilidade às suas empresas. Com o tempo, o Senaplas evoluiu para Senaplas Produto, voltado para atestar a qualidade da resina reciclada. À parte a discussão dos selos, promovemos um workshop sobre aditivos oxidegradantes entre o meio acadêmico e recicladores, para esclarecer os impactos na cadeia de recuperação de polímeros. O evento convergiu para o posicionamento da Abiplast sobre oxidegradantes e um posicionamento assinado junto com entidades internacionais contra o produto. Outra ação, iniciada pela CNRPLAS em 2022, foi a revisão da norma técnica de sacolas plásticas, de forma que pudesse ser utilizada resina reciclada pós-consumo na produção e regulamentar este mercado. O que foi feito e publicado em 30 de maio de 2023. Além disso, a câmara desenvolveu, há alguns anos, uma cartilha para incentivar a reciclabilidade de produtos, o que acabou dando origem e embasando a Plataforma Retorna. Trata-se da primeira ferramenta online e gratuita que calcula o índice de reciclabilidade da embalagem plástica, projeto desenvolvido pela Rede pela Circularidade dos Plásticos. Constitui um avanço em relação à primeira cartilha feita pela CNRPLAS. A ideia é firmar a noção do Retorna como uma forma de avaliar o índice de reciclabilidade na norma a ser desenvolvida.

O que foi feito para mensurar o desempenho da indústria recicladora?
Começamos a monitorar os índices de reciclagem mecânica de plásticos pós-consumo e, em 2018, por meio do Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast), iniciamos a pesquisa de reciclagem no Brasil. Temos hoje uma base de dados que nos permite conhecer o setor, seus números, suas particularidades e propor políticas públicas e de competitividade aos atores públicos. A propósito, em relação às cooperativas de catadores, que são nossos fornecedores, desenvolvemos o treinamento e uma cartilha para melhorar a qualidade e fluxo de materiais. Junto com a Rede pela Circularidade do Plástico, apoiamos o desenvolvimento do CirculaFlex, plataforma que aproxima as cooperativas dos recicladores para a reciclagem de embalagens flexíveis pós-consumo dos tipos mono, multicamada e metalizados. Portanto, estamos fortalecendo a cadeia de reciclagem ao conectar cooperativas e recicladores, aumentando o volume de materiais processados e impulsionando a viabilidade da recuperação de flexíveis pós-consumo. Com capacitação e suporte técnico, o projeto melhora a qualidade dos insumos recicláveis, criando novas oportunidades de mercado e agregando valor ao material reciclado. Em outra parceria com a Rede pela Circularidade do Plástico, implantamos o Programa Recicla Cidades nos municípios paulistas do Guarujá, Praia Grande e Bertioga. O objetivo é conscientizar a sociedade sobre o valor dos resíduos por meio de trocas deles por produtos necessários para as comunidades e, assim, contribuir para a destinação correta do refugo plástico, evitando que acabe nas praias e no mar. Além da limpeza realizada, aumentamos assim o volume, qualidade e valor da sucata que chega às cooperativas. Em fevereiro último, a Rede pela Circularidade do Plástico estendeu a iniciativa a outras cidades do litoral paulista, São Vicente e São Sebastião. Para completar as principais ações empreendidas pela câmara setorial nesses 13 anos, vale salientar o trabalho de comunicação em andamento, levando às redes sociais informações e vídeos sobre reciclagem. No plano mais recente, começamos a discussão com o Ministério do Meio Ambiente a respeito de uma norma para índice de reciclabilidade de produtos. De forma efetiva, ela regulamentará o que é um produto reciclável e como medir essa condição.

Até a constituição da CNRPLAS, em 2012, a indústria recicladora carecia de uma voz que refletisse posições consensuais. Em regra, o setor era marcado e fragmentado por posturas de cunho regional. Quais os mais significativos trabalhos desenvolvidos por esta câmara para o setor enfim desfrutar de posições coesas e coerentes de envergadura nacional?
O fato de sermos amicus curiae (terceiro que ingressa no processo para fornecer subsídios ao órgão julgador) junto ao processo RE 607.109 no STF, no qual discutimos o crédito de PIS e Cofins, atesta nossa legitimidade para representar nacionalmente o setor. Vale lembrar que somente associações com representatividade nacional comprovada podem participar de pleitos desta natureza. Em decorrência é claro que Associações Regionais terão dificuldade e legitimidade de sustentar uma agenda dessa natureza. No mesmo sentido deve ser interpretada a participação da Abiplast como representante dos recicladores no Conselho de Incentivo à Reciclagem do Governo Federal e com assento no Fórum Nacional de Economia Circular. Vale lembrar que somos a única entidade industrial do setor de transformados e reciclagem de plásticos habilitada como stakeholder perante a ONU nas discussões do Tratado Global de Combate à Poluição Plástica.

Quais as principais pendências e metas concretas da CNRPLAS para este ano, em termos de regulamentação, imagem institucional, mercado e aprimoramentos do desempenho anual?
Como todos os setores de reciclagem (não somente de plásticos) ficaram fora da reforma tributária no item de desoneração prevista pela Constituição, vamos trabalhar para que a legislação seja cumprida e o setor de reciclagem tenha sua tributação diferenciada. Temos a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 132, sobre a qual estamos conversando com o Deputado Arnaldo Jardim, para pensarmos qual a melhor forma de propor e regulamentar esta modificação da constituição, de forma a levar as particularidades do nosso setor ao devido enquadramento legal. Outros projetos de lei estão sendo examinados no Congresso neste mesmo sentido, para minimizar o impacto da carga tributária no setor. Também temos trabalhado para o decreto para logística reversa de embalagens plásticas incorporar a obrigatoriedade de conteúdo reciclado, tal como ocorre em outros países e de forma a proporcionar às nossas empresas de reciclagem um consumo constante e crescente. Desse modo, poderão investir cada vez mais em capacidades e qualidade para suprir as necessidades do mercado, adaptadas aos critérios vigentes tanto para o cenário interno quanto para a exportação de produtos em linha com a circularidade. Por fim, a câmara está organizando uma visita técnica à feira alemã K’2025 (8-15/10), para conhecer as novidades sobre reciclagem e difundí-las aqui, através de webinar e relatório customizado às empresas do setor.

O governo Trump causa reviravolta no debate ambiental mundial posicionando-se a favor de petróleo/petroquímica e até mesmo de produtos plásticos descartáveis. Como essa guinada da maior economia do planeta pode impactar na trajetória da reciclagem de plásticos no Brasil, uma vez que, nesse cenário, tende a perdurar a superoferta de resinas virgens mais acessíveis no país e a insuficiência de coleta seletiva e aterros sanitários para estimular o recolhimento e recuperação de resíduos plásticos?
A posição do governo americano de sair do acordo de Paris traz uma alteração importante nos tratados sobre a questão do clima e na agenda de sustentabilidade. Entretanto, as grandes empresas dos EUA já têm suas metas voluntárias ou obrigatórias, a depender do país onde estão localizadas, assim como os consumidores globais já têm uma posição sobre a importância da sustentabilidade e das mudanças climáticas. Por isto, achamos que essas companhias não descontinuarão seus programas de repensar, reduzir, reutilizar, recondicionar e reciclar suas embalagens. Quanto ao excedente da indústria petroquímica, tem causado um impacto mundial negativo no setor da reciclagem. A nosso ver, a obrigatoriedade de conteúdo reciclado, prevista no decreto para logística reversa de embalagens plásticas, vem dar sustentação econômica e ambiental ao nosso setor.

Quais as ações na mira da câmara, a curto prazo, para favorecer recicladores com suprimento regular de matéria-prima de qualidade e para estimular o uso de teores de reciclado em artefatos transformados numa conjuntura de preços que torna mais atraente (e de especificação menos complexa) a opção da bem mais abundante resina virgem?
A situação da resina virgem barata permanecerá por alguns anos. O importante – e trata-se de trabalho difícil – é levar valor adicionado às resinas recicladas, de forma que não entrem na concorrência com as virgens só pelo preço. Para tanto, sabemos da importância da decisão dos brand owners em colocar no mercado produtos com conteúdo reciclado. Dessa forma, projetos como o Recircula Brasil, que prevê a emissão de Selos de Rastreabilidade e de Conteúdo Reciclado, assim como normas para produtos do setor, se tornam diferenciais competitivos no médio prazo. Tudo isto tem a ver com leis e regulamentos. A obrigatoriedade de conteúdo reciclado, prevista no decreto para logística reversa de embalagens plásticas, e exigida aos brand owners, bem como a mesma determinação vigente em mercados como o europeu (destino de alimentos brasileiros embalados), também influem neste quadro. Outras políticas públicas como o Programa Mover, que prevê conteúdo reciclado em peças plásticas automotivas, também promovem este mercado.
Claro que todas estas políticas públicas exigem das empresas que tenham rastreabilidade, normas, selos e etc. Tudo isto conversa com todos os movimentos que, junto com seus recicladores, a Abiplast vem fazendo, seja com o Senaplas e as normas em desenvolvimento, seja com o Recircula Brasil, que rastreia e regula o mercado de conteúdo reciclado junto com o governo federal.

Como evitar que, tal como já ocorre nos EUA e União Europeia, a reciclagem de plástico caia no descrédito no Brasil como solução isolada para o combate às mudanças climáticas, devido aos resultados por ela apresentados nesses últimos anos, considerados insuficientes diante de uma situação ambiental vista como dramática e emergencial?
O principal relatório que contesta a reciclagem mecânica nos EUA, dizendo que somente 9% de plásticos são reciclados no país, se utiliza de um estudo que diz que a reciclagem vai aumentar. Outro ponto é que todas as metas de economia circular – a exemplo de diretivas da União Europeia sobre o tema, metas voluntárias de empresas e o Tratado Global – têm se baseado em aumento de reciclagem. Na Europa já se recicla mecanicamente cerca de 35% dos plásticos. E a diretiva europeia vigente obriga as empresas a reciclarem, sob pena de não poderem vender o produto ou serem taxadas. Isso vale, inclusive, para seu comércio internacional.
O caso da reciclagem, segundo o que se tem discutido no Tratado Global, tem pouco a ver diretamente com descarbonização e mais com a poluição física do ambiente. Claro que utilizar resina reciclada gera menos emissão de carbono, mas o impacto maior é na poluição e, sobretudo, na manutenção de um produto no ciclo produtivo.

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